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De Bethânia a kuduro, "Arca de Noé" de Vinicius de Moraes ganha nova versão

Zeca Pagodinho fez "O Pato" em ritmo de samba - Divulgação
Zeca Pagodinho fez "O Pato" em ritmo de samba Imagem: Divulgação

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

14/10/2013 12h28

Os primeiros acordes de cordas ainda soam como 1980, em arranjo original de Rogério Duprat, mas o clássico infantil “A Arca de Noé”, de Vinicius de Moraes, volta às lojas totalmente atualizado. Com arranjos belos e uma mistura que vai do samba do Zeca Pagodinho, em “O Pato”, ao kuduro de Ivete Sangalo, em “A Galinha D’Angola”, "A Arca" busca se aproximar de uma nova geração de crianças, que tem uma infância menos onírica e cada vez mais moderna.

“O projeto original era uma gracinha, mas os arranjos ficaram defasados, e era legal fazer com artistas que as crianças gostam”, conta a filha de Vinicius, a cineasta Suzana Moraes, ao UOL. ”Queríamos que fosse mais amplo, livre de preconceito”. Prova disso é o exercício que Suzana faz ao imaginar o pai vivo aos 100 anos, que completaria no próximo dia 19. “Ele era novidadeiro. Se estivesse vivo, estaria no funk”.

Idealizado pelo compositor e poeta Vinicius de Moraes, em um de seus últimos projetos em vida, o projeto volta com a missão de tocar as crianças, com uma lista extensa de artistas – muitos deles que cresceram ouvindo o disco original. “Acho horrível fazer algo pobre e mal trabalhada para um disco infantil, como se criança fosse débil. Criança não gosta disso. Gosta de coisa com qualidade. Assim que se forma um bom ouvinte”, defende Suzana, que coproduz o disco ao lado de Dé Palmeira, Adriana Calcanhotto e Leonardo Netto.

Nos cinemas

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Os versos que Vinicius de Moraes fez para os discos da "A Arca de Noé" vão parar em breve nas telas de cinema. Filha do poeta, a cineasta Suzana de Moraes encabeça o projeto ao lado do diretor Walter Salles. "Venho batalhando um tempo com o filme, eu quase desisti. O Brasil não tem dinheiro, nem mercado para isso", reclama Suzana. "Walter Salles que é bobo com os filhos e tem acesso a dinheiro chegou para mudar isso", brinca. Sérgio Machado, que dirigiu "Cidade Baixa", ficará a cargo do roteiro e da direção. "O roteiro já está uma graça", conta. A animação será em 2D, mas ainda não tem previsão de lançamento

Privilegiando os bichos – com direito a duas canções inéditas, musicadas para o novo disco --, "A Arca" por pouco não teve também Gilberto Gil e uma gravação histórica de João Gilberto. Recluso em seu apartamento no Rio de Janeiro, o pai da bossa mandou bilhetes e avisos: queria cantar na nova versão de “São Francisco”. Seria a primeira gravação inédita em muitos anos. “Mas a palavra dele é uma coisa complicada”, lamenta Suzana.

Veja o faixa a faixa comentado:

“Arca de Noé”, por Maria Bethânia, Seu Jorge e Péricles
Maria Bethânia abre o disco com o tom de profecia, em cima do arranjo original que o maestro Rogério Duprat escreveu em 1980, para Chico Buarque e Milton Nascimento cantarem. Miguel Atwood Ferguson foi o arranjador da nova versão.

“O Leão”, por Caetano Veloso e Moreno Veloso
A canção original de Fagner foi subvertida em pagode baiano por Caetano e seu filho. “Moreno e eu passamos o dia no estúdio e gravamos todos os instrumentos da faixa”, conta o produtor Dé Palmeira.

“O Pato”, por Zeca Pagodinho
A canção mais conhecida do projeto original perdeu as vozes harmoniosas e o grasnar do MPB-4, mas ganhou o gingado de Zeca Pagodinho. “Fui para o estúdio com o Paulão 7 cordas, maestro de Zeca, e passamos uma tarde no estúdio buscando uma levada pra canção. Fizemos um 'Calango' e Zeca fez divisões rítmicas muito bacanas na voz. Ele arrebentou”, conta Dé.

“O Peru”, por Arnaldo Antunes
A música ganhou arranjos mais rurais do que a versão gravada por Elba Ramalho. “Gravamos instrumentos andinos como o Quattro e Charango, além do baixo ukulele”, explica o produtor.

