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Disco de Bob Dylan que marcou a década de 60 com canções de protesto faz 50 anos

  • Capa de "The Freewheelin' Bob Dylan", de 1963

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

27/05/2013 08h54

O que faz um disco se tornar clássico pode ser a seleção de canções, o contexto histórico e até mesmo sua capa. "The Freewheelin", o segundo disco de Bob Dylan, que completa 50 anos de seu lançamento nesta segunda-feira (27), reúne todos esses atributos, graças aos encontros que as ruas de Greenwich Village, na parte baixa de Manhattan, proporcionaram ao garoto de então 21 anos.

Foi nessa região, antro da nata musical e intelectual da cena folk americana, que Dylan conheceu uma criativa jovem de 18 anos, com cabelos castanhos claros e sorriso largo. Mesmo dentro de um relacionamento conturbado, Suze Rotolo era mais do que sua namorada. "Ela é a verdadeira vidente da minha alma", descreveu o taciturno compositor na biografia "No Direction Home".

Suze foi essencial durante a safra compulsiva de canções que Dylan escrevia à máquina, com o cinzeiro cheio ao lado, ou em um bloco de notas sentado em lanchonetes e postos. Ele já tinha um disco debaixo do braço, que com apenas duas canções de sua autoria, passou despercebido.

Foi nessa época que o cantor, por sensibilidade (de oportunidade ou de causa), se misturou a um grupo de intelectuais e músicos negros. Eram tempos em que o movimento dos direitos civis e do fim da segregação racial começou a ficar ruidoso. Dylan percebeu aquele sentimento – e o vento que começava a soprar diferente – em canções-hinos com versos cortantes e apocalípticos, como "A Hard Rain's a-Gonna Fall" e "Masters of War". Suze, ainda muito jovem, exerceu um papel fundamental no despertar político do cantor.

"Eu as mostrava para ela (Suze) e perguntava: 'isso está certo?'. Porque o pai e a mãe dela eram assoviados a sindicatos e ela era interessada por essas coisas de igualdade e liberdade bem antes de mim. Eu conferia as canções com ela. Ela gostava de todas", disse Dylan ao seu biógrafo, Robert Shelton.

Hino pop

Com a ajuda de um empresário sagaz, com faro incomum para o sucesso, chamado Albert Grossman, “Blowin’ in the Wind” virou antes uma canção chiclete, já que a música foi para as paradas antes do disco sair no dia 27 de maio de 1963, nas vozes do trio Peter Paul & Mary.

"Blowin’ in the Wind"
Entre essas canções, a mais significativa era, na verdade, uma lista de questionamentos. "Quantos ouvidos um homem deve ter antes de ele conseguir ouvir as pessoas chorarem? Quantas mortes serão necessárias até ele saber que há muitas pessoas morrendo?", perguntava Dylan com o violão nas mãos e a gaita na boca.

"Blowin’ in the Wind" traduzia, de uma maneira inédita, os ímpetos dos movimentos dos diretos civis e foi incansavelmente regravada – por Stevie Wonder, Joan Baez. No Brasil, é entoada, de vez em quando, pelo senador Eduardo Suplicy.

Ao mostrar a canção pela primeira vez na publicação voltada para o folk "Sing Out", Dylan tentou explicar os versos: "Não há muito o que dizer sobre, exceto que as respostas estão sendo sopradas ao vento. Não estão nos livros, nos filmes ou na TV ou em um grupo de discussões".

"A imagem era tudo"
Lançado em 27 de maio de 1963, "The Freehwheelin'" fez Dylan estourar e elevou o compositor ao título de "cantor de protesto" - era a voz inédita da inquietação juvenil, algo que ele renegaria mais tarde. Para Suze, ficou uma música sobre o amor inconstante, "Don’t Think Twice, it’s Allright" (canção que chegou a ser trilha sonora da novela "Avenida Brasil", em 2012), e a capa, clicada por Don Hunstein, na esquina congelada da Jones Street e a West 4th Street, na mesma Greenwich Village.

Disco de um menino

"'Freewheelin'' é um disco de um menino que estava começando uma carreira e 'Blowin' in the Wind' acabou se tornando uma música emblemática por causa do período. Foi chamada de música de protesto numa época que as pessoas estavam predispostas a ouvir essas mensagens", analisa o cantor Marcelo Nova, um dylanólogo.

"Ele usava uma jaqueta muito fina, porque a imagem era tudo. Toda vez que eu olho essa imagem, eu penso que estou gorda", disse Suze, certa vez, em entrevista em 2008, como se estivesse de frente a um porta-retrato comum, longe da aura icônica que a imagem ganhou com o passar do tempo. Suze morreria em 2011, imortalizada, na capa do disco e na vida, como uma das principais musas inspiradoras do cantor.

Fã de Dylan, o cantor Marcelo Nova afirma que a importância de "Freewheelin" é inegável, mas que não chega aos pés dos álbuns que Dylan viria a lançar. "Ele nasceu um gênio, ele não passou necessariamente por um processo de amadurecimento que talhamos ao passar do tempo. Ele é o compositor mais importante da música popular, ele escreveu a guerra interna, diária, dos indivíduos  da dor, da ambição, da culpa, do arrependimento, do prazer, do sexo. Dylan transformou a canção popular em algo mais profundo", relata.

Em "Freewheelin", Dylan já dava um sinal que sua transformação elétrica estava a caminho (no blues "Corina, Corina", ele é acompanhado por uma banda), o que mudaria, de maneira mais radical, a música como entendemos hoje. Outras musas, fotos e capas marcantes surgiriam também adiante. Mas essa já é outra história.