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Arlindo Cruz lança disco "moderno" e diz que é chamado de "tio do Esquenta"

Thays Almendra

Do UOL, em São Paulo

10/09/2014 07h00

Prestes a completar 56 anos de idade no próximo domingo (14), e com quase 40 de carreira musical, o sambista Arlindo Cruz lança o CD "Herança Popular" com características modernas. O resultado pode ser atribuído diretamente à sua participação fixa por quatro anos no programa "Esquenta", comandado por Regina Casé na Globo. "'Olha lá o tio do 'Esquenta'', dizem as crianças para mim", ele conta. 

Segundo Arlindo, hoje em dia seu público está "diferente". Ele conta que há mais crianças e até menos fãs de samba de raiz apreciando suas canções. "É um público que nem sabe que eu tenho 700 músicas gravadas, mas me conhece de lá [do programa] como aquele 'gordinho do Esquenta'", contou Arlindo, por telefone, ao UOL.

Foi por isso que o sambista decidiu investir em  ritmos que fazem sucesso com o povo em suas novas composições. Arlindo se define como "cronista do dia a dia" e conta que, para brincar com a modernidade, "substituiu" o primeiro samba gravado no Brasil, em 1917, "Pelo Telefone", de Donga, por "Pelo Whatsapp".

Em suas novas canções, há referências ao passo de dança "quadradinho de oito" e à cantora Anitta, além de parcerias com MC Marcelly e Mr. Catra. Mas não é só o funk que ele incluiu no disco: o álbum tem músicas com Maria Rita ("Paixão e Prazer"), Marcelo D2 ("O Mundo que Renasci") e Zeca Pagodinho ("Somente Sombras").

UOL - O disco "Herança Popular" traz um estilo mais atual, muito acolhedor para público jovem. Você acha que ficou mais conhecido por estar no "Esquenta"?

Arlindo Cruz - Não é só isso. Trabalhando mais de 30 anos com música, reparei que eu sou um compositor popular de samba, que sou um cronista do dia a dia. O exemplo que eu cito é o primeiro samba gravado, "Pelo Telefone", de Donga. Por que não posso transferir essa canção para a atualidade e falar "Pelo Whatsapp"? É uma brincadeira que eu faço porque é um mundo que eu estou conhecendo agora. Tenho uma filha de 11 anos, eu falo no Whatsapp com ela e brinco que sou o 'rei do Zapzap' [apelido dado ao aplicativo]. Os tempos mudaram, a música também, e é preciso acompanhar isso.

Você vê necessidade de se aproximar do público jovem na música?

Não só vejo uma necessidade como eu estou me aproximando através do "Esquenta". O que eu tenho de fãs jovens e crianças que veem, me abraçam e querem tirar foto é muito grande. "Olha lá o tio do 'Esquenta', o Arlindo", dizem as crianças para mim. Saio agora no condomínio, e elas não podem me ver. Eu chego, e sai todo o mundo correndo para me abraçar e perguntar um monte de coisa. Estou vivendo também esse mundo atual. Eu até dedico o disco à Regina [Casé], ao "Esquenta", por ter me apresentado esse mundo moderno. Hoje eu estou moderno.

Está tão moderno que tem uma referência à Anitta no seu CD...

Sim, isso mesmo. Falo sobre o quadradinho [de oito, passo de dança] e falo da Anitta. Ela é demais. Eu canto com a MC Marcelly, com o Mr. Catra. Eu começo cantando sobre Candeia e Cartola [sambistas] e termino com o Catra. (gargalha).

Arlindo - Divulgação/TV Globo - Divulgação/TV Globo
Regina Casé e Arlindo Cruz são amigos dentro e fora do "Esquenta"
Imagem: Divulgação/TV Globo

E por que misturar tantos ritmos?

O "Esquenta" me fez conhecer outros universos, outros estilos de compositores. Além de me fazer falar com outros "idiomas", que não sejam exatamente samba, como com o sertanejo, o axé, o arrocha, o funk. Com isso, eu aprendi que o mundo está "tudo junto e misturado". Quem não está junto da mistura, está fora da realidade. A gente tem que aprender a não ter preconceito, curtir e respeitar as preferências e ser feliz. O maior desafio do ser humano hoje em dia é ser feliz. Ouvindo funk, samba, axé ou sertanejo, a busca da felicidade é muito importante. Nós, como compositores de música popular, tentamos ajudar as pessoas a acharem essa felicidade.

Você acha que deixou preconceitos musicais de lado?

O programa abriu minha mente, meu coração, me fez respeitar. Às vezes, eu estou no "Esquenta" e canto uma música que eu nunca cantei na minha vida. Logicamente que eu tenho meu estilo e, nesse disco, eu falo muito de romance, de amor, desamor, briga e situações inusitadas, algo que eu gosto. Mas entenda que Noel Rosa fez o cara mais folgado da música, por exemplo [referindo-se ao samba "Rapaz Folgado", de 1933]. Ele se baseou no povo, fez a música e devolveu para o povo. Essa é a função do compositor.

Por quanto tempo pretende continuar no programa?

Tenho um contrato por mais quatro anos. O "Esquenta" é o maior barato porque é uma vitória da Regina e nossa também, temos muito orgulho. É um dos programas que têm um ibope bem legal. Todo o mundo assiste e, para mim, é um público novo. Um público que nem sabe que eu tenho 700 músicas gravadas, mas me conhece de lá como aquele "gordinho do 'Esquenta'".

Não é um público que curte o samba de raiz?

Não é esse público. É uma galera nova, outra coisa. Mas lá fico mais à vontade, falo besteira e sacanagem no ar para manter o clima de informalidade. Isso é o mesmo que acontece com o público, é algo simples e leve. Na verdade, o programa é uma verdadeira festa. A Regina só transferiu as festas que aconteciam na casa dela para a TV, com gente do teatro, dança, dança de salão, clássica, roda de samba, MPB, funk. As festas dela são para todo o mundo. Ela junta pessoas.

Se fosse eleger três principais músicas desse novo disco, quais seriam?

Difícil eleger, mas a música "Herança Popular" é uma de que eu gosto muito. Mas acredito que esse disco seja para ser ouvido por inteiro, porque tem canções encadeadas. