Em autobiografia, Johnny Ramone "esquece" Brasil e defende reality show sobre pena de morte
Apesar do idolatrado som pesado de sua guitarra, Johnny Ramone, líder da banda punk Ramones, mais do que a música, gostava de beisebol. O rock ocupa o segundo lugar na lista de preferências do instrumentista. O roqueiro também se afirmava um patriota conservador, com orientação política assumidamente à direita.
Esses e outros detalhes sobre o influente guitarrista norte-americano estão em “Commando – A autobiografia de Johnny Ramone”, que acaba de chegar às livrarias brasileiras (editora Leya), quase uma década após a morte do músico, em 2004. Com 176 páginas, recorte de almanaque e acabamento de luxo, é uma obra para fãs.
O livro foi produzido a partir de entrevistas concedidas durante o período em que o músico descobriu que tinha um câncer na próstata, que o levou à morte poucos anos depois. A edição é de John Cafiero, empresário da banda Black Flag, auxiliado pelo vocalista do grupo, Henri Rollins, com colaboração do escritor Steve Miller.
Em “Commando”, bem ao seu estilo – direto e rude – John Cummings, o Johnny Ramone, passa em revista sua vida, e disseca sem piedade a própria história e a da banda que ajudou a moldar e que transformou os rumos da música.
O primeiro disco, gravado em apenas dois dias no ano de 1976 e que levou o nome do grupo ("Ramones"), já mostrava que os baderneiros de Forest Hills não estavam para brincadeira. “É o manifesto definitivo do punk”, escreveu o crítico musical Theunis Bates em “100 Discos Para Ouvir Antes de Morrer” (editora Sextante). Com um orçamento pífio de US$ 6.000, “Ramones” despiu o rock, então cheio de penduricalhos, até sobrarem apenas seus elementos básicos, acrescentou o jornalista. “Não há solos de guitarra e enormes fantasias épicas”.
Johnny Ramone concorda com a análise do crítico. “O que fizemos foi tirar tudo o que não gostávamos e usar o resto”, afirmou em “Commando”. O que sobrou foram os quatro acordes da guitarra de Johnny e a bateria do parceiro Tommy, junto das performances de Joey (vocal) e Dee Dee (baixo), que davam conta do recado.
Vale citar que Johnny Ramone, com sua guitarra Mosrite barata, comprada por 50 dólares, lançou um estilo novo de tocar, que ficou conhecido depois como “serra circular”. O músico entrou para a lista da revista “Rolling Stone”, dos 100 Maiores Guitarristas de Todos os Tempos, onde ocupa a 28° posição.
“Eu escrevi o livro sobre ser punk. Eu decido o que é punk. Se dirijo um Cadillac, isso é punk”
Diário punk
Em seu “diário punk”, o guitarrista esmiúça a história de uma das mais importantes bandas de rock do planeta, da origem entrelaçada à sua própria infância proletária em Nova York, época em que se revezava entre jogos de beisebol e as muitas brigas de rua, até os primeiros shows no CBGB, templo do punk rock.
Completam o livro anotações sobre as músicas preferidas, fotos de arquivo pessoal, além de prefácio do companheiro de banda, Tommy, o epílogo escrito por Lisa Marie Presley, e um posfácio amoroso de Linda Ramone, última esposa de Johnny e ex-namorada do vocalista Joey – pivô de uma das crises do grupo.
De bônus, o leitor ainda leva algumas listinhas excêntricas que o músico adorava fazer acerca de suas preferências. Elvis Presley, Frank Sinatra, Disney e filmes de terror aparecem no topo de algumas delas.
Punk de Cadillac
Calça jeans surrada, jaqueta de couro, camisetas com a Minnie estampada e até as caretas com boca torta, rosnando para as fotos. Johnny admite que, tudo nos Ramones foi minimamente pensado por ele. De forma um tanto tosca, é bom dizer. Mas ele tinha um projeto.
De certa forma, os detalhes desse plano comercial, de lucro, por trás dos Ramones desmistificam a ideologia que impregnou o imaginário e a cultura punk, que começava a ganhar contornos naquela época, sobretudo pelos subúrbios londrinos, e com inclinação, supostamente, anticapitalista e anárquica.
Distante a quilômetros dessas ideias, Johnny sabia bem o que queria. E quanto queria. Sua meta era ganhar um milhão de dólares para, enfim, se aposentar e se mandar de uma vez por todas para a Califórnia. Apesar da dureza dos primeiros anos de carreira, ele conseguiu mais do que queria e deu de ombros pra todo o resto.
Em sua autobiografia, ele fala do dia em que passeava dirigindo um Cadillac, cinco anos após o final da banda, e foi surpreendido por um fã, indignado com aquela suposta ostentação. “Como é que pode um punk dirigir um carro luxuoso desse?”, questionou o jovem. “Eu escrevi o livro sobre ser punk”, respondeu rapidamente. “Eu decido o que é punk. Se estou dirigindo um Cadillac, isso é punk”, disparou o guitarrista aposentado.
Apesar de ressaltar que, no começo, era tudo “pura diversão e rock and roll”, Johnny afirma em sua autobiografia que “era o cara do dinheiro”. Líder assumido, ele conta em detalhes como conduziu a banda até seu último e derradeiro show, em 6 de agosto de 1996, no Hollywood Palace. Um final planejado, embora nostálgico, após 2.263 apresentações, de acordo com as contas do organizado e metódico músico.
Foi ele também quem optou pela padronização dos nomes. Todos então adotaram o Ramone que, aliás, foi inspirado em um dos ídolos de Johnny, o beatle Paul McCartney. A ideia veio, segundo ele, quando descobriu que o cantor inglês se registrava em hotéis como Paul Ramon.
A difícil relação com celebridades, concorrência e fãs
A relação, nem sempre fácil, com outras celebridades, bandas concorrentes e com os fãs, é tema de trechos saborosos da autobiografia de Johnny Ramone. Não faltam socos, chutes, spray de pimenta e até golpes de guitarras na cabeça de um admirador. Segundo a versão de Johnny, sobrou até para Malcom Maclaren, empresário do Sex Pistols, que apanhou por conversar com a namorada do guitarrista punk. “Resolvi que não queria que ela falasse mais com ele”, argumenta.
Johnny e Linda posam para foto no sofá da mansão Graceland, onde viveu Elvis Presley
Desde o começo da carreira meteórica, não faltavam famosos nos shows. Músicos como Elton John e Bruce Springsteen foram conferir o som dos Ramones. Outro nome conhecido que costumava aparecer, segundo Johnny, era Andy Warhol. “Ele (Warhol) e todo aquele pessoal era para mim apenas um bando de doidões”.
A banda Talking Heads não chegou a apanhar. Mas ficou bem perto disso, levando em consideração o relato sobre o período de sete semanas que passaram juntos durante uma turnê na Europa. “Eram gente de educação universitária e nós, garotos de rua”. Para quem também detestava sair do país, a viagem piorou em alguns graus, segundo ele, pela combinação infernal: Talking Heads e Europa. “Queria me matar, foi uma desgraça”, desabafa.
Houve exceções, claro. É o caso da amiga, Lisa Marie Presley, filha de Elvis Presley, outro ídolo de Johnny. Mas ele admite que nem tudo foi um mar de rosas com a moça. No casamento dela com o ator Nicholas Cage, ele foi convidado por ela a acompanhá-la até o altar, o que não ocorreu porque Cage o chamou para ser padrinho. “Fiquei bastante decepcionado, preferia fazer o papel do Elvis”, arremata.
Quanto aos fãs, na maioria homens, diz que costumava atender bem, dava autógrafos. Mas tinham alguns que, segundo Johnny, topavam qualquer coisa para interagir com a banda. Foi o que aconteceu no dia em que um garoto mais abusado mandou uma cusparada na banda.
“Quem de vocês, seus viados, está cuspindo?”, perguntou o músico. Um rapaz levantou o braço gritando: “Eu, Johnny, fui eu, me pegue!”. O guitarrista não perdeu tempo. Tacou a guitarra na cabeça do cara. Para o músico, pouco importava se tinha sido ele de fato. “Era um voluntário, queria participar, e deve ter uma boa história pra contar sobre isso até hoje”.
O músico punk destaca ainda a histeria dos fãs durante as turnês pela América do Sul. Mas, provavelmente por não considerar relevante, nenhum país é citado. Em seu lugar, o artista optou por usar “lá” e “naquele lugar”. “Chegamos a tocar em estádios para 50 mil pessoas lá, em maio de 1994”. O “lá” se refere à Argentina. No mesmo ano, e em outras várias ocasiões, o grupo esteve também no Brasil.
A cartilha punk de Johnny Ramone
Johnny era contra as drogas, nem álcool usava. Diferentemente dos outros integrantes da banda, que se acabavam na bebida e nas drogas. Porém, de acordo com as regras da cartilha punk de Johnny Ramone, antes dos shows, as “biritas” eram absolutamente proibidas.
Estátua dedicada a Johnny Ramone, morto em 2004, vítima de um câncer
Em seu relato, Johnny defende também, de maneira contundente, a pena de morte. “Sou totalmente a favor”, afirmou. Para ele, deveria ser em transmitida pela TV, em estilo reality show, ao vivo, em pay-per-view, com o dinheiro revertido para a família da vítima.
A revolta do músico tem explicação. Ele foi vítima de uma agressão na rua, que resultou numa hemorragia cerebral. “O cara que me atacou foi acusado de agressão em primeiro grau e só pegou uns poucos meses de cadeia”, conta.
Mas, por ironia, a via crucis de Johnny Ramone é que ganhou ares de reality show. Vitimado por um câncer fulminante, teve seus piores momentos transmitidos, à sua revelia, pela MTV.
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