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Após 40 anos, Maria Alcina diz viver o seu melhor momento graças à internet

Maria Alcina, em foto de divulgação do seu novo disco, "De Normal (Bastam os Outros)" - Jardiel Carvalho/Divulgação
Maria Alcina, em foto de divulgação do seu novo disco, "De Normal (Bastam os Outros)" Imagem: Jardiel Carvalho/Divulgação

Marco de Castro

Do UOL, em São Paulo

31/07/2014 06h00

Em 1972, quando subiu ao palco do Festival Internacional da Canção, no Rio, para defender “Fio Maravilha”, de Jorge Ben (hoje Benjor), Maria Alcina chamou atenção com uma apresentação apoteótica. Pulava, chacoalhava, usava roupas e maquiagem coloridas e ousadas e cantava com voz grossa. Era tão diferente, que chegou até a ser censurada pela ditadura militar dois anos depois.

Naquela década, mesmo prejudicada pela censura, a artista conseguiu lançar três LPs. Nos anos de 1980 e 1990, porém, outra ditadura a prejudicou: a da indústria fonográfica, que já não se interessava mais em promover o seu trabalho. Ela só lançou "Prenda o Tadeu" (1985) e o independente "Bucaneira" (1992), mantendo-se na ativa graças a programas de auditório da TV, como os apresentados por Bolinha, Raul Gil e Gilberto Barros, entre outros, nos quais atuou como jurada.

“Eu cantei muito em circo, naquela época. Fiz programas como jurada na TV, que foi o que segurou a minha imagem. Nunca parei. Cantava onde podia. Onde me chamavam. Cantava até em cima da lata de querosene, se precisasse”, relembra a cantora.

Atualmente, porém, com 65 anos de idade e mais de 40 de carreira, Alcina vê um cenário diferente. "Hoje, graças a Deus, a cena independente é muito forte no Brasil. Você tem um monte de show de um pessoal independente, tem rádio que toca música independente. Programas na internet com uma galera independente. Seu trabalho tem espaço pra c******!", se empolga a artista, que continua firme na ativa e, em dezembro de 2013, lançou o disco "De Normal (Bastam os Outros)".

alcina - Jardiel Carvalho/Divulgação - Jardiel Carvalho/Divulgação
Capa do CD "De Normal (Bastam os Outros)"
Imagem: Jardiel Carvalho/Divulgação

Para ela, que agora está aprendendo a mexer na internet e, recentemente, ganhou um perfil no Facebook (administrado por um amigo), a web tem sido um instrumento essencial, tanto para divulgar o seu trabalho atual quanto para resgatar o seu material antigo. “Creio que a internet está agitando esse lado, de fazer o público ter curiosidade, seja ele de qual idade for. O Thiago [Marques Luiz, produtor do último álbum] botou todos os meus CDs na internet”, diz a cantora, que tem visto muito mais jovens frequentando sua plateia ultimamente. “Ele [o público jovem] já ouve a música, vê a minha imagem. Pega uma cantora que faz um trabalho como esse do ‘De Normal’ e já se identifica. É a rapidez da internet, né?”

Se contasse com a internet nos anos 90, acredita a artista, o lançamento de "Bucaneira" não teria sido um “balde de água fria”, como ela define. “Foi quando estourou a música sertaneja. Falaram para mim ‘Alcina, não vamos fazer muita folia, porque, se não for sertanejo, não vai nem tocar no Brasil’. O pessoal que produziu o disco não acreditava que pudesse acontecer alguma coisa que não fosse a música sertaneja. E o ‘Bucaneira’ é um disco excelente. Saiu só em LP”, lamenta.

Mas a artista crê que esse tipo de fracasso não volte a se repetir.  “A cena independente está tomando conta do Brasil. Dá para a gente estar ali, pau a pau com quem está na mídia e tem oportunidade de pagar para poder tocar. Porque você sabe que é assim mesmo, né? Não se toca mais hoje porque a música é linda, maravilhosa. Toca porque paga”, afirma, alfinetando a prática conhecida como “jabá”, em que grandes gravadoras pagam a rádios e emissoras de TV para conseguir espaço na programação. “Tendo consciência disso, fazendo um bom trabalho e tendo espaço pra botar a cara, é só abrir a porta, que eu entro. A gente não fica mais de fora. No caso do ‘Bucaneira’, eu ainda não tinha essa possibilidade que eu tenho hoje”, conclui.

Militares e futebol
Superados os períodos de maior dificuldade que teve ao longo da carreira, Maria Alcina, agora atarefada e se apresentando no Brasil inteiro, só quer saber de olhar para frente. Por isso se recusa a falar de assuntos como a censura que sofreu durante o regime militar.

