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Luz de Lisboa e pop de Beatles inspiram nova banda de Camelo com Mallu

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

02/09/2014 12h30

Inspirado pelo clima lusitano e pela perfeição pop dos Beatles, Marcelo Camelo deixou seu lado solitário na música para entrar novamente em uma banda, após quase dez anos longe do Los Hermanos.

Ao lado da mulher, Mallu Magalhães, e do amigo, o músico português Fred Ferreira, do grupo Orelha Negra, Camelo lança a Banda do Mar. O disco de estreia, que chegou às lojas na semana passada, traz uma porção de versos simples e refrãos assobiáveis, embebidos no mar de acordes e riffs grudentos em que Camelo se arrisca. “Ainda estou aprendendo a tocar guitarra”, ele diz, modesto, ao UOL. “Mas você tem razão, faço coisas que eu não fazia antes”, comenta sobre os acordes com tom de blues e surf-music.

Assim como seu primeiro álbum solo, “Sou” (2008), se debruçava sobre a melancolia carioca, e o segundo, “Toque Dela” (2011), ganhava peso em São Paulo, agora a luz que incide na cidade de Lisboa, onde mora com Mallu há mais de um ano, dá o tom do disco. "A geografia, a incidência do sol, a língua, o som dos lugares. De algum jeito, sempre percebi essas entidades na minha cabeça. Nunca é: ‘ah, esse disco foi feito em Portugal, então vai ter um fado’. Nunca é direto. É com motivos que, para os olhos mais atentos e mais endurecidos pela vida, possam parecer meio hippie, meio esotérico, meio qualquer coisa”, observa.

Um comentário feito no estúdio por Fred, seu amigo de há dez anos, serviu como norte para o clima irresistivelmente pop do disco. “Os Beatles têm uma coisa interessante, você consegue antever a nota que vai vir, e ela vem. É a nota que você quer ouvir. Eu acho bonito essa coisa. E é uma banda que não cansa de ser boa. Ontem mesmo eu estava vendo o concerto no telhado, o último show [feito pelos Beatles no topo de um prédio em Londres, em 1969]. Não sei se é porque já ouvimos as músicas muitas vezes, mas o próximo momento realmente vem e não decepciona”, conta. 

Marcelo Camelo e Mallu Magalhães gravam disco em estúdio em Lisboa, onde moram há mais de um ano - Reprodução/Facebook/Banda do Mar - Reprodução/Facebook/Banda do Mar
Marcelo Camelo e Mallu Magalhães gravam disco em estúdio em Lisboa, onde moram há mais de um ano
Imagem: Reprodução/Facebook/Banda do Mar
A volta ao trabalho em conjunto também fez o músico abandonar o posto de ombudsman do próprio trabalho. “Sou um cara agregador. Levo em consideração a opinião de todo o mundo. Passa alguém na rua e diz: ‘esse acorde está meio ruim’, minha mãe fala: ‘ah, não gostei, filho” e, às vezes, a Mallu passa e comenta alguma coisa, com leviandade, e eu levo sério. Mas o Fred é meu irmão, um grande amigo que eu escolhi para ser da família. A Mallu, meu amor, é minha companheira de muitos anos já. Com eles é mais fácil ainda e mais natural. Não precisamos ajustar nossas personalidades para esse encontro.”

“Cidade Nova”
Camelo e Mallu ainda estão se adaptando à rotina na “cidade nova”, que Camelo canta na faixa que abre o álbum. O gostinho desse cotidiano permeia em todo o disco. Ele reflete sobre amor desfrutado em outro habitat, em “Vamo Embora” e “Pode Ser” [“Pode ser o seu cabelo/Ou o jeito que você anda/Pode ser seu apelo/Pelos burros de Miranda”, em referência aos asnos das terras portuguesas]. Já Mallu caminha melhor nas questões rotineiras, como em “Muitos Chocolates” e “Me Sinto Ótima” [“Cansei de carregar milhões de medos / Das pessoas que me cercam e me pesam de agonia / Eu já tenho lá os meus anseios, meus receios / Que eu perco com a luz do dia”].

Camelo se derrete pela parceira: “Ela lança mão de algo primitivo. Vai na onda da música, sem criar percalços, não parece ser um processo muito doído dela. Conheço ela muito bem, é uma inteligência dela trazer as informações cotidianas para uma linguagem poética. De certa forma, tento a mesma coisa, mas talvez pela natureza analítica, masculina, ou talvez por ser mais velho, o cotidiano é mais despedaçado pela minha divagação”, observa.

Mesmo com clima de disco de casal, Camelo e Mallu não costumam compor juntos e vêem o ato como um momento precioso para exercerem cada um a sua própria individualidade. “A gente tem uma coisa ou outra que escrevemos em casa, mas já compartilhamos tanta coisa, uma casa, uma vida, nosso coração, nossos anseios, agora uma banda, nossa produção. Reconhecemos e respeitamos este momento como  reduto da individualidade”, justifica.

Embora tenham marcado shows de lançamento no Brasil, os dois não pretendem voltar a morar  no país tão cedo. “Não planejamos muito isso. Imagino que não [voltaremos] em pouquíssimo tempo. Estamos no início processo de adaptação, precisa de mais um tempo para se sentir chegado à cidade, mas não é um lugar em que viemos em busca de novidade, não é nada como uma grande transformação interior.”

Por enquanto, a ideia é manter o ir e vir com as promoções de companhias aéreas. “É uma viagem que não é tão longa, depois que você passa a fazer com mais frequência. É uma passagem que, se você comprar com antecedência, não é tão cara assim, é uma distância que, com um pouquinho de introspecção e a revista certa, você atravessa com tranquilidade”, comenta, bem-humorado.