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Após lesão, Adriana Calcanhotto volta ao violão e reaprende canções em DVD

Adriana Calcanhotto no show "Olhos de Onda" - Divulgação
Adriana Calcanhotto no show "Olhos de Onda" Imagem: Divulgação

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

07/05/2014 12h06

Em seu novo DVD, “Olhos de Onda”, Adriana Calcanhotto faz a plateia cantar canções onipresentes de sua carreira, como “Esquadros” e “Vambora”, mas o público que sabe de cor a letra nem imagina que a própria cantora havia esquecido como tocá-las. “Eu tive que me encontrar com elas de novo, reaprender a tocar”, ela conta, ao UOL. Não foi um lapso de memória, mas sim uma lesão na mão direita que a obrigou a ficar afastada do violão por quase dois anos. “Só me apeguei à parte boa que era não carregar um violão. Nesse esforço todo meu cérebro esqueceu as canções”.

Seu novo trabalho, gravado ao vivo no Rio de Janeiro em fevereiro deste ano, é o reencontro de Adriana com seu instrumento definitivo. Ela se despiu da produção grandiosa da sua alter-ego infantil, Partimpim (que a propósito ela ainda não sabe se vai voltar) e aparece no palco sozinha, apenas com o companheiro de seis cordas. Como cenário apenas um piercing no dente, brincos cintilantes e um vestido verde-água. A simplicidade é motivo de graça: “Vamos tocar em qualquer lugar que tenha elevador”.

Além das canções novas, como “Maldito Rádio”, composta especialmente para a novela “Cheias de Charme”, e o tino em gravar versões que caem no gosto do público (“Back to Black”, de Amy Winehouse, é a bola da vez), os clássicos chegam com outra intensidade. 
“[A volta ao violão] me fez pensar sobre minha relação longa, entre tapas e beijos, com o violão. Eu abandono o violão ou ele me abandona (...) Como ele representa a música pra mim, quando o abandono eu estou um pouco me desligando da música, pensando se eu quero mesmo continuar”.

Na política, ela tem certeza que não quer continuar a fazer o que sempre fez. Eleitora de Marina Silva na corrida presidencial em 2010, a cantora chegou a compor um tema para a ex-ministra, mas agora, assim como em um samba, só sobrou desilusão: “Se fosse mais alienada eu seria mais feliz”.

Capa do DVD "Olhos de Onda" - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação
UOL - Após a lesão na mão, da Adriana Partimpim, trabalhos com bandas, você volta ao banquinho e violão que lhe é muito característico. Ao mesmo tempo essas canções carregam uma intensidade diferente...
Adriana Calcanhotto - O afastamento involuntário do violão foi de 1 ano e meio. Eu já não era a mesma, o violão não era o mesmo, as canções não eram as mesmas. Para não ficar sofrendo com a distância do violão, eu comecei a não pensar nele. O Davi Moraes estava no posto do violão no [show do] “Micróbio do Samba”, eu não pensava nisso. Só me apeguei à parte boa que era não carregar um violão. Nesse esforço todo meu cérebro esqueceu as canções. Percebi que eu não sabia mais tocar “Vambora”, “Esquadros”. Eu tive que me encontrar com elas de novo, reaprender a tocar. Fatalmente eu tive que olhar para elas de outra forma.

O que você descobriu nesse reaprendizado?
Sempre tive esse exercício, é uma coisa que ouvi João Gilberto dizer. Você tem que cantar aquela canção como se fosse pela primeira vez, exercitar a espontaneidade. Aquilo tem que ser verdadeiro.

Você também está diferente. Cabelo comprido, piercing no dente...
Eu tenho piercing há muitos anos, só agora as pessoas estão vendo (risos). É difícil de iluminar.

Isso não te intimida?
Não. Estou no palco sozinha com minhas canções. Convidei a Dora [Jobim] e Gabriela [Gastal] para dirigir. Tivemos uma reunião que eu participei. Elas me perguntaram apenas uma coisa: o filme poderia ser preto e branco? Eu disse: ‘Claro que não, meu vestido é verde’ (risos). Mas foi só, não me meti em mais nada. Uma produtora que trabalhou comigo e com a Marisa Monte, acostumada a caminhões de coisas, disse: “o show dela cabe em um elevador” (risos). Vamos tocar em qualquer lugar que tenha elevador.

Você fala do reencontro com o violão. Quem é essa Adriana que está de volta ao instrumento?
Essa história toda da lesão e de voltar ao violão me fez pensar sobre minha relação longa, entre tapas e beijos, com o violão. Eu o abandono ou ele me abandona, daqui a pouco volta. Acho que esse é o show da aceitação do violão como meu instrumento, finalmente. As pessoas podem achar: meu deus: mas ela sempre está com o violão. Mas é uma relação viva, eu não domino e não entendo sequer o raciocínio desse instrumento. É um dilema. Como ele representa a música pra mim, quando o abandono eu estou um pouco me desligando da música, pensando se eu quero mesmo continuar...

