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Renascido, vinil representa até 70% das vendas de discos em loja tradicional de São Paulo

Carlos Minuano

Do UOL, em São Paulo

20/04/2013 00h01

Depois de ter sua morte anunciada em meados de 1990, com o advento do então revolucionário CD, o disco de vinil segue vivo e celebrado a todo ano, no dia 20 de abril, por neófitos e veteranos --mesmo com todos os avanços tecnológicos que levaram a música aos mp3 players, celulares e tablets. Praticamente esquecido nas grandes lojas do ramo, o CD atualmente é mais vendido no formato caseiro, ou pirata, por camelôs em feiras livres. E bem mais baratos que o quilo do tomate.

“Não é o vinil que renasceu, é o CD que morreu”, decreta Luiz Calanca, dono da loja Baratos Afins, que resiste firme a todas as transformações culturais nas quais surfou --ou dançou-- nos últimos 35 anos. Com mais de cem mil discos de vinil em seu acervo e contrariando as previsões catastrofistas de outros tempos, ele diz que 70% do que vende hoje na loja são vinis, contra 30% de CDs.

“Minha loja era considerada o maior acervo de discos da América Latina, e da noite para o dia isso não significava mais nada”, justifica Calanca, que viveu, curtiu e vendeu o que de melhor foi produzido desde o final dos anos 70, quando abriu as portas de seu estabelecimento. A outra parte ele mesmo lançou, ao criar seu selo independente, no início de 1980. “Lancei Arnaldo Batista, Mutantes, Rita Lee, seis discos do Itamar Assumpção, e muitos outros”, relata. No total foram 104 "bolachões".

Também embalada na nova onda do vinil está a dupla de irmãos Gilberto e Márcio Custódio. Há seis anos eles começaram vendendo os discos pela internet, mas com o sucesso do negócio, em 2011, resolveram partir para a loja física, a Locomotiva Discos, também no centro de São Paulo, na Galeria Nova Barão. O negócio deu certo, tanto que neste sábado eles celebram inaugurando mais uma loja, na mesma galeria. “O espaço ficou pequeno para tantos discos”, explica Márcio.

Leandro Moraes/UOL
Não é o vinil que renasceu, é o CD que morreu

Carlos Calanca, proprietário da loja de discos Baratos Afins

Para ele, o segredo do sucesso é a paixão pela música e, claro, por discos de vinil. “É mais charmoso e o som também é melhor”, explica. “Nuances de graves e agudos são mais audíveis e nítidos”. A dupla também organiza uma feira de discos itinerante, que reúne cerca de 50 lojistas e vendedores. Márcio conta que o público cresce a cada edição. “Atualmente são em torno de mil visitantes”, garante o lojista.

A atual retomada do vinil, para Márcio, está relacionada a um comportamento retrô, resultado de uma sensação de transbordamento provocada por tantas inovações tecnológicas que invadiram o cotidiano. “Com a popularização dos smartphones, ficou muito fácil baixar e ouvir música, e isso de repente começou a ficar chato”, observa. “Muitos viram no vinil a possibilidade de um retorno ao ritual de ouvir música”, observa.

"Ainda é cedo"
Paulo Rosa, presidente da ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Disco), não é tão otimista com a anunciada volta do vinil. “Acho cedo para falar em retomada. O mercado por aqui não aponta para este lado”, afirma ele, que trabalhou como executivo de gravadora em 1996, momento-chave na transição de formatos dos discos de vinil para os CDs no país.

Apesar da cautela, Rosa reconhece um horizonte de boas possibilidades para os antigos LPs que não necessariamente exclui os CDs. “O charme do vinil como um formato físico secundário ao CD, e principalmente sua utilização para edições e reedições em quantidades limitadas ou puramente promocionais de determinados lançamentos em CD, são inegáveis.”

Para a coisa realmente decolar, na opinião de Paulo Rosa, é preciso aproveitar melhor o potencial do formato de um ponto de vista comercial. “Seria fundamental lançamentos de aparelhos que incluíssem o toca-discos”, diz. Isso teria um efeito positivo na demanda pelos vinis e faria o mercado crescer naturalmente. “Existe ainda o apelo da música eletrônica e dos DJs que usam vinil, o público os vê e acaba tendo um desejo subliminar de usar aqueles discos também. Mas sem hardware [os tais aparelhos para tocar e ouvir em casa] as possibilidades do formato serão sempre limitadas”, arremata.

Fábrica do som
Enquanto uns choram, outros fabricam lenços. A segunda opção foi justamente o caminho trilhado por João Augusto, um dos donos da Polysom. Enquanto a maioria se dedicava aos CDs, em 1999, eles espertamente aproveitaram a facilidade de aquisição de equipamentos das tantas fábricas que iam se desativando, em especial das gravadoras Polygram e Continental. A fábrica, porém, também teve que fechar as portas em 2007, sufocada por problemas financeiros, deixando órfã uma legião de fãs.

De olho no crescimento mais recente da demanda pelo disco de vinil nos Estados Unidos e na Europa, João Augusto e outros sócios decidiram reativar a fábrica de discos, a única da América Latina. Para ele, a retomada do vinil é um fato. “Essa volta está diante dos olhos, nas prateleiras das grandes livrarias, nos sites e nas estatísticas de fabricação, que no Brasil acompanham o resto do mundo”, diz ele, que em pouco tempo já acumula um catálogo com lançamentos de artistas independentes e relançamentos em vinil de clássicos de nomes consagrados como Pitty, Fernanda Takai, Gilberto Gil, Chico Buarque, Erasmo Carlos, Maria Gadú, Tom Zé, Ana Carolina, Maria Rita, Zeca Baleiro, Adriana Partimpim, Capital Inicial, Nação Zumbi e Criolo, entre outros. “O vinil voltou a ser mídia mais importante para quem gosta de música”, defende.