Taiguara, Queen e até Roberto Carlos giram na vitrola de "Aquarius"
Logo nos primeiros minutos de “Aquarius”, um arranjo de orquestra, acompanhado da bateria marcada da black music, invade as caixas de som. A grandeza do arranjo de “Hoje”, de Taiguara, foi irresistível para o diretor Kleber Mendonça Filho.“Parece música-tema de James Bond”, comenta.
A canção de 1969 inicia e encerra segundo longa-metragem do pernambucano, que estreou na quinta-feira (1). É, de certa forma, o tema de Clara, personagem vivida por Sônia Braga, como indica o primeiro verso: “Hoje, trago em meu corpo as marcas do passado”. Assim como Taiguara, Clara teve um câncer. A personagem sobreviveu. Na vida real, o cantor não resistiu à doença e morreu em 1996, aos 50 anos.
Taiguara foi um artista militante na música brasileira e se tornou um dos compositores mais censurados pelo Regime Militar, mas não foi o subtexto de resistência que fez a canção abrir o filme, mas sim a sugestão de uma plataforma de streaming.
“Estávamos testando algumas canções para o filme. Fui atrás de ‘Nuvem Passageira’ [de Hermes Aquino] e o Tidal [serviço de streaming] sugeriu ‘Hoje’”, conta Mendonça Filho. “Na hora que colocamos a canção, vimos que tinha muita força. Foi a última canção a entrar na trilha.”
Tão importante quanto a história de Clara, a trilha de “Aquarius” [ouça abaixo] se propõe a fazer uma viagem ao som dos anos 1970 – período em que Clara atuou como crítica musical e que ela indica ser sua década preferida.
Seu apartamento na praia de Boa Viagem, em Recife – alvo de disputa de uma construtora – é uma cápsula do tempo, repleto de citações afetivas, que vão do cartaz do filme “Barry Lyndon” (1975), de Stanley Kubrick, a estante repleta de vinis. Ela até ouve músicas no iPhone, mas prefere a antiga vitrola.
Em uma cena, enquanto ouve à moda antiga o antigo grupo pernambucano de rock psicodélico Ave Sangria – “40 anos e toca perfeito” --, Clara pega a capa de “Double Fantasy”, último disco de John Lennon, gravado ao lado de Yoko Ono, e retira de dentro um recorte de jornal da época do lançamento, dias antes do assassinato do ex-Beatle, em 1980. “Isso é como uma mensagem na garrafa”, diz a personagem.
E há muitas outras mensagens no prato de sua toca-discos:
Os vinis (e o K7) de "Aquarius"
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Roberto Carlos
Desconfiado e extremamente rigoroso quanto à liberação de suas músicas, Roberto Carlos é uma das grandes surpresas da trilha. E nem deu trabalho à equipe. Autorizou de cara a canção "O Quintal do Vizinho", uma das menos óbvias de seu cancioneiro. "Com a descrição precisa da cena, acho que com a presença de Sônia Braga no filme, e com certo prestígio que "O Som ao Redor" teve, entramos em contato com a equipe e recebemos um sim. Foi um dos momentos mais felizes da produção", conta Kleber Mendonça Filho. Sônia dança a canção no meio da sala após um encontro malfadado. "Roberto é uma entidade incrível na nossa cultura. Ele é o rei. Não é uma música dor de cotovelo, o que seria uma tragédia para a cena. Ela fala de um otimismo da vida em sociedade."
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Gilberto Gil
Gil serviu como trilha em momentos distintos da vida de Clara, mas "Pai e Mãe" é tocada de surpresa e embala uma das cenas mais singelas do longa. O disco "Refazenda" (1975) faz parte da coleção de Clara, mas a canção é escolhida pela namorada do sobrinho da personagem. A escolha de "Pai e Mãe" já estava determinada no roteiro. A letra fala de como o relacionamento de Gil com seus pais guia suas relações afetivas pela vida. "É uma das musicais mais lindas para mim. É muito moderna e ele fez com profundo amor pelos pais, dá para sentir isso. Essa música me tocou ainda mais hoje, agora que sou pai."
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Queen
Clara dedicou anos da sua vida para escrever um livro sobre as obras de Heitor Villa-Lobos, mas, assim como o cineasta, adora Queen. "Fat Bottomed Girls" está na trilha, mas é com "Another One Bites the Dust", logo no início, com seu baixo grave, que Mendonça Filho gosta de testar o sistema de som das salas. "É perfeita para ver se está no volume certo", diz. Clara apresenta a canção ao seu irmão em um K7 no toca-fitas do carro. Não é a primeira vez que a banda britânica toca em um filme seu. Em "O Som ao Redor", "Crazy Little Thing Called Love" rola quase na íntegra. "Até agora foi 3 a 0. Três músicas autorizadas por eles sem nenhum problema", conta.
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