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Paula Lavigne se irrita em audiência sobre mudança no Ecad e pede justiça

Do UOL, em São Paulo

17/03/2014 14h44Atualizada em 18/03/2014 17h39

O STF (Supremo Tribunal Federal) discutiu na tarde desta segunda-feira (17), com políticos, artistas, empresários e compositores, a Lei 12.853/2013, que determina novas regras para a arrecadação e distribuição de direitos autorais de obras musicais.

Em nome do grupo Procure Saber, a produtora musical Paula Lavigne se irritou com os comentários do advogado Sylvio Capanema de Souza sobre a união dos músicos a favor das mudanças no Ecad. Segundo ela, o advogado tratou a associação como  um "bando de bobos e desinformados". "A turma que se reuniu são os que mais arrecadam. Queremos ver justiça. Depois da lei aprovada, tudo começou a andar de algum jeito. Estranho, não?", questionou Paula, visivelmente irritada.

Pouco antes de ler uma lista com os nomes de todos os músicos que aprovam as mudanças --entre eles Gilberto Gil, Ivete Sangalo, Péricles e CPM22-- ela afirmou que, com o sistema antigo do Ecad, somente as editoras musicais ganhavam. "Você pensa que era o Roberto Carlos? Não, só as editoras ganhavam".

Paula reclamou ainda da inexistência de um programa social para os músicos brasileiros. "Caetano e Gil ficam muito felizes com a aposentadoria que têm. Dominguinhos morreu cheio de contas para pagar. Se não fossem as músicas deles, eles não ganhariam o dinheiro", disse ela.

"Deixa minha canção em paz"

O músico e compositor Roberto Menescal foi contra a mudança no Ecad durante a audiência aberta. Para ele, a culpa de não se ter uma fiscalização adequada é dos próprios compositores. "Temos que nos precaver sobre a nossa música, sobre a nossa criação. Acredito que o Estado tem que ditar regras. Mas na minha canção? Deixa ela em paz".

Menescal afirmou ainda que ficou triste ao ver uma briga entre músicos sobre o assunto. "Presenciei a briga. A coisa vai ficando acirrada e eu não queria que isso ficasse assim. Queria que fosse melhor levado e que chegássemos a uma conclusão benéfica para todos", afirmou.

"Entregar o galinheiro às raposas"

Lobão também participou da audiência pública e criticou a intervenção estatal consequente da fiscalização do MinC (Ministério da Cultura) no que se refere à arrecadação e distribuição dos valores oriundos dos direitos autorais. Segundo ele, tal mudança seria "entregar o galinheiro às raposas".

"Por melhores intenções que essa lei tenha, ela traz pontos sombrios e de traços autoritários", afirmou. "Temos que avaliar as lacunas, inclusive no que se refere aos direitos e deveres. O Ecad é um órgão longe de ser perfeito, mas entregar sua fiscalização a este governo que é um dos mais corruptos da história? Peço ao Supremo que olhe por nós [artistas], porque a situação é calamitosa e desproporcional."

O presidente da União Brasileira de Compositores, Fernando Brant --parceiro de Milton Nascimento, Lô Borges e Wagner Tiso em diversas canções--, abriu a consulta popular, após a análise do relator do projeto de lei, o senador Humberto Costa, com um discurso crítico à nova Lei, chamando-a de "farsa" e citando o interesse de "poderosos da empresas de comunicação em massa".

"Fico assustado na variedade de inimigos dos direitos autorais. Hoje e sempre sofremos na mão do audiovisual. Para não pagar o que achamos justos, apostaram na demora da decisão do judiciário e na mentira".

Segundo Brant, a lei foi aprovada rapidamente, sem o debate necessário, sob a pressão de "dezenas de famosos artistas desinformados, tirando fotos com a presidente da República. Muito estranho, não?", ironizou. "Recusamos o paternalismo estatal". O tom crítico se seguiu com a superintendente executiva do Ecad, Gloria Braga, que rechaçou a possibilidade do órgão ser fiscalizado pelo próprio governo. "As associações são os próprios órgãos que fiscalizam o Ecad".

Como representante do Gap (Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música), o músico Frejat foi na direção oposta em sua argumentação, ao defender a Lei em vigor. Ele criticou como, ao longo dos anos, o Ecad se tornou uma máquina jurídica obscura, cuja função de arrecadação e distribuição não tem sido legalmente bem executada. "Há autores insatisfeitos com o que recebem e usuários insatisfeitos com o que pagam. O dinheiro existe, e se encontra nesse meio do caminho".

