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"Meu pai propôs algo totalmente novo", diz filho de Tim Maia, que estaria completando 70 anos

Tim Maia durante show de inauguração do novo teatro Bandeirantes, em São Paulo, em 1974  - Reprodução
Tim Maia durante show de inauguração do novo teatro Bandeirantes, em São Paulo, em 1974 Imagem: Reprodução

Daniel Solyszko

Do UOL, em São Paulo

28/09/2012 07h00

Se estivesse vivo, Sebastião Rodrigues Maia completaria 70 anos neste 28 de setembro. Um dos nomes mais importantes da música brasileira de todos os tempos, Tim Maia, como ficou conhecido, modernizou a música negra no Brasil numa época onde ela ainda era fortemente associada ao samba e suas variações. Precursor do soul e do funk no Brasil, adotou esses estilos com propriedade, transformando-os em algo unicamente brasileiro e influenciando artistas até hoje.

Em entrevista exclusiva para o UOL, seu filho Léo Maia comentou sobre a carreira do pai e sua contribuição para a música.  “Quando ele surgiu não existia um cenário black. Meu pai propôs algo totalmente novo, um novo tipo de melodia, de harmonia. Tanto que foi uma ruptura no país quando o som dele bateu de verdade”, conta ele.

  • Acervo UH/Folhapress

    Tim Maia durante o início da carreira, em 1970

O primeiro contato de Tim com a música ocorreu por volta de 57, quando formou os Sputniks (depois The Snakes) , que teve em sua formação os futuros reis da Jovem Guarda, Erasmo e Roberto Carlos. “Meu pai já tocava violão, e tinha ensinado o Erasmo a tocar. Eles eram amigos de infância, de jogar bola, sair na mão. E O Roberto era de Cachoeiro e foi para a Tijuca. Eles se juntaram e formaram o conjunto numa igreja”, conta Léo.

Em 1959 Tim Maia embarcaria sozinho para os EUA, aos 17 anos de idade, onde permaneceria por quatro anos. “Ele viu toda a efervescência e o nascimento da cultura black lá”. Nos EUA Tim formou a banda The Ideals, que gravou um compacto, “Yes I Love”. Segundo Léo, Tim havia sugerido que o baterista incorporasse uma levada de bossa nova nas gravações, que teria ficado receoso. “Meu pai disse ‘como é negão, qual é pô, vamos fazer um som, levar pra frente essa porra’. Aí o cara relaxou e fez a gravação”, brinca ele.  Após quatro anos, Tim Maia acabou sendo deportado de volta para o Brasil por posse de maconha, crime considerado grave na época. “Por nada, como dizia ele, por causa de um baseadinho”, explica Léo.   

  • Divulgação

    O cantor em apresentação da época em que aderiu à seita Universo em Desencanto

Uma das primeiras composições de Tim Maia a chamar atenção foi “Não Vou Ficar”, que Roberto Carlos gravou no seu disco homônimo de 1969. Tim e Roberto sempre foram amigos de longa data, mas sua amizade também foi marcada por brigas. “Eles eram amigos, cresceram juntos. Mas competiam musicalmente. Eu posso dizer que o meu pai tinha o maior ciúmes do Roberto por causa da minha avó. Meu pai dizia que ela gostava mais do Roberto do que dele”.

No meio dos anos 70 Tim entrou para a seita Universo em Desencanto e gravou dois discos considerados clássicos da soul music mundial. Por causa do seu rompimento com os integrantes do culto, os discos ficariam fora de catálogo por décadas até serem relançados em CD pela gravadora Trama a partir de 2006. “Na verdade ele execrou esses discos, até queimou os tapes. Não sei quem achou isso, nem onde, o material estava perdido. Para ele, esse disco deveria ser relançado”.  Segundo Léo, os discos hoje em dia são cultuados até em Israel, onde são bastante tocados por DJs de black music.

  • Derly Marques/Folhapress

    Tim Maia durante show em casa noturna carioca em 1982

Com uma personalidade crítica e bem-humorada, Tim Maia acumulou ao longo dos anos diversas brigas com a mídia, gente de gravadora e artistas famosos. “Sempre via aquele senso de humor aguçado e sarcástico como uma resposta à mediocridade que convive com a gente 24 horas por dia. Meu pai não se furtava, era um cara autêntico, não devia nada para ninguém. O patrão dele era Deus, que lhe deu voz e talento, e o povo brasileiro”, diz Léo.

