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Último show do Nirvana faz 20 anos: "O grunge está morto", previu baixista

Kurt Cobain durante a última apresentação do Nirvana, em Munique, em 1º de março de 1994 - Reprodução
Kurt Cobain durante a última apresentação do Nirvana, em Munique, em 1º de março de 1994 Imagem: Reprodução

Estefani Medeiros

Do UOL, em Berlim

28/02/2014 02h48

Alemanha, Munique, 1º de março de 1994. Algo não ia bem naquela terça-feira, 20 anos atrás, quando adolescentes de cabelos recém-crescidos, uniformizados com camisas xadrez, calças rasgadas e All Star sujos nos pés se reuniam em um terminal desativado do aeroporto da cidade alemã à espera daquele que, mal imaginavam, viria a se tornar o último show da carreira do Nirvana. Ainda restavam dois shows para o encerramento da primeira parte da etapa europeia da turnê do álbum "In Utero", lançado no final do ano anterior, mas os problemas se acumulavam nos ombros cansados do vocalista Kurt Cobain: brigas com a mulher, com a gravadora e ainda por cima uma crise de bronquite que fazia com que tivesse vontade de jogar tudo para o alto.

Horas antes, durante a passagem de som da tarde, uma falha no sistema acústico que criava ecos por toda a casa de shows já deixara a banda insatisfeita. "Havia um profundo sentimento de mau presságio nesse dia. Após a passagem de som, Kurt pediu permissão para [o produtor] Jeff Mason para fazer uma pausa e sair, estava cansado. Então ele voltou para o hotel, ligou para Courtney e teve uma grande briga. Em seguida ligou para a advogada Rosemary Carroll e disse que queria o divórcio", escreveu o jornalista Everett True em "Nirvana - The Biography".

A violoncelista Melora Creager, que substituiu Lori Goldston nesta fase da turnê, relembra o estado físico fragilizado de Kurt - que cometeria suicídio pouco mais de um mês depois, em sua casa em Seattle. "Ele não queria tocar. Estava procurando curas orgânicas e tentando diferentes médicos. Estava meio deprimido e as pessoas agiam como se nada estivesse errado. Era estranho, todos falavam em volta dele ou através dele, mas nunca sobre o assunto. Krist [Novoselic, baixista] estava preocupado e triste por vê-lo neste estado."

O show começou às 20h, com abertura dos veteranos do Melvins, diante de um público de 3.050 pessoas - especialmente pequeno se comparado aos grandes festivais e shows da turnê do disco anterior, "Nevermind", que transformaram o Nirvana na banda de rock mais influente do início da década de 1990. A apresentação teve gravação exclusiva do canal alemão Viva, o que torna qualquer material relacionado ao show um item raro e cobiçado pelos fãs.

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    Reprodução de ingresso do último show do Nirvana, realizado em Munique, em 1º de março de 1994

O público vibrou desde o início, mesmo com a banda subindo ao palco tocando uma desconhecida cover de "My Best Friends Girl", do The Cars, escolha provocativa e irônica de Cobain, uma vez que a letra da música trata de traição entre amigos.

Em seguida, acordes barulhentos e desafinados de "Radio Friendly Unit Shifter" ecoaram no Terminal 1, com desgaste visível da voz do vocalista. Pat Smear, que estava acompanhando a banda no último ano como guitarrista de apoio, relembra: "Kurt e eu sofríamos com bronquite e a voz dele ficava pior a cada som. Quando cantávamos juntos, soávamos como gatos brigando. A voz dele tinha ido embora neste show, mas ao invés de poupá-la, ele cantava cada vez mais alto, parecia satisfeito com a ideia de 'não vou poder cantar por dias'."

