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Com sede demolida, Rock in Rio chegou perto da extinção em 1985

Luiz Antonio Mello*

Especial para o UOL, no Rio

05/09/2013 18h31

Leonel Brizola, que morreu em 2004, levou consigo um segredo: os reais motivos que o fizeram demolir a Cidade do Rock, onde aconteceu o Rock in Rio de 1985, logo depois do término do festival, quando ele ainda era governador do Estado do Rio. Durante o evento, o político --que nem passou perto do local-- dizia que iria color a Cidade do Rock no chão porque se tratava de "invasão de espaço público".

No fundo, muita gente achava que ele iria acabar relevando. Nos bastidores, fala-se até hoje que aquilo que de fato levou Brizola ao ato extremo foram divergências políticas com a família de Roberto Medina, empresário e fundador do festival. Fato é que Brizola derrubou mesmo a sede do primeiro Rock in Rio. Não sobrou guitarra sobre guitarra.

O mega-festival não deu prejuízo, mas o que pessoas ligadas à cúpula do evento dizem, até hoje, é que Medina e companhia não lucraram. O Rock in Rio de 1985 ficou no zero a zero. A expectativa era de lucros abundantes diante dos números, mas uma série de complicadores, despesas-extras e outros fatores, frustraram. E a notícia de que Medina teria desistido do projeto começou a circular no meio do show business rapidamente.

Por outro lado, no exterior, o festival permanecia com a bola cheia. Todos os artistas internacionais saíram daqui elogiando a organização, o pagamento em dia, o calor do público. Todos queriam voltar. James Taylor atribuiu ao festival a sua reabilitação mundial como cantor e compositor. O Queen se colocou à disposição para novos convites e, dizem, até o bardo Bob Dylan --que rejeitou o convite nos primeiros contatos-- teria feito sinais de fumaça querendo cantar por aqui. Medina gostou da repercussão geral do seu Rock in Rio, mas a demolição da Cidade do Rock foi uma punhalada muito forte.

Filho legítimo do Rock in Rio

Luiz Oscar Niemeyer deu sequência ao Hollywood Rock em 1988, 1990, 1992, 1993, 1994, 1995 e 1996. Aconteceu no Morumbi, em São Paulo, e na Praça da Apoteose, no Rio, onde se apresentaram, entre muitos outros, Tears For Fears, Bon Jovi, Alice in Chains, Nirvana, L7, Red Hot Chili Peppers, Extreme, Aerosmith, The Black Crowes, Jimmy Page & Robert Plant, The Cure, Smashing Pumpkins, Pretenders, Dr. Sin, Engenheiros do Hawaii, Os Paralamas do Sucesso, Ira!, Ultraje a Rigor, Barão Vermelho, Titãs, Pato Fu e Raimundos.

De dentro do Rock in Rio saiu um novo midas do mercado musical. Luiz Oscar Niemeyer, produtor executivo do festival, montou o lendário Hollywood Rock, uma marca inventada por Nelson Motta em 1975 e que realizou quatro sábados de som no campo do Botafogo, no Rio, somente com artistas nacionais: Celly Campelo, Erasmo Carlos, Raul Seixas e os grupos O Peso e Vímana, entre outros. Foi lá que Rita Lee fez sua primeira apresentação com o Tutti-Frutti após deixar Os Mutantes. E Os Mutantes fizeram a primeira apresentação do grupo sem Rita. Segundo Motta, o evento recebeu cerca de 10.000 pessoas a cada dia.

Em 1990, Medina decidiu dar sequência ao Rock in Rio. Entre 18 e 26 de janeiro de 1991 foi realizado no estádio do Maracanã, onde teve seu gramado adaptado para receber os palcos e os espectadores (700 mil pessoas em nove dias de evento). Tocaram INXS, Guns 'N Roses, Sepultura, Judas Priest, A-Ha, Lobão, George Michael, Pepeu Gomes e muitos outros. Medina não havia gostado do formato do festival e comentou que iria dar um tempo. Esse tempo levou dez anos, até que ele reestruturou o Rock in Rio e partiu para a terceira edição em 2001, também robusta e ainda mais pop --para a ira dos roqueiros autênticos.

O Rock in Rio 3 aconteceu de 12 a 14 e 18 a 21 de janeiro de 2001. Os organizadores decidiram construir uma nova Cidade do Rock, no mesmo local onde fora a primeira, com a inédita capacidade de 250 mil espectadores por dia e tendas alternativas onde aconteceram shows paralelos aos do palco principal. Havia espaço para a música eletrônica ("Tenda Eletro"), música nacional ("Tenda Brasil"), música africana ("Tenda Raízes") e música mundial ("Tenda Mundo Melhor"). Entre as atrações, R.E.M, Oasis, Ultraje a Rigor, Pato Fu, Foo Fighters, Cassia Eller.

A marca Rock in Rio tornou-se uma das mais lucrativas do mercado da música e o festival ganhou contornos multinacionais. Em 2004, 2006 e 2008 aconteceu em Lisboa; e em 2008 e 2010 passou por Madri. No Rio já está cotada uma edição para 2015, e Buenos Aires vai ganhar o festival em 2014, além da possibilidade de o evento acontecer nos Estados Unidos. Tudo por causa de um projeto chamado de "megalomaníaco", que aconteceu num abafado e enlameado verão de 1985, com direito a perseguição política e quase prejuízo.
 

*Luiz Antonio Mello é jornalista, radialista e escritor. Foi fundador da Rádio Fluminense FM, a "Maldita", no início dos anos 80. Trabalhou no "Jornal do Brasil", "Rádio Jornal do Brasil", "Estado de S. Paulo", "Pasquim", nas revistas "Somtrês" e "Roll", entre outras. Atualmente dirige o programa de TV "Café Paris" e mantém o blog "Coluna do LAM" sobre política, jornalismo, música e universo pop