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D2: Jovem entra no samba para "ter Ferrari e casar com loura da novela"

O cantor Marcelo D2 - Cadu Cavalcanti/Divulgação
O cantor Marcelo D2 Imagem: Cadu Cavalcanti/Divulgação

Mônica Vasconcelos<br>Bruno Garcez

Da BBC Brasil, em Londres

31/08/2015 18h00

O cantor carioca Marcelo D2, que desde a década de 1990 vem mesclando samba com rock e hip-hop à procura "da batida perfeita", disse à BBC Brasil que, se depender dele, o samba não vai morrer. Mas confessou estar triste com a situação atual deste gênero musical no Brasil.

Para D2, 47, pai de quatro filhos, o jovem que procura o samba hoje vem seduzido pela ideia de ter "a Ferrari e a loura da novela" e não pelo desejo de fazer um trabalho de qualidade.

De passagem por Londres, onde se apresentou na casa de shows Electric Brixton, no sul da cidade, D2 conversou com a BBC Brasil e respondeu a perguntas de internautas sobre vários tópicos, entre eles, a possível descriminalização do porte de drogas no Brasil, em discussão, nesse momento, no STF (Supremo Tribunal Federal), e a situação política no país.

Pergunta: O STF discute a possível descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. O que tem a dizer sobre isso?
Marcelo D2 -
Acho que o Brasil está dando passos bem lentos neste sentido, mas já é um começo. Concordo com o ministro [do STF] Gilmar [Mendes]: usar drogas é uma decisão pessoal. Acho que a tolerância é o melhor caminho. O mundo inteiro já mostrou isso.

Tendo em vista que a compra e venda continuariam proibidas, a descriminalização do porte apenas já seria um avanço?
Avanço mesmo seria a legalização. Nos dois últimos anos, nos Estados Unidos, alguns Estados começaram a legalizar [a maconha] para uso medicinal e até uso recreativo. O caminho seria esse. Mas já é um primeiro passo. Só o fato de a gente estar começando a conversar, algo que já fazíamos no Planet Hemp desde 1995, e acabamos até indo presos. Mas só de podermos conversar já é um avanço.

Uma internauta pergunta: Cumprir mandato, renúncia ou impeachment? Claro que ela se refere à presidente Dilma.
Um impeachment é uma coisa muito séria. A gente já passou por isso. O Brasil tem de parar com esse negócio de direita ou esquerda, porque o caminho do centro sempre foi o mais sábio. Mas não sei se um impeachment faria bem para o Brasil. A gente tem de tirar o PT do governo, porque o PT já está [no poder] há 12 anos e, como o Brasil é um país supercorrupto, isso causa uma máquina de corrupção incrível. Acho que tem de mudar, mas mudar para quem também é difícil, né? A primeira coisa que a gente tem de fazer no Brasil, não importa se é Dilma, PT, PSDB, Aécio ou sei lá o quê, é acabar com a corrupção e a impunidade.

O rap brasileiro ainda reflete os problemas do cotidiano, das periferias? Ainda é um canal para se falar da desigualdade social no Brasil?
Não só no Brasil. Tenho andado pelo mundo, e em todo gueto tem um cara cantando rap e achando que vai mudar o mundo. O rap é a última música de protesto. Qualquer moleque que tenha uma boa ideia e queira falar contra o governo, contra a polícia, contra a violência na área dele.

E o samba? Historicamente, o samba já cumpriu esse papel. Ainda cumpre?
O samba já fez muito, é nossa identidade nacional. Mas não vejo o samba fazer esse papel desde os anos 1990. O Zeca [Pagodinho], o Arlindo [Cruz], o Jorge Aragão, artistas dos anos 1990, ainda fazem isso. Não sei por que o samba perdeu essa essência. Acho que o funk está indo por esse caminho. O funk também tinha um papel social nos anos 1990. Na verdade, a maioria dos músicos hoje procura sucesso e não uma carreira consolidada com uma obra bonita. Quando comecei a fazer música, quando fiz o primeiro disco, "Usuário" (1995), achei o álbum ótimo e pensei: "Daqui para a frente, quero melhorar, fazer música de qualidade". Minha busca nunca foi pelo sucesso, fama ou dinheiro. É difícil generalizar. Deve ter gente fazendo samba e preocupada com isso. Mas o que a gente vê é muita gente preocupada com o corte de cabelo, o que veste, o videoclipe, mais do que com a música. Samba como o João do Vale, a Jovelina [Pérola Negra], a turma do Cacique de Ramos [faziam], não tem mais, não. Tomara que esteja errado, mas é meio triste, né?

