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Ópera rock do The Who, "Quadrophenia" completa 40 anos; conheça a história

Luiz Antonio Melo

Do UOL, em São Paulo

19/10/2013 06h00

Uma tempestade elétrica rasgou o céu de Londres em outubro de 1973, ano em que a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) fazia o histórico boicote de petróleo ao mundo. Mesmo com a escassez de vinil provocada pelo boicote, a tempestade chamada "Quadrophenia", segunda ópera-rock do explosivo The Who, chegou as mãos de poucos fãs, que disputaram quase a tapas as poucas cópias do álbum que o embargo da Opep permitiu que fossem fabricadas naquele primeiro momento. Na capa, um mod montado numa scooter Vespa. Dentro, um álbum duplo com uma voracidade sonora e poética.

A data oficial de lançamento desta que é, para muitos, a obra-prima do Who é cercada de muita confusão. A maioria dos pesquisadores afirma que o disco saiu no dia 19 de outubro, na Inglaterra. Já o respeitado estudioso do Who, Brian Cady, escreveu no site quadrophenia.net que o álbum foi lançado uma semana depois, em 26 de outubro. E no livreto do CD lançado pela MCA em 1996, a data original de lançamento no Reino Unido é 16 de novembro.

Naquele 1973, ano do nascimento de "The Dark Side of The Moon", do Pink Floyd, outro quarentão histórico, aconteceu o que muitos julgavam impossível: "Quadrophenia" virou disco. Um disco que ainda hoje arrasta os músicos do Who ao olimpo das lendas.

Depois de ouvir a uma hora, 21 minutos e 33 segundos de duração, atesta-se a importância do baterista Keith Moon (1947-1978) na história do rock; a anárquica revolução de John Entwistle (1944-2002) no contrabaixo e o transformado quase em guitarra base; a reafirmação de Pete Townshend (68 anos) como um grande compositor, cantor e multi-instrumentista; e em como Roger Daltrey (69 anos) transcendeu o título de sexy symbol que os festivais Monterey Pop (1967) e Woodstock (1969) tentaram lhe concederam.

À época, muitos achavam impossível que The Who finalizasse o álbum. Brigas e crises internas (em especial entre Townshend e Daltrey), a busca pela perfeição e o sentimento de obrigação de ter que construir um disco superior a sua primeira ópera-rock, "Tommy" (1969), o espetacular "Live at Leeds" (1970) e o cultuadíssimo "Who's Next" (1971), a trinca de ases que precedeu "Quadrophenia".

The Who conseguiu se superar e, depois de 15 meses gravando, deixou os estúdios devastado, desgastado, exaurido. Não fosse o produtor Kit Lambert, dono da pequena gravadora Track Records e que gastou seu lastro diplomático impedindo que as crises ao longo das gravações levassem a banda ao fim, "Quadrophenia" teria ido ao ralo.

O álbum celebrou na estrada seus 40 anos. A turnê que levou o nome do disco iniciou em novembro de 2012 e, oficialmente, terminou em julho deste 2013, com alguns shows "extras" pipocando até setembro. O boato de que o Who incluíra o Brasil na excursão (a banda nunca tocou na América Latina) provocou alvoroço e histeria entres os fãs da banda nas redes sociais, mas a banda passou longe daqui.


Ópera-rock com Sting
A segunda ópera-rock do grupo tem um pós-adolescente como protagonista, o personagem Jimmy Cooper que sofre de implacável e generalizada rejeição. O nome "quadrophenia" também é entendido como um tipo de esquizofrenia que faz o individuo assumir quatro personalidades diferentes. Pelo menos foi essa a ideia de Pete Townshend quando construiu Jimmy, um típico filho da classe operária inglesa que é rejeitado pelo pai, pelo patrão, é traído pela namorada e também pelo líder de seu bando de mods, jovens de classes mais baixas que em scooters do tipo Lambretta. Seus adversários eram os "rockers", de classe média, que usavam maiores e mais potentes motocicletas.

Mais do que um tratado sobre a anarquia existencial embrulhada em altas doses de rejeição explícita, "Quadrophenia" joga o público diante de vários sentimentos agudos. As letras rudes e ácidas de Townshend, aliadas a uma sonoridade poucas vezes sentida pelo rock, fazem de "Quadrophenia" uma história com início, meio e um quase fim, já que não fica claro o desfecho de Jimmy.

Em 1979, o então estreante diretor Franc Roddam levou "Quadrophenia" para o cinema. Na adaptação, ele concentrou a artilharia na vida de Jimmy Cooper (vivido por Phil Daniels) e suas perdas e loucura alimentadas por bolas de anfetamina. O diretor aborda uma célebre batalha entre mods e rockers no balneário inglês de Brighton, em 1964, e deu ao cantor Sting o papel de Ace, líder mod que acaba se tornando o último herói de Jimmy Cooper.

O anárquico líder das ruas, dono de uma scooter cheia de espelhos e cromados, marrento e brigão, é flagrado pelo próprio Jimmy trabalhando como carregador de malas (bell boy) de um hotel. É a gota d'água e o provável fim de linha para Jimmy. Hoje, o filme é uma obra cult que não fez sucesso no Brasil.

Apenas um dos inúmeros mistérios que envolvem "Quadrophenia" que não para de provocar surpresas em todas as faixas de idade, no mundo inteiro. Tanto que permanece em catálogo (no Brasil em CD importado) e o valor de sua versão em vinil alcança valores estratosféricos em leilões virtuais.