“O Gato”, por Mart’nália
Sai Marina Lima e entra a voz aveludada de Mart’nália. O compasso e o clima, porém, permanecem. “Gosto da ideia que o arranjo tem de parecer um desenho animado, como se fosse um gato perseguindo um passarinho”, diz Dé.

“O Pintinho”, por Erasmo Carlos
Se antes o pintinho dançava com polainas, com a interpretação de As Frenéticas, agora ele ganhou um casaco de couro e óculos escuros na boa interpretação de Erasmo Carlos. “Com vocais a la Beach Boys, Erasmo arrasou nessa faixa”, diz o produtor.

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    Adriana Calcanhotto faz versão jazzística para a inédita "O Elefantinho"

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    Ivete canta em ritmo de kuduro no novo disco

“A Corujinha”, por Chitãozinho e Xororó
Elis Regina já cantava a canção com ar bucólico e melancólico, mas Chitãozinho e Xororó conseguiu elevar o sentimento para o clima do interior. Suzana nunca tinha visto a dupla sertaneja de perto, e se encantou. “Fiquei impressionada com suas vozes. Remeteu-me tanto quando eu ia para a fazenda do meu tio, onde tinha os bichinhos. E as corujinhas”, relembra.

“As Borboletas”, por Gal Costa
O poema feito para o projeto só foi musicado recentemente por Cid Campos para o segundo disco infantil que Adriana Calcanhotto fez sob a alcunha de Partimpim. Com a banda que lhe acompanha na elogiada turnê “Recanto”, Gal canta a música inédita, com clima menos infantil e mais contemplativo.

“A Formiga”, por Mariana de Moraes
Defendida por Clara Nunes na primeira versão, a canção ganhou arranjo mais leve. “Pensamos em uma canção bem brasileira para convidar a neta de Vinícius”, conta Dé.

“A Galinha D'Angola”, por Ivete Sangalo e Buraka Som Sistema
“Ninguém além de Ivete poderia cantar essa música”, conta Suzana. “Fizemos uma ponte musical Salvador-Angola. Convidamos ainda o Buraka Som, sistema para fazer uma galinha de angola que desembarca em pleno carnaval baiano”, explica Dé. Foi gravada anteriormente por Ney Matogrosso.

“O Pinguim”, por Chico Buarque
Chico canta de maneira um pouco séria, mas bem-humorada, bem ao estilo Mário Reis. “Um pinguim sambista”, pontua Dé. Antes, era defendida por Toquinho.

"São Francisco" por João Gilberto ficou na imaginação


No novo disco de "A Arca de Noé", Miúcha defende a canção gravada originalmente por Ney Matogrosso. Mas por pouco, a música não se tornou histórica. Recluso, João Gilberto mandou avisar que queria cantar “São Francisco” no projeto. Disse que gostava do Papa Francisco e deu a palavra que compareceria ao estúdio -- seria sua primeira gravação inédita em anos. “Mas ficou complicado pra ele. Ele está com uma hérnia”, conta Suzana de Moraes, que coproduziu o disco. “Ele mandava recado maravilhosos, disse dava a palavra que apareceria no estúdio. A palavra dele é uma coisa complicada. Mas sempre acho que ele tem razão”, ri a cineasta. “Nesse momento, nós ouvimos uma gravação da Miúcha cantando ‘São Francisco’ em igreja em Roma”, explica

“A Cachorrinha”, por Maria Luiza Jobim
Maria canta a única canção de seu pai, Tom Jobim, no projeto. A versão traz uma roupagem eletrônica para a canção, usando o sampler da versão original, criado pelo grupo Elas.

“O Elefantinho”, por Adriana Calcanhotto
Mais uma inédita, musicada por Adriana. Com arranjo jazzístico, "ficou com cara de cartoon dos anos 20", na opinião de Dé.

“As Abelhas”, por Marisa Monte
O clima dado por Moraes Moreira em 1980 prevalece com Marisa Monte buscando inspiração em Novos Baianos. “Fizemos o arranjo em uma tarde e gravamos todos juntos, ao mesmo tempo”, conta o produtor.

“A Foca”, por Orquestra Imperial
“A orquestra fez uma mistura de ritmos: batida de disco music, guitarra de trio elétrico e a voz de Rodrigo Amarante como se fosse um mestre de cerimônias de circo, cantando de um megafone”, diz Dé. Na versão original, foi gravada por Alceu Valença.

“A Casa”, por Vinicius de Moraes
A canção que já foi gravada pelo grupo Boca Livre, finaliza o disco com a voz do próprio Vinicius. “Achamos esse fonograma com Vinicius cantando muito bem e resolvemos usá-lo para fechar o disco. Lindo, rico e emocionante”, diz Dé.