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Após polêmica com comercial, Tom Zé lança EP para discutir com "patrões" e diz que "continua pobre"

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

01/05/2013 10h46

Da segregação da mulher à bossa nova, Tom Zé sempre procurou questões para discutir e provocar em sua música. Com o EP "Tribunal do Feicebuqui", feito de maneira coletiva e em ritmo intenso, o compositor baiano retoma projeto de comentar notícias, iniciada em “Imprensa Cantada” (2003), e coloca na roda não só a rede social, a que chama de "novidade auspiciosa", como a si próprio.

Após anos de vanguardismo na música, Tom Zé causou a ira de fãs e internautas ao narrar um comercial da Coca-Cola sobre a Copa do Mundo no Brasil. De "mestre" e "gênio", se viu sendo chamado de "velho babão" e "vendido" nas redes sociais, e perdeu o sono. “Nem achei que alguém ia reconhecer a minha voz. Eu, que sempre trabalhei para uma espécie de patrão que eu não conhecia pessoalmente, agora posso dizer que conheço”, comentou ao UOL.

Eu sou pobre, continuo pobre. Estou nervoso hoje por causa disso. Estava agora com a minha mulher fazendo as contas e está um aperto 'fela da puta'

Em um primeiro momento, ele se explicou no Facebook e justificou que o dinheiro faturado com a propaganda --nem de longe sua primeira vez-- estava destinado a um projeto e pesquisa musical. "As perguntas começaram a ficar insistentes e pensei: 'vou me livrar desse dinheiro, porque isso vai me botar doido'. Eu não consigo trabalhar com todo mundo em cima de mim".

Seu pagamento tem como destino a cidade baiana onde nasceu, Irará, na região metropolitana de Feira de Santana. "Estou dando para a banda de Irará. Cheguei a ser expulso de lá em 1954, quando tentei estudar, mas é uma banda com capacidade de ensino muito grande, tem a possibilidade de um projeto chamado transporte rural, que pegam alunos que moram longe. É uma coisa que está andando".

Ele garante que não está esbanjando e avisa: "Eu sou pobre, continuo pobre. Agora, a banda de Irará precisa e esse dinheiro estava me atrapalhando, me incomodando, resolvi doar. Estou nervoso hoje por causa disso. Estava agora com a minha mulher fazendo as contas e está um aperto 'fela da puta'", explica. "Tenho gente na minha banda há 20 anos. Eu sustento dez famílias".
 

Diálogo com os patrões
Sem o dinheiro, o compositor, incomodado com as reações, resolveu dialogar mais com o público --a que chama de "patrão". Tudo à sua maneira: com música. A ideia foi plantada pelo jornalista Marcus Preto, que atualmente escreve a biografia do compositor. Para agilizar e dar frescor ao trabalho, novos músicos --como o rapper Emicida, o cantor Tatá Aeroplano, o produtor Daniel Maia e os grupos Trupe Chá de Boldo, O Terno e Filarmônica de Pasárgada-- invadiram a casa e o estúdio do cantor, em São Paulo.

"Foi um clima de (obra) coletiva. Um exemplo bom é a primeira música ('Tribunal do Feicebuqui')", explicou Marcelo Segreto, da Filarmônica de Passárgada. "O Tom Zé recolheu as mensagens de lá, as positivas e as negativas e passou para mim e para o Tatá fazermos uma música. Depois entrou o Emicida com seu rap. As coisas foram feitas pela mão de todo mundo", disse o músico. Para Tom Zé, "foi uma fase maravilhosa com esse pessoal aqui em casa, esses meninos energizados, com grande capacidade musical".

Em menos de um mês, o EP apareceu sem alarde para download gratuito no site do artista. Uma resposta imediata, que virará um disco completo em breve. O coletivo já voltou a se reunir e trabalha em novas canções. "São músicas inéditas que ele achou dos anos de 1970", disse Marcelo.

"Estou fazendo o disco para conversar com eles, minha fonte de renda, meus patrões. Se eles deixarem de comprar o disco, de ir aos shows, eu largo a profissão. Estou muito satisfeito em ter esses patrões. Não faço o que eu quero, eu sempre trabalhei para eles", garantiu Tom Zé.

A colaboração com a Coca-Cola, porém, não foi o seu primeiro contato com a publicidade. "Trabalhei com propaganda e foi uma fase boa na minha vida. Tive grandes alegrias, fiz até aquele jingle do refrigerante Taí, que é da Coca-Cola (citado na nova música 'Taí'). Quando veio o convite agora, eu pensei que seria mais uma dessas coisas. Fiquei contente, porque gosto de futebol, sou interessado".

De toda a polêmica, o baiano de Irará diz que o novo trabalho não é um contra-ataque e mostra que é obediente aos patrões. "Não me queixo, nem se tiver que largar a música. Porque música só se tem na democracia, não é o governo que manda na música. Todo mundo faz o que quiser, e aí o público julga se você continua. Acabou. Não tem dengo. Se for assim, abro uma loja em Irará".