Isso teria a ver com a forma como a indústria e a mídia...
[Sem esperar pelo fim da pergunta] Super tem. Foi o que aconteceu com o boom do pagode. Você vê que o que está dando grana é isso, a maioria dos moleques que querem fazer samba quer esse caminho aqui. Você vê um pagodeiro rico casado com a loura da novela, e o João do Valle acabou a carreira pobre. O que o moleque vai querer ser? Vai querer ser o cara que é casado com a mina e que tem uma Ferrari. Será que o samba morreu? Se depender de mim, não. Faço samba também, meu rap tem 40% de samba.

Pretende fazer mais algum disco de samba?
Acabo de fazer um samba novo com o Arlindo, acabo de fazer um samba novo com o Rogê, tenho pensado em fazer um EPzinho de samba para o final do ano. Eu gostei muito da experiência de ter cantado Bezerra da Silva.

A batida perfeita continua sendo samba com rap?
O que importa é a procura, não é a batida perfeita. A batida perfeita é algo utópico. O que mais me fascina é a procura, é ter a oportunidade de cada vez trabalhar com música diferente.

Rap combina com tudo? Dá para misturar rap com sertanejo, por exemplo?
Tem gente que já fez [risos]. O hip-hop é uma cultura de apropriação. Começou com funk americano, mas dá para pegar jazz, samba. O interessante do rap é que é uma música muito regional. Mais importante do que a palavra é que a musicalidade seja daquela região. Por isso, eu procurei o samba.

O que você está ouvindo no momento?
Meus filhos dizem que só ouço morto [risos]. É difícil ouvir alguma coisa nova. De [material] novo, ouço rap. Kendrick Lamar, A$AP Rocky, Dot Demo, do Bronx. No rock, ouço Arctic Monkeys, Black Keys, mas é difícil. Sempre que penso em ouvir um disco novo, penso que tenho bastante disco antigo, clássicos maravilhosos, e prefiro gastar meu tempo ouvindo esses discos.

Falando em música mais antiga: um dos nossos internautas pergunta sobre o Chico Science, um artista que teve muita influência e que mesclou a música tradicional brasileira com sons mais modernos. Esse ainda é um caminho?
A geração anos 1980 do rock brasileiro queria ser os Smiths, queria ser as bandas inglesas. A nossa geração dos anos 1990 --tudo bem que Titãs e Paralamas fizeram isso muito antes-- se aprofundou nisso [na mistura de estilos brasileiros com sons de fora]. Planet Hemp e Rappa faziam rock com samba. Raimundos misturavam hard core dos Ramones com forró. Chico Science, rock com maracatu. Pena que o Chico partiu cedo. Era um cara visionário. Foi muito importante para mim ter alguém que fazia música regional e que era universal. Que alguém vai ouvir em Londres ou na China e vai dizer, "isso aqui é do Rio", ou, no caso do Chico, do Recife.

Produzir música custa caro. Sites de streaming usados para se acessar música sabidamente ou não pagam ou demoram muito a render o suficiente para que o artista cubra seus custos de produção. Qual é a saída para as pessoas fazerem música com qualidade hoje em dia?
O grande lance hoje em dia com a música digital é que o cara que gosta de música mesmo e quer fazer música pela música consegue encontrar o nicho dele e vender um pouquinho, fazer os showzinhos dele. E correr o mundo com o público dele, com quem gosta da música dele. Tem essa coisa de que as pessoas querem cantar para milhões. Não dá para todo mundo cantar para milhões. Com o Facebook e o YouTube, o músico tem mais caminhos para juntar o público dele em certos lugares. Mais importante do que viver de música é estar feliz em estar fazendo música.