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Em livro, baterista do Rush conta como cruzou vale da morte e das lágrimas

08.out.2010-Neil Peart, durante show que o Rush fez em São Paulo - Marcelo Justo/Folhapress
08.out.2010-Neil Peart, durante show que o Rush fez em São Paulo Imagem: Marcelo Justo/Folhapress

Ricardo Feltrin

Do UOL, em São Paulo

22/04/2014 05h00

Fãs de música, de músicos e especialmente da banda de rock canadense Rush não podem perder o livro escrito pelo baterista Neil Peart, que chega ao Brasil agora pelas mãos da editora Belas Letras. Também é leitura imprescindível para quem em algum momento deixou de acreditar na vida para aceitar apenas a derrota da morte. Detalhe: o livro chega ao país com "apenas" 12 anos de atraso em relação ao resto do mundo civilizado.

Trata-se de uma espécie de "roadie book" _na verdade, uma "cacetada" de mais de 500 páginas_ em que Neil Ellwood Peart, 61, conta como afundou, percorreu e depois emergiu do abismo de lágrimas que se tornou sua vida na segunda metade dos anos 90. Em menos de um ano, Peart perdeu a amada filha Selena, então com 19 anos, num trágico acidente de carro no Canadá. Dez meses depois, perderia também a amada mulher, Jackie, com quem estava casado havia 20 anos.

Após a morte da esposa, Peart abandonou o Rush. "Considerem-me aposentado", disse aos amigos de banda, o baixista Geddy Lee e o guitarrista Alex, no dia do funeral de Jackie. Então o baterista montou sua moto BMW  R1100GS e saiu sem destino pelo que depois chamou de "A Estrada da Cura", nome do livro.

O músico percorreu mais de 80 mil quilômetros durante meses a esmo. Com um mapa na mão, nenhuma ideia na cabeça e um enorme luto no coração, viajou sem parar por quatro países, atravessou 15 Estados norte-americanos, 17 Estados mexicanos, foi até o Belize, voltou para casa no Quebéc, saiu novamente em peregrinação e durante essa saga pagou todos os "pedágios" obrigatórios a quem sofreu tamanha tragédia: choque, descrença, ódio, barganha e, finalmente, a aceitação.

Daí que o livro é imprescindível não apenas a quem ama a música, mas também para quem já perdeu um ser amado. E nada tem a ver com todas as biografias ou relatos de músicos contemporâneos que estamos acostumados a ler.

Neil Peart faz a descrição do inferno interno que estava vivendo com o êxtase da fantástica natureza que viu nessas dezenas de milhares de quilômetros percorridos não só em estradas principais, mas especialmente as vicinais, os desvios, as trilhas quase inacessíveis para o ser humano.

Viajando sempre fora de temporadas, o músico acabou descobrindo que poderia estacionar a moto no meio de qualquer estrada que cruzava, colocá-la no tripé e então fotografá-la como se ela estivesse se movendo sozinha e sem piloto pelo deserto. Eis o motivo do subtítulo do livro: "Ghost Rider". Era como uma moto dirigida por um fantasma.

Neil enfrentou os fantasmas, e ainda surgiram outros, como a prisão de seu melhor amigo, Brutus, bem na época em que se encontrariam em algum lugar ermo dos EUA para trilharem juntos dali em diante.

Nada a ver com sexo, drogas e rock. O baterista do Rush é um ser humano refinado, culto, poliglota (fala francês, inglês, latim e espanhol, entre outros idiomas), que faz um relato fantástico desde o tipo de vegetação que cruzava num determinado momento, até a descrição de espécie e subespécie de pássaros que cruzavam o longo voo do motoqueiro fantasma. Sim, ele é um observador profissional de pássaros, além de ter sido eleito pela "Rolling Stone" como melhor baterista do mundo.

A despeito desses rankings sempre terem metodologia obscura ou “perneta”, com um espectro limitado de concorrentes (concorreram Rod Morgenstein? Billy Cobhan? Carl Palmer?), Neil Peart é decididamente um dos maiores e mais técnicos bateristas de todos os tempos. E a surpresa é que também se tornou um dos mais prolíficos e agradáveis escritores que qualquer ser humano poderá encontrar. Ah, sim, e novamente um músico ativo e um pai de família amoroso. 

“Ghost Rider, A Estrada da Cura”
Autor: Neil Peart.
Editora: Belas Letras. 
Número de págs: 513
Preço sugerido: de R$ 30 a R$ 40