O músico comentou ainda a questão de alterações bruscas realizadas pelo Ecad nas pontuações de pagamentos dos direitos autoriais sem a ocorrência de assembleias gerais para que tais decisões sejam tomadas. "Sou autor há 30 anos e nunca recebi um convite para participar de uma votação", disse. "A Lei 12.853/2013 é uma conquista para nós. Entidades que deveriam estar nos protegendo e nos representando estão aqui por terem entrado com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. É uma grande contradição."

Com relação à intervenção do Estado tão amplamente criticada pela oposição, Frejat fez questão de destacar que o Ecad nasceu regulado pelo Estado quando foi criado em 1973 junto ao CNDA (Conselho Nacional de Direito Autoral), tendo sido extinto junto ao Ministério da Cultura durante o governo do Presidente Fernando Collor de Mello.

A lei

NOVA LEI

1) As associações de compositores e intérpretes que compõem o Ecad terão que se habilitar junto ao Ministério da Cultura, comprovando que têm condições de administrar os direitos de forma eficaz e transparente.

2) A taxa de administração de 25% cobrada pelo Ecad e pelas associações de gestão coletiva será diminuída gradualmente e não poderá ultrapassar 15% do valor arrecadado a título de pagamento de direitos.

3) Emissoras de rádio e TV serão obrigadas a tornar pública a relação completa das obras que utilizou e o pagamento deverá espelhar a realidade da execução das músicas. Hoje, essa distribuição se dá por amostragem.

4) Criação de um cadastro unificado de obras que evite o falseamento de dados e a duplicidade de títulos. O autor poderá acompanhar a gestão do seu direito pela internet.

5) As associações que compõem o Ecad só poderão ser dirigidas por titulares dos direitos autorais, ou seja, compositores e intérpretes. Eles terão mandato fixo de três anos, com direito a uma reeleição.

A nova lei, que havia sido aprovada pelo Senado em julho de 2013, com a participação maciça de artistas brasileiros como Fernanda Abreu, Roberto Carlos e Jair Rodrigues -- incluindo os artistas do grupo "Procure Saber", que posteriormente entraram na discussão sobre as biografias não autorizadas -- , estabelece que o Ecad passe a ser fiscalizado por um órgão específico e preste satisfações precisas sobre a distribuição dos recursos. 

O texto determina que a taxa de administração de 25% sejá diminuída gradualmente até chegar a 15% do valor arrecadado a título de pagamento de direitos.

Além disso, as emissoras de TV e rádio têm o prazo de dez dias para enviar relatório com a lista de músicas utilizadas. A transparência na gestão dos valores pagos também é um dos destaques do texto. O autor passará a ter acesso, através da internet, ao custo das obras e o valor que será distribuído por cada música.

A lei ainda prevê multa a dirigentes das entidades e associações que não prestarem satisfações ou divulgarem informações falsas: de 10 a 30% do valor que deveria ser originariamente pago.

O encontro acontece após o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), órgão responsável pela administração dos direitos autorais, questionar no Supremo a validade da lei. Através de uma Adi (Ação Direta de Inconstitucionalidade), o órgão afirma que a nova lei "fere princípios constitucionais, ao conceder ao Estado poder para interferir na gestão de uma atividade de direito privado". 

Entenda o caso
Com relatoria do senador Humberto Costa, a lei 12.853/2013 é resultado de CPI realizada em 2012 que investigou supostas irregularidades na arrecadação e distribuição de direitos por execução de músicas por parte do Ecad.

O relatório final da CPI pedia o indiciamento de 15 pessoas por apropriação indevida de verbas, cobranças excessivas, dentre outras acusações, além de novas regras para que haja mais transparência nas atividades do escritório e um órgão que seja ligado ao Ministério da Justiça para fazer a fiscalização do Ecad.

Em nota divulgada à época, o Ecad afirmou que não identificou "qualquer irregularidade na arrecadação e distribuição de direitos autorais que justifique o indiciamento de dirigentes" e que acusações de abuso de ordem econômica e cartel "já foram afastadas pelo MPF, manifestando-se pelo arquivamento do processo por inaplicabilidade do direito concorrencial".

Criado em 1973 como uma instituição privada formada por diversas associações da indústria musical, o órgão já foi alvo de outras quatro CPIs: uma da Câmara dos Deputados (entre 1995/96), e três em assembleias legislativa estaduais --em São Paulo (2009), em Mato Grosso do Sul (2005) e no Rio de Janeiro (2011).