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"Eu não sou um músico, sou um canastrão", diz Ozzy Osbourne; leia entrevista

O cantor inglês Ozzy Osbourne em foto de divulgação - Divulgação
O cantor inglês Ozzy Osbourne em foto de divulgação Imagem: Divulgação

GARY GRAFF<br>The New York Times Sindycate

11/04/2010 16h17

Ozzy Osbourne enfrentou um desafio substancial quando decidiu escrever uma autobiografia: se recordar.

De fato, o novo “I Am Ozzy” (Grand Central Publishing) começa com uma introdução que diz: “Tudo o que tenho que fazer agora é me lembrar de algo... Droga, eu não me lembro de nada... Bem, fora isso...”

No final, Ozzy se lembrou do suficiente para 391 páginas, recontando sua juventude pobre em Birmingham, Inglaterra, sua passagem pelo Black Sabbath –que lhe valeu o ingresso com a banda no Salão da Fama do Rock and Roll– e seus 30 anos de carreira solo, além de suas mulheres e filhos, o reality show de sucesso da MTV, “The Osbournes” (2002-2005), e suas batalhas contra o alcoolismo e o abuso de drogas, tudo isso contribuiu para ajudar “I Am Ozzy” a estrear no 2º lugar na lista de best sellers de não-ficção do “New York Times”, em fevereiro.

Ozzy credita a vividez dos relatos e os detalhes dos casos à tenacidade do co-escritor, Chris Ayres.

“Acredite, se eu tivesse que me sentar com papel e caneta, eu ainda estaria na primeira página”, diz o músico de 61 anos rindo, falando por telefone de Nova York, durante sua turnê de divulgação do livro. “O processo de escrever um livro é para pessoas que sabem como escrever um livro. Eu nunca escrevi um livro na minha vida. Eu acho que só li uns cinco na minha vida.”

“(Ayres) foi muito esperto. O que ele fazia era dizer, ‘Ok, me fale sobre sua infância’, e então no meio do caminho ele me pedia para dar mais detalhes, dizendo, ‘Fale um pouco mais sobre seu pai ou sua mãe neste incidente ou naquilo’. Isso ia trazendo as coisas à tona.”

“Na verdade, foi bem rápido. Eu me lembro, quando ele disse que tínhamos terminado, de ter perguntado: ‘Chris, você já tem o suficiente? Com certeza tem... muito mais’. E ele disse: ‘Eu já tenho o suficiente para dois livros, e eles querem apenas um’.”

Ozzy Osbourne - "Bark at The Moon"

Canastrão
Por todo o livro, Ozzy alternadamente explica ou nega uma série de mitos e lendas que surgiram ao seu redor desde o álbum de estreia do Black Sabbath, em 1970. Grande parte deles ele trata com bom humor.

“Eu não sou um músico, eu sou um canastrão”, diz Ozzy, que nasceu John Osbourne e insiste que Ozzy foi e é apenas um personagem que ele criou para transformar em astro do rock um jovem tímido e desajeitado. “Tudo isto é apenas um papel que interpreto, um circo. Todo mundo pensa que estou tentando tramar meu próximo truque para espantar as pessoas, mas não é o caso. As coisas só parecem acontecer ao Ozzy Osbourne.”

Então, o Príncipe das Trevas reinante do rock não é realmente ligado em satanismo?

“Eu sou tão ligado em magia negra quanto em culinária. Provavelmente sou mais ligado em culinária. Eu não sou um adorador de Satã, nunca fui. Eu asseguro que não estou sentado ao telefone com uma máscara de diabo, com presas e mastigando um velho morcego morto enquanto falo com você.”

“Mas assim que você diz ‘Ozzy’, todo mundo fica convencido de que é tudo verdade. As pessoas imaginam que estou sentado em meu quarto de hotel com feiticeiros, rezando ao diabo o dia todo.”

Sim, ele arrancou com os dentes a cabeça de um morcego vivo durante uma apresentação de 1981 em Des Moines, Iowa, mas ele insiste que foi um acidente.

“Eu honestamente achei que era um daqueles morcegos de borracha do Dia das Bruxas. O palco estava coberto com esses morcegos de borracha que as pessoas atiravam em mim, mas eu peguei por acaso um vivo. Não foi nada agradável.”

Sobriedade
Mais sério foi o processo de 1985, impetrado pelos pais de um adolescente da Califórnia que deu um tiro em si mesmo enquanto escutava o álbum “Speak of the Devil” (1982) de Ozzy, que acusavam que as letras de sua canção “Suicide Solution” (1980), assim como um trecho de “Paranoid” (1980) do Black Sabbath, levaram seu filho ao suicídio. Tanto neste caso, quanto em um semelhante de 1991, os tribunais decidiram que nenhuma canção foi responsável pelo suicídio.

“É uma interpretação terrivelmente errada da canção”, diz Ozzy, notando que “Suicide Solution” trata da morte ligada ao álcool do vocalista do AC/DC, Bon Scott. “Ela diz que suicídio pode ser na forma de um líquido, não que o suicídio é uma solução para os problemas de sua vida.”

Nem as drogas e o álcool, ele diz, que o levaram várias vezes a clínicas de reabilitação e a vários problemas com a lei. Ele está sóbrio no momento, diz Ozzy, apesar de que, após ter se gabado de recuperações no passado apenas para sofrer recaídas, ele não deseja dizer nada além disso.