Com Cobain, Smear e o baterista David Grohl lacônicos, ficou a cargo de Krist Novoselic interagir com o público com seu jeitão meio bobo-alegre. "Nós não estamos tocando em um lugar maior porque nossas carreiras estão em declínio. Estamos no caminho de saída. O grunge está morto, o Nirvana acabou. Não vamos voltar com uma moda nova ou algum tipo de nova imagem", disse, extraindo alguns gritos da plateia. Para quebrar o tom sério, fez piada dizendo que o novo álbum da banda ia ser de hip hop. "Vamos ter uns caras se chupando, umas piranhas e vamos cantar sobre armas e como atirar em policiais", brincou, sob gritos de "idiota". Nas paradas musicais, o grunge já começava a perder espaço para o gangsta rap de Snoop Dogg e companhia.

Apesar das tensões do dia, o único imprevisto do show foi uma interrupção de luz em "Come As You Are", que tirou a banda do palco por um rápido momento. No palco, iluminação escassa e nenhum cenário, nem mesmo as manequins de ventre aberto que acompanharam a banda em alguns shows da turnê de "In Utero". O repertório se dividiu entre a agressividade punk de "Lounge Act" e "Territorial Pissings" e o melancólico violoncelo de "Dumb".

"Blew", de "Bleach", álbum de estreia do grupo lançado em 1989 pelo selo Sub Pop, ganhou uma versão esganiçada, gritada a plenos pulmões por Cobain - era justamente o que faltava para que o vocalista garantisse o atestado médico que daria fim à turnê no dia seguinte, quando foi diagnosticado com laringite e faringite. O público gritou, chorou, pediu bis, mas a banda deixou o palco com  "Heart Shaped Box", seus últimos acordes. Sem guitarra quebrada, sem voz, sem "Smells Like a Teen Spirit". 

"O que era cult tinha se tornado clichê"
Mathias Erber era um dos jovens grunges que assistiam ao ídolo pela primeira vez. "Me lembro como hoje, tinha 13 anos e queria muito ver esse show", contou à reportagem do UOL na Alemanha. "Não importa como ele tenha sido descrito. Para mim, essa história é um negativo guardado na minha memória. Quando Kurt morreu foi um grande choque e a primeira grande perda na minha vida."

Em uma resenha publicada na revista "Zitty" na época, Thomas Moser apontou que "os mais velhos foram ao show para assistir o Melvins [banda seminal de Seattle que estava no hall das favoritas do próprio Cobain], ao que a maioria dos jovens deu de ombros sem entender, apenas esperando por seu ídolo, Cobain". "Isso levava ao olhar de desprezo dos mais velhos, como eu, que já tínhamos superado o indie e assistido ao primeiro show do Nirvana."

Comparada a outros shows da própria turnê de "In Utero", o fato é que esta não foi uma boa apresentação, nem uma tão caótica que merecesse ser memorável, como no festival brasileiro Hollywood Rock, um ano antes. O último show foi um momento de cumprir agenda, uma tentativa de fazer o correto. "No palco, era perceptível a falta de entusiasmo de Cobain. Ele fez o que tinha que fazer, nem mais, nem menos. Mas foi bom ver uma banda no palco sem nenhum acessório visual, só música", escreveu Moser.  

O jornalista musical alemão Anathol Locker também estava no show de Munique e concorda que este "não foi considerado um bom show" pela crítica especializada. Mesmo sem saber o que aconteceria depois, o grunge já estava deixando de ser popular na cidade. "O impacto do grunge em Munique é comparado ao Verão do Amor [do movimento hippie]. Foi muito grande e depois as pessoas perderam o interesse muito rápido. O 'Nevermind' veio como uma brisa fresca, mas o 'In Utero' não foi um grande hit e os antigos fãs do Nirvana cresceram e começaram a achar que o cult tinha se tornado clichê", afirma ao UOL.

Locker também ressalta que a cena eletrônica alemã começava a crescer cada vez mais naquele tempo. "Existia essa mistura de jazz e modern beats, hip hop oldschool, rap, pop e house music. O grunge foi incrível, as bandas da Sub Pop eram fantásticas, mas o techno e a música eletrônica começaram a bombar nos clubes e, de repente, estávamos em um tempo completamente diferente. A vida simplesmente continua."