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Polêmico Brujeria volta ao Brasil e promete música sobre a Copa

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

07/03/2014 05h00

O lema rebelde “sexo, drogas e rock n’ roll” parece brincadeira de criança perto de algumas bandas de metal que forçam esses temas ao extremo. É o caso do Brujeria, um grupo com raízes mexicanas e que usa o grindcore e suas letras em espanhol para tocar o terror, falar de narcotráfico e viajar o mundo vivendo – e causando – confusão. O “bando” retorna ao Brasil para uma mini-turnê com seis datas em março e traz vivos na lembrança alguns causos surpreendentes colecionados por estas terras.

Polêmica sobre maconha

O Brujeria costuma abordar constantemente a maconha em suas letras e até já lançou um cover de “Macarena” com o título “Marijuana”, apoiando sua legalização. Para o vocalista Juan Brujo, a questão é deixar de punir os usuários comuns. “Nós fumamos, seja legal ou não”, disse ele, sem papas na língua. “Com o tempo as pessoas vão vendo como é um desperdício de tempo perseguir quem usa maconha, assumindo que são criminosos. São as drogas pesadas que precisam ser combatidas. Deixem quem fuma em paz, eles não machucam ninguém. Era assim no México, e eles quebraram a barreira. Eu acho que aí no Brasil vai acontecer o mesmo mais cedo ou mais tarde.”


Formado em 1989, o Brujeria já tocou em alguns dos piores muquifos do planeta e está bem acostumado a enfrentar resistência, seja pelas capas de disco, letras ou pelo fato de tocarem mascarados e, parte deles, escondendo suas identidades - entre os conhecidos, há músicos de bandas fundamentais, como Napalm Death e Carcass, e até o lendário Jello Biafra, do Dead Kennedys.

Juan Brujo, vocalista e líder do grupo, prefere o anonimato: toca com uma bandana com as cores do México escondendo o rosto e empunha um facão de meio metro para completar o visual. Em entrevista ao UOL, ele admitiu que, mesmo habituado à “desgraceira” que é uma turnê do Brujeria, as passagens anteriores pelo Brasil garantiram um lugar especial nas memórias da banda.

O caso mais bizarro envolveu um chapéu de cowboy e ganha cores vívidas nas palavras de Juan Brujo. “Uma vez fizemos um favor a um amigo e fomos tocar no Rio de Janeiro [na cidade de Duque de Caxias, em 2007]. O local parecia uma escola velha, mas era interessante, tinha uma vizinhança da pesada. Às vezes é legal irmos para lugares assim. Estava tudo caindo aos pedaços e, no meio do show, um fã subiu no palco e roubou o chapéu de cowboy do El Cynico”, relembrou Brujo, sobre o baixista, que na verdade é Jeff Walker, do Carcass.

“Ele ficou tão furioso, que saiu do palco dizendo que sem o chapéu ele não tocaria. As coisas ficaram meio malucas e então um cara subiu no palco e mostrou para o público uma arma que estava na sua cintura! Ele estava gritando com a galera e até perguntei se era algum líder de gangue. Mas me disseram que era um policial à paisana que estava ameaçando matar o ladrão (risos). Fui lá e disse que faríamos o show do mesmo jeito. O chapéu não foi devolvido, mas um ano depois El Cynico recebeu uma foto de um cara em um show usando o chapéu. No fim, pegaram-no e mandaram de volta”, completou o vocalista. “Estamos devendo uma até hoje para a menina que o recuperou (risos).”

Em outra ocasião, em São Paulo, foi o baterista Hongo Jr. – que é Nicholas Barker, ex-Dimmu Borgir e Cradle of Filth, entre outras bandas – que não deu sorte. “Ele saiu para fumar e virou para o lado errado, na rua errada. De repente, foi cercado pro uns caras, um deles armado, e levaram sua carteira. Fumar custou caro...”, contou Brujo.

Ele não espera nada de muito diferente este ano, quando volta ao país para shows em Curitiba (06/03), Brasília (07), Palmas (08), São Paulo (09), Rio de Janeiro (11) e Manaus (13). O grupo deve lançar este ano o seu quarto álbum, após um hiato de 14 anos, e dará um aperitivo dele. “Adoramos o Brasil, nos sentimos em casa, são sempre shows cheios de energia e com fãs malucos. E dessa vez estamos trazendo muitos sons novos, será o primeiro lugar em que tocaremos muitas músicas”, diz Brujo, antes de revelar. “Temos uma música especial que envolve a Copa do Mundo ser aí no Brasil esse ano (risos)! Não percam.”
 

A origem da “bruxaria”

Não é só de histórias com o Brasil como pano de fundo que o Brujeria fez fama, é claro. Juan Brujo falou longamente sobre como e porque as coisas deram certo para uma banda que era fadada ao ostracismo por não cantar em inglês, fazer um som sujo e ainda querer soltar álbuns com letras e capas impublicáveis.

A grande questão para o vocalista – que na verdade é nascido nos EUA e filho de imigrantes mexicanos - era ver que havia uma demanda por bandas com letras em espanhol no mercado norte-americano, por conta da alta presença de latinos. Mas ninguém queria aceitar o desafio de tentar arrebatar esse público que curtia metal extremo.