“Eu estou sóbrio hoje. Tudo o que faço é viver um dia de cada vez quando não bebo álcool ou tomo drogas ilegais.”

“Minha vida também está mais simples por causa disso. A vida já é muito confusa de qualquer forma e, ao tomar drogas e álcool, tudo o que fiz foi tornar minha vida muito mais difícil. Eu acabava passando mais de quatro horas ao telefone no dia seguinte, ou pedindo desculpas ou tentando me safar das porcarias que aconteceram na noite anterior. Eu sempre carreguei essa culpa comigo. É engraçado. Quando você está sóbrio, você olha para trás para si mesmo e pensa: ‘Que maluco eu devo ter sido’.”

“Pelo menos agora eu posso dormir e acordar com a consciência limpa, e sei que, seja lá o que tenha feito, eu não posso mudar.”

Apesar de todos os tropeços ao longo do caminho, Ozzy manteve uma carreira que vendeu de mais de 100 milhões de álbuns, assim como sucessos duráveis como “Crazy Train” (1980), “Flying High Again” (1981), “Shot in the Dark” (1986), “Close My Eyes Forever” (1989) e “Mama, I’m Coming Home” (1992). Talvez, na verdade, suas várias controvérsias o tenham ajudado a permanecer relevante em uma época em que muitos de seus pares caíram em uma aposentadoria virtual.

“Eu acho que não posso me queixar. Apesar de não ter sido de uma forma agradável, eu mantive meu nome vivo... eu ainda estou gravando álbuns após todo esse tempo e o rock and roll prospera com o sensacionalismo. Mas às vezes fica muito sério, não é?”

“Às vezes eu gostaria que as pessoas apenas percebessem que isto é entretenimento. Tudo o que faço com minha música é dar um pequeno sorriso às pessoas. Eu sou apenas um artista de rock and roll, minha meta não é salvar o mundo.”

Ozzy Osbourne - "No More Tears"

Disco novo
Logo após “I Am Ozzy”, Osbourne –que também canta no novo álbum solo do guitarrista Slash– lançará o álbum “Scream”, que deveria se chamar “Soul Sucka” até os fãs rejeitarem o nome online. O álbum, o primeiro de composições inéditas desde “Black Rain” (2007), apresentará o novo guitarrista Gus G., um grego que também toca na banda Firewind. Uma de suas faixas, “Let Me Hear You Scream”, fará sua estreia em abril, em um episódio de “CSI: Nova York”.

E como é o novo álbum?

“É bastante pesado. É um cruzamento entre... é como um álbum do Sabbath/Ozzy. É como uma mistura dos dois. Eu não planejei que saísse assim, foi apenas a forma como se desdobrou. Muito dele é bastante pesado e... eu apenas espero que as pessoas gostem.”

Seus planos também incluem uma retomada do festival Ozzfest, que não é realizado há dois anos, mas não outra reunião do Black Sabbath, que realizou turnê com Ozzy em 2005 e se reuniu pela última vez para o ingresso no Salão da Fama, em 2006. Ozzy está atualmente processando o guitarrista Tony Iommi pelos direitos do nome da banda, que Iommi controla segundo um acordo de 1979, que o processo de Ozzy argumenta que foi “repudiado” em 1997, quando a formação original voltou a tocar junta e o vocalista e sua mulher e empresária, Sharon, assumiram o “controle de qualidade” das operações do grupo. Ele argumenta que a marca registrada do grupo deve pertencer igualmente a todos os quatro integrantes originais –Ozzy Osbourne, Iommi, o baixista Terry “Geezer” Butler e o baterista Bill Ward.

Iommi e Butler estão atualmente em turnê com os integrantes de uma formação posterior do Sabbath, sob o nome de Heaven and Hell e, apesar de haver ressentimento no processo, Ozzy ainda fala com carinho de seus ex-companheiros.

“Deus os abençoe. Quero dizer, eu sempre vou amá-los. Eu telefono toda semana para o Bill Ward. Eu falo com ele o tempo todo, eu o amo, amo todos eles, sabe como é. Eu não quero começar a dizer coisas ruins sobre eles, porque não há nada a dizer.”

Se o Black Sabbath agora ficou para trás, pelo menos por ora, a televisão também ficou, após o fracasso de “Osbournes Reloaded” (2009). Sua mulher e a filha do casal, Kelly, estariam preparando outro empreendimento, chamado “Osbourne Family Values”, mas Ozzy não planeja participar.

“Eu nunca digo nunca, mas preciso ser honesto: eu não tenho muito interesse por TV. Aquela porcaria do ‘Reloaded’, eu não queria ter participado daquilo. Quando eles cancelaram o programa, graças a Deus, eu fiquei muito feliz. Eu não sou um cara de televisão, sabe como é? Meu lance é a música e o rock and roll.”

“Eu me surpreendi por ‘The Osbournes’ ter emplacado. Para ser honesto, eu ainda não entendo como aquilo aconteceu. E tem gente que não tem ideia de que estive envolvido no rock and roll toda minha vida. Elas me param na rua e dizem: ‘O que você está fazendo agora?’ ‘Eu estou fazendo meu rock and roll.’ ‘Oh, você também faz isso?’”

“Me espanta o fato de pessoas só me conhecerem pela série de TV”, conclui Ozzy. “Eu realmente não gosto disso.”

(Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan.)

Tradutor: George El Khouri Andolfato