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Show de Rodrigo Amarante é marcado pelo silêncio e ausência de Los Hermanos

Marcelo Costa

Do UOL, em São Paulo

27/09/2013 08h42

Seis anos após o fim oficial do Los Hermanos (descontadas três reuniões para shows esporádicos em 2009, 2010 e 2012), Rodrigo Amarante finalmente estreou solo nesta quinta-feira (26) lançando "Cavalo", seu aguardado primeiro álbum, no primeiro de três shows lotados no Sesc Pompeia, em São Paulo --os ingressos para as três apresentações esgotaram-se no mesmo dia em que foram colocados à venda). A noite foi marcada pelo silêncio, pela saudade proporcionada pelo exílio e pela total ausência de canções de sua antiga banda no repertório.

Pouco depois das 21h, o compositor pisou no palco sozinho e, munido apenas de violão, tocou uma das canções mais emblemáticas de seu álbum de estreia, "Irene", faixa que cita a canção homônima de Caetano Veloso (que também versa sobre exílio) enquanto vasculhava a saudade de pessoas que o personagem da letra já nem lembra o nome, mas não esquece o rosto. A Choperia do Sesc Pompeia estava impressionantemente silenciosa, o que valoriza a nudez dos arranjos.

Logo na segunda canção, "Nada Em Vão", o quarteto que o acompanha durante boa parte do show adentrou o palco. Alternando-se entre instrumentos, mas mantendo a economia dos arranjos, Gabriel Bubu (baixo, guitarra, teclado, percussão, voz), Gustavo Benjão (guitarra, baixo, MPC, percussão, voz), Lucas Vasconcellos (teclado, MPC, percussão, voz) e Rodrigo Barba (bateria) criaram um painel sonoro que remetia ao primeiro disco de Marcelo Camelo, "Sou" (2008), quando o ex-parceiro era acompanhado pela banda paulistana Hurtmold, instalando aqui a primeira grande constatação do show (e, por conseguinte, do disco).

Quando, em abril de 2007, o Los Hermanos anunciou um hiato na carreira para que os integrantes se dedicassem a outras atividades explicitando uma ruptura musical que já vinha mostrando sinais de rachadura no último álbum do quarteto, "4" (2005), quem poderia esperar que, seis anos depois, Rodrigo Amarante e Marcelo Camelo estivessem tão próximos musicalmente?

A festa silenciosa seguiu com "O Cometa", feita para o poeta e escritor Ericson Pires, morto em 2012. Ao final, parecendo sinceramente surpreso com os aplausos do público, Amarante desabafou, feliz: "Tô doido. Esperei tanto tempo para estar aqui com vocês e... tô doido!". A sensação, que se seguiu por todo o show, foi a de que o fantasma do Los Hermanos deve tê-lo assombrado por noites e noites a fio, pois a visível surpresa no semblante do músico diante de uma plateia devota praticamente explicava a demora na produção e lançamento de "Cavalo".

Rodrigo Amarante soava inseguro em enfrentar o passado, e os sorrisos dos fãs no gargarejo deixavam o show mais leve, ainda que eles não vinham a ter o que tanto desejam, e nisso Amarante foi decidido: "Tem um monte de música nova, tá?", disse sorridente para uma fã que pedia uma canção de sua ex-banda.

O repertório da noite reuniu 17 canções, incluindo as 11 de "Cavalo", mais "Um Milhão" --tocada pela primeira vez na turnê de reunião dos Los Hermanos em 2012, e recebida com gritos por alguns poucos que a reconheceram-- e números "mais novos do que o disco", como apresentou Amarante ao cantar "Dancing", "Idle Eyes" e "Wood and Graphite", as três inéditas. O som que saía das caixas era suave, melódico e melancólico, com um pé na MPB hippie dos anos 70 de Caetano, Zé Ramalho e Fagner, e outra no universo também hippie do amigo Devendra Banhart (há certa proximidade de "Cavalo" com "Mala", o disco lançado por Devendra em 2013).

O show foi calmo e, por vezes, arrastado, e quando parecia que Amarante não conseguiria chegar ao final da noite, surgiram os dois momentos mais festejados do show: "Vou tocar uma música que vocês conhecem, mas que não é minha", ele disse. Essa foi a deixa para que a paulistana "Augusta, Angélica e Consolação" retirasse o público do transe, ouvindo-se gritos no local, com direito a pessoas cantando a velha canção de Tom Zé com a mão no lado esquerdo do peito. Não deixa de ser sintomático que Amarante homenageie São Paulo ao mesmo tempo em que canta uma letra magnífica que resume o estado de perdição do narrador: "Quando eu vi que o Largo dos Aflitos não era bastante largo pra caber minha aflição / Eu fui morar na Estação da Luz porque estava tudo escuro dentro do meu coração".

O que aparece cifrado em "Cavalo" surge explicito na cover de Tom Zé, que trouxe ao cabo "Maná", batucada que fez o público dançar, e que sugere um namoro com "Os Afrosambas", de Vinicius e Baden Powell ("Cavalo", inclusive, é a figura do médium nos cultos afro-brasileiros, a pessoa que serve de veículo a entidades). Mais duas canções ("The Ribbon" e "Tardei") e Amarante se despediu para voltar rapidamente para o bis que, para felicidade dos fãs presentes, trouxe "Evaporar", canção que encerra o único álbum do projeto Little Joy --e o show.

De pé, reverenciando a plateia, Rodrigo Amarante agradeceu ao público --"Obrigado pela chance"-- e partiu para os camarins parecendo desconhecer (ou desejando ignorar) seu importante papel ao lado do Los Hermanos na história recente da música brasileira. Tanto o show quanto o disco transpiram insegurança, o que de certa forma casa com o discurso de exílio do novo repertório, já que ao construir uma nova identidade em um novo país, o novo eu se reconstrói admirando o passado por um novo prisma, e sente saudade, e sente medo (os fantasmas sempre vão estar lá).

Durante a noite inteira, boa parte do público do Sesc Pompeia esteve nas mãos de Amarante, mas ele ainda parecia não estar acostumado a isso, ou não se sentia à vontade. Melancólico, saudoso e vazio, "Cavalo" é mais do que a estreia solo de Rodrigo Amarante: é o disco que o afasta definitivamente do Los Hermanos. A questão agora é saber: até quando os velhos fãs vão continuar pedindo "Sentimental", "O Vento" e "Último Romance" nos shows? Até quando os velhos fãs vão ficar atados a fantasmas? Assustado, mas decidido, Rodrigo Amarante quer seguir em frente. Resta esperar para ver se seu público irá segui-lo.


Veja as músicas que Rodrigo Amarante tocou no primeiro show em São Paulo:

"Irene"
"Nada Em Vão"
"O Cometa"
"Mon Nom"
"I'm Ready"
"Dancing"
"Hourglass"
"Cavalo"
"Fall Asleep"
"Um Milhão"
"Idle Eyes"
"Wood and Graphite"
"Augusta, Angélica e Consolação"
"Maná"
"The Ribbon"
"Tardei"
"Evaporar"