Se a relação de Tim com figurões e celebridades não era das mais fáceis, o artista tinha verdadeira veneração por sua plateia. “Vi tantas vezes meu pai separar em sua agenda um espaço para fazer um show de graça, do tipo ‘paga a banda, me dá um negócio aí e convida 2 meninas’”. Segundo ele, uma apresentação assim seria a melhor homenagem que seu pai poderia querer. “Tenho certeza absoluta que meu pai amaria que organizassem algo de graça para o povão, principalmente em São Paulo, que ele tanto amava. E gostaria também de ver os amigos dele indo lá e cantando uma música para ele”, diz.

Confira as 10 músicas favoritas de Léo Maia gravadas por seu pai: 

É um forró-soul, mas na época não existia isso. É uma das quatro canções que ele gravou do Cassiano, que deu a ideia de trazer essa onda nordestina para o som. Nesse período não se usava sanfona, que em geral é um instrumento execrado pelo mundo pop, e meu pai fez do jeito dele. Não só gravou, mas botou pra tocar no rádio e com isso se aproximou da cultura nordestina, foi muito respeitado e amado pelo povo nordestino por essa coragem. Meu filho mais novo, que tem nove meses, se chama Antônio Bento em homenagem à canção e ao meu pai. 

Reprodução
Praticamente coincidindo com o aniversário de 70 anos do primeiro ‘soulman’ brasileiro, a gravadora Luaka Bop, de propriedade do ex-Talking Heads David Byrne, está lançando no dia 2 de outubro nos EUA a coletânea “Nobody Can Live Forever – The Existential Soul Of Tim Maia”. O disco faz parte da série “World Psychedelic Classics”, que já havia lançado uma coletânea dos Mutantes. A gravadora é especializada em world music e já ajudou a difundir outros nomes importantes da música brasileira nos EUA, como Tom Zé.

Foi a canção que bancou meu nascimento. Quando eu nasci meu pai estava sem dinheiro e editou essa canção. Com o dinheiro do registro ele pagou meu parto.

Três canções da fase Racional. Esse foi o período em que eu comecei na música. Meu pai, por causa da seita Universo em Desencanto, seguia o mestre Manuel, que disse que todos os brinquedos eram coisa do diabo. Então tudo que era brinquedo que eu tinha ele jogou fora e me deu uma guitarrinha. Acho que ali eu comecei na música, sou fã e apaixonado por guitarras até hoje.

Uma canção que ele fez em homenagem a mim e ao meu irmão. A canção fala por si só. No meio dela existe meio que uma profecia, ela fala “O Márcio Leonardo veio para a Seroma”, que é o nome do lugar onde ele ensaiava.  “Seroma” significa “amores” ao contrário, e também é o nome da editora do meu pai.   

Ele fez essa música porque minha mãe dizia que ele tinha que trabalhar. Eu e meu irmão precisando de leite, essas paradas todas, e meu pai estava meio devagar. Então ela ficava enchendo o saco que ele tinha que arrumar trabalho.  Aí ele disse; “Pô Geisa, dá um tempo com esse papo de emprego”.

  • Jhony, de “Tim Maia Disco Club”, 1978

Outra canção que ele gravou sobre mim, que fala “Jhony é menino, embora cresça sem saber, e seu destino é jogar bola”.

Gosto muito também da fase Michael Sullivan, foi muito legal. Eu me lembro do dia que meu pai resolveu fazer essa música. Era um domingão, ele estava de bobeira assistindo televisão e o apareceu o Zé Augusto cantando, só tinha música romântica. Meu pai falou assim: “Quer dizer que o momento agora é só de música romântica, então beleza, eu vou gravar um disco assim”. Acabou o programa, ele pegou o telefone e falou: “Michael Sullivan, você tem umas músicas aí? Eu quero gravar um disco romântico”. Eu sei que depois ele veio com esse puta disco.

Meu pai tinha acabado de se mudar para a Barra da Tijuca e estava morando de frente para o mar. Ele ficou amarradão por causa disso, ele já estava nessa fase de mar, de curtir a praia.