Supergrupo quase já contou com baterista do Sepultura

Dizer que o Brujeria é um supergrupo não é exagero. Além de já ter contado com Jesse Pintado (Napalm Death/Terrorizer) e Jello Biafra (Dead Kennedys), hoje tem em sua formação Shane Embury (Napalm Death), Jeff Walker (Carcass) e bateristas de renome que se revezam – Nicholas Barker (ex-Dimmu Borgir) e os irmãos Adrian e Daniel Earldsson (de At the Gates e Arch Enemy, respectivamente). E quase um brasileiro do Sepultura fez parte dessa história. “Algumas vezes um integrante não pode sair em turnê por compromissos com outras bandas e precisamos de substitutos. Certa vez, precisávamos de um baterista para tocar em São Paulo e pensei: ‘quem mais poderia se juntar a nós?’. Chamamos um velho amigo que tocou numa banda que, bom, vamos chamar de ‘Sepulculo’, mas ele também estava ocupado. Uma pena”, brincou Brujo.


"Tudo que se ouvia de rock em espanhol era lento e fraco. Um dia, fomos a um show do Terrorizer (banda de Los Angeles de grindcore/death metal), e vi que só tinha mexicanos.  Estávamos em Los Angeles, vendo uma banda formada por descendentes de mexicanos e todos estavam indo à loucura, apesar de o público não entender nenhuma letra em inglês. Então, pensei: ‘por que não há bandas extremas cantando em espanhol?’ A resposta era fácil, não havia gravadoras que aceitassem isso, pois achavam que não venderia. Chamei meus amigos e disse que devíamos alimentar esses fãs. Era algo para nós mesmos. Então nos juntamos, surgiu o nome Brujeria e a ideia de ser tudo em espanhol, com letras extremas e música brutal”, relatou ele.

Como as letras abordariam o narcotráfico, satanismo e violência, os integrantes resolveram criar pseudônimos e esconder o rosto. A primeira música composta foi “Seis Seis Seis” e o EP “Demoniaco”, lançado em 1990 com pouco mais de cinco minutos de música, fez o barulho necessário para as lendas do Brujeria começarem.

Uma destas lendas que circula até hoje gira em torno da assinatura do Brujeria com a gravadora Roadrunner, que lançou o primeiro disco deles, “Matando Güeros”. A história diz que o diretor da empresa teve diversas reuniões secretas com integrantes do grupo, que nem a ele revelaram sua identidade.

O barulho em torno de “Matando Güeros” foi tanto que logo no primeiro dia de vendas Juan Brujo foi acordado por um telefonema dizendo que o álbum foi banido na Alemanha e em mais 20 países por causa do título e da foto de capa, que mostrava uma mão segurando uma cabeça decapitada. “Funcionou!”, comemorou o vocalista. “Todos os CDs foram devolvidos à gravadora, nós basicamente os quebramos (risos). Eles perguntaram: ‘Sobre  o que falam essas letras?’. Eu havia dito anteriormente que as letras não eram agradáveis e que seriam em espanhol e eles disseram: ‘no problem, amigo’. Ninguém ligou, porque era em espanhol. Foi uma zona. Mas eles conseguiram colocar o CD nas lojas sem a imagem da capa e com um adesivo de aviso. Desde então, as gravadoras nos observam com bem mais atenção”, brincou ele.

Brujo se inspirou para as letras em um tipo tradicional de composição no México, os “corridos”. Mais usados em música country, eles são basicamente contações de histórias, quase sempre fatos reais. Com o passar do tempo e com o aumento da violência, o tráfico de drogas virou um dos temas recorrentes, gerando os “narco-corridos”.

O vocalista viu que faria sentido usar este tipo de relato e, além das drogas, usou sua experiência como imigrante e o preconceito que sofreu nos Estados Unidos para escrever letras extremas – muitas falando de assassinatos de brancos, por exemplo. Brincadeirinha, garante Brujo. “Eu quero só me divertir, mas cantar em espanhol fez quem não entendia as letras ficar com medo da gente.”

“Matando Güeros” acabou se tornando um clássico do metal extremo e transformou o Brujeria em uma instituição do grindcore, principalmente com a evolução mostrada nos álbuns “Raza Odiada”, de 1995, e “Brujerizmo”, de 2000. Este último foi o grande sucesso comercial da banda e os levou à disputa do Grammy Latino, mesmo que eles pouco se apresentassem ao vivo.

A boa fase foi interrompida por mudanças de formação e uma parada por alguns anos. Desde 2007 o grupo passou a se apresentar mais frequentemente, e só em 2014 deve enfim voltar a lançar um novo álbum: “Pocho Aztlan”.

Apesar de tudo isso e do fato de quase todos os membros do Brujeria não terem mais aquele mistério do anonimato – para o desgosto de Brujo -, a banda segue atraindo atenção e promete voltar a chocar.

“Um integrante do Brujeria resolveu ‘saír do armário’ na imprensa, revelando seu nome e quebrando o nosso pacto de anonimato só para chamar atenção para si próprio. Apesar de nos machucar, isso não nos matou. Estamos mais fortes do que nunca, e é por isso que ainda visto minha máscara 25 anos depois de tudo começar”, concluiu Juan Brujo.