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Gastão sobre MTV: "Passamos a suportar música ruim porque o clipe é bom"

Gastão Moreira*

Especial para o UOL

30/09/2013 13h20

Vou sentir muita falta da velha MTV Brasil. Foi triste ver minha escola televisiva encerrar as atividades após duas décadas e uns quebrados de existência. Contradizendo as teorias conspiratórias que pipocaram na internet, os motivos alegados para seu fechamento nos levam a questões contratuais. Mas fora as questões jurídicas, foram apontadas outras razões para sua morte anunciada: concorrência da internet, mudança de foco e a perda gradual da relevância. Faz sentido, o mundo mudou demais desde outubro de 1990.

  • Reprodução/Facebook

    Gastão Moreira, em foto de seu perfil no Facebook

Numa rápida análise, acho que sua missão foi cumprida. A MTV Brasil desenvolveu uma identidade própria que nenhuma outra MTV internacional conseguiu. Quando se impôs como grife no começo dos 90s, tornou-se a voz de uma geração ávida por novidades.

Com o passar dos anos, firmou-se como um canal jovem e um sinônimo de inovação e ousadia. Sua criatividade na linguagem televisiva foi assimilada até pela concorrência. Sem grandes pretensões, a MTV deu uma bela sacudida na cena cultural nacional. Sem forçar a barra, determinou tendências mercadológicas e comportamentais.

Nos anos 2000 o mecanismo se inverteu. A emissora ajustou-se ao mercado e fez algumas concessões. Na tentativa de agradar a todo mundo, tirou o foco da (boa) música, investiu no humor e perdeu um pouco do seu diferencial. Optou por um caminho mais comercial e foi isto que ocasionou as primeiras rachaduras no casco do navio.

Dei sorte de trabalhar na fase mais experimental da MTV brasileira. Em oito anos como VJ, entre 1990 e 1998, vivenciei um dos períodos mais ecléticos da música pop, quando era normal ser fã de Sepultura, Madonna e Legião Urbana ao mesmo tempo. Entrevistei meus ídolos, criei programas, cobri eventos no exterior e acompanhei de perto a consagração da música eletrônica, do rap e do rock alternativo.

Os originais deram espaço aos oportunistas sem imaginação. Banda boa passou a ser banda que vendia bem. Critérios artísticos foram substituídos por critérios comerciais e deu no que deu

Gastão Moreira

Tive o prazer de ver o Nirvana desbancar Michael Jackson e seus súditos do topo das paradas de sucesso, abrindo espaço para os alternativos remodelarem a música pop. A plebe havia tomado o poder, coisa impensável em outras épocas. Foi bom demais para ser verdade.

E aí as grandes gravadoras lançaram-se numa busca desesperada pelo próximo fenômeno comercial e incentivaram os copiadores de plantão a fazer mais do mesmo. Os originais deram espaço aos oportunistas sem imaginação. Banda boa passou a ser banda que vendia bem. Critérios artísticos foram substituídos por critérios comerciais e deu no que deu. O resultado disso é sentido neste início de século. Os artistas que dominam as paradas são totalmente descartáveis e os criativos voltaram para os subterrâneos, seu habitat natural, onde reina a liberdade autoral.

Paralelamente, a MTV criou um monstro sem querer. Os vídeos veiculados por ela passaram a ser mais importantes do que a música em si. Passamos a suportar música ruim porque o clipe é bom. Por isso entendo quando a nova MTV diz que videoclipes quase não terão mais tanta importância na sua programação. Esse formato de VJ/videoclipe está mesmo esgotado, é hora de inventar um outro modo para falar de música.

Desejo tudo de bom para a nova MTV Brasil. Que ela faça história como a velha fez. E que a letra "M" continue sendo de Music, e não de Millennials.
 

* Gastão Moreira, 47 anos, foi VJ da MTV Brasil entre 1990 e 1998, onde apresentou os programas "Gás Total" e "Fúria Metal", entre outros. Baixista da banda Kratera, ele também apresentou o programa "Musikaos" na TV Cultura e produziu o documentário "Botinada - A História do Punk no Brasil" (2006)