Existe esse questionamento?
Existe. E quando eu fiz a fisioterapia e estava pronta para tocar violão, pensei: agora eu posso, mas será que eu quero? Voltar é estar na zona de conforto. Compus muito com ele. Se eu não tocar mais violão, vou compor de outra maneira. Vai ser uma tuba? Uma caixa de fósforo? Só que nesse instante chegou o convite de Lisboa para fazer um show em comemoração do aniversário da Sala [Lisboeta], onde cantei pela primeira vez com voz e violão.

Você sempre se manteve longe de polêmicas e, aparentemente, de concessões, holofotes. Ao mesmo tempo, suas canções são trilhas de novela e vez em quando você aparece em sites de celebridades ao lado da sua mulher, [a diretora] Suzana de Moraes. Você acompanha esse lado da fama?
Não. Eu tenho muito o que fazer (risos). Uma vez a Marina Lima disse que tinha uma comunidade na internet que discutia nosso casamento, meu e da Marina. As pessoas falavam que andávamos com o cachorro na Lagoa. Eu perguntei: ‘Mas você mora na minha casa ou eu moro na sua?’. Ela: ‘não sei, vou descobrir’. Eu não tenho o menor interesse e nem julgo quem tenha esse interesse.

Um dos seus talentos certamente é a releitura de canções conhecidas. “Devolva-me” foi um grande sucesso, assim como “Fico Assim Sem Você”, do Claudinho e Bochecha. Agora você revisita “Back to Black” de Amy Winehouse.
São as canções. “Devolva-me” eu achava que era uma música só minha, por que eu a ouvia no rádio ao lado da babá. Quando eu gravei e virou um sucesso, eu falava com a Lillian [Knapp, compositora da canção] por telefone, ela disse: ‘as pessoas acham que essa canção é sua. E eu deixo achar’ (risos). Canções como essa e “Fico Assim Sem Você” não precisam fazer nada, você só precisa transmitir como ela é. É a mesma coisa com “Back to Black”. Tem aquela coisa Motown, mas se você tira tudo isso, que já é bonito, a canção resiste no osso, só no violão. Talvez seja o talento que eu tenha de ouvir uma canção que é mal arranjada ou muito arranjada, e reduzi-la àquilo.

O que mais você gosta de ouvir que as pessoas nem imaginam?
Não ouço muita música, porque eu trabalho com música e preciso de silêncio. Agora estou ouvindo música clássica por conta de um projeto da peça “Pedro e o Lobo”. Ouço muito rádio também. A do Claudinho mesmo eu ouvi na rádio. Por conta do acidente, a música tocou em rádios que não costumavam tocar a dupla. Eu ouvi aquilo e fiquei enlouquecida. Posso estar na sala de espera do médico e ouvir algo assim. O exercício é manter as antenas e os olhos abertos para me impactar. Adoro isso, às vezes acho que isso não vai acontecer de novo. Agora eu estou estou compondo, e aí eu fico com o ouvido com outra frequência.

Você está compondo para que?
Não faço a menor ideia (risos). Em todo o caso, desde “Olhos de Onda”, tenho feito canções. Eu voltei a tocar. No hotel, na passagem de som, eu tenho obrigação de praticar violão. Fatalmente sai uma música ou outra.

Partimpim continua?
É uma pergunta ótima que eu não sei responder. A Osesp me convidou para participar da releitura de “Pedro e o Lobo”. Na programação, eu saio, a orquestra toca um tema encomendado para André Mehmari, e depois eu volto com a orquestra e faço algumas canções Partimpim. Mas são canções Partimpim. Eu não quero que a Partimpim se esparrame. Se ela começa, eu tenho que ir atrás, é algo que demanda, tem que carrega as coisas. É tão o oposto do “Olhos de Onda”, que é tão enxuto. O cenário é meu próprio vestido.

E os livros no pé.
Que é uma questão prática. Depois da fisioterapia ficou claro pra mim que eu não posso mais tocar de pernas cruzadas porque tem uma interferência na cervical e vai parar lá no punho. Então tive que reaprender também a posição para tocar. Eu preciso de um nível mais alto na perna direita. Comprei aquele pezinho para violonista clássico na loja de música, mas ele é meio instável. Aí peguei essa medida, e coloquei aquela pilha de livros. Eu escolhi os livros pelo tamanho, mas vou trocando, fazendo intercâmbio.

Você compôs uma música para a campanha de Marina Silva em 2010. Muita coisa mudou desde então, ela mesma agora está no PSB. Você ainda “é Marina”, como dizia a letra?
Eu gosto muito da Marina, acredito nela, ela é uma força. Dependerá se vai ter [a participação de] Jorge Bornhausen, alguma coisa assim... Mas eu estou tão desiludida da política que eu não dou mais pitaco, uma desilusão muito grande.

Você não voltaria a compor para um candidato?
Fiz aquilo porque era um momento importante, onde a gente tinha na corrida presidencial duas mulheres preparadas para concorrer. Aquilo ali, do ponto de vista democrático, foi muito bom. Eu gostaria de gostar menos de política. Se fosse mais alienada eu seria mais feliz.