“Não quero falar de um assunto de 40 anos atrás. Parece que você está presa nisso, e a minha vida já se expandiu. Na época, eu fiquei totalmente sozinha. Tive várias dificuldades, e ninguém foi lá me abraçar. Quando eu precisava que me perguntassem sobre isso, ninguém perguntou. Agora virou mote. Não quero ficar presa nesse negócio de ditadura. Não quero assunto de cachorro grande, eu sou vira-lata”, queixa-se a artista. E conclui: “Só quero champanhe pra celebrar os meus 40 anos de carreira e f****** o que aconteceu”.

Já quando o assunto é futebol, a artista que popularizou “Fio Maravilha” (uma canção inspirada no esporte) não foge. “Gosto de futebol porque é igual à música. Gosto daquele teatro do futebol, aquela coisa de um jogar a bola pro outro até chegar ao gol.” A pedido do UOL, ela comentou a derrota do Brasil para a Alemanha por 7 a 1 na Copa. “Enquanto o futebol brasileiro estiver centralizado num único jogador, que vai resolver tudo, não vai dar certo. É o coletivo que joga. O Neymar é legal, é maravilhoso e é um grande atleta, mas não se pode botar uma seleção inteira em função de um jogador. Aí ele saiu e desestruturou tudo? Não pode!”

Quanto à escolha de Dunga como o novo técnico da seleção, a cantora é receosa. “É estranho. Acho que tem alguma coisa por trás disso aí. Em vez de ir para frente, voltou um pouco para trás. Teve uma época que ele entrou e depois tiraram. Agora estou vendo isso aí como uma coisa teatralizada. Já vi antes. Mas, de repente, ele pode surpreender a gente. Vamos ver”.

Realizada
“Quem provoca tudo isso, como eu provoquei lá no começo, e está aqui até hoje, é porque tem alguma coisa que não é normal”, brinca, em referência à música escrita para ela por Arnaldo Antunes, que dá nome ao disco “De Normal (Bastam os Outros)”. Além do ex-­titã, o álbum traz outros compositores da atual da geração da MPB, como Karina Buhr ("Cocadinha de Sal") e Zeca Baleiro ("Eu Sou Alcina").

"Esse CD é comemorativo dos meus 40 anos de carreira. O [produtor] Thiago Marques não quis deixar passar isso em branco, então falou 'vamos festejar com um CD'", conta ela sobre o trabalho, que ainda reúne músicas de compositores antigos, como Adoniran Barbosa (“Dondoca”), Chico Anysio e Haydee de Paula (“Não se Avexe Não”) e Osvaldo Nunes (“Segura Esse Samba”), e traz ainda um dueto de Alcina com Ney Matogrosso em “Bigorrilho”, de Sebastião Gomes, Paquito e Romeu Gentil –veja no vídeo abaixo.

“Se você pegar o meu trabalho desde o começo, ele está sempre mesclando os novos com os mais clássicos. Não é de hoje, não. Sempre fui assim. Gosto de música que me arrebata, que me desperta o amor”, resume Alcina, que, no último dia 6 de julho, gravou também um DVD comemorativo de 40 anos de carreira durante um show no Auditório Ibirapuera.

Ela conta que a apresentação foi uma das mais marcantes de sua carreira. “Quando eu entrei em cena e me vi naquele palco, com tudo aquilo que estava acontecendo à minha volta, aquela música, aquele público, aquele teatro... Uau! Falei para mim mesma ‘parabéns, você veio até aqui’. O palco do Ibirapuera é algo mágico. Me considero realizada”, diz a cantora. Segundo ela, o DVD deve sair entre dezembro deste ano e o Carnaval de 2015.

Enquanto isso, Alcina segue fazendo shows da turnê do disco “De Normal” por todo o país e também atuando no musical “Eu Vou Tirar Você Deste Lugar – As Canções de Odair José”, escrito por Sérgio Maggio e inspirado na obra do cantor e compositor . No espetáculo, ela faz o papel de Madame China, uma cafetina. “Foi um papel escrito para mim pelo Sérgio Maggio. Faço trabalho de atriz e cantora. Estou muito bem ensaiada. Está sendo muito bom fazer o musical”, conta ela.

Sempre jovem
Sobre o fato de hoje, aos 65 anos, ainda ter energia de sobra para dançar e cantar nos shows da mesma forma que fazia quando era mais jovem, Maria Alcina diz que isso se deve “ao amor pela profissão, à emoção de estar no palco”. Mas admite que não se cuida como deveria. “Particularmente, estou mais gorda, fora de forma. Aliás, preciso até me cuidar mais. Preciso fazer isso para ter saúde e continuar vivendo”.

E precisa se cuidar mesmo, porque a aposentadoria, definitivamente, não está nos planos da cantora. “Costumo falar que, com 65 anos, na verdade, estou debutando na vida. Estou me achando com 15 anos. Estou muito jovem. Faço cálculos para quando eu estiver cantando com 70 anos. E, quando eu tiver 70, vou fazer cálculos para 80. Toco o barco para frente. Tudo está me propiciando o momento que estou vivendo agora. Eu conheço os dois lados. Me dê um osso, eu sou boa para roer. Agora, me dê um filé, meu amor...”, e cai na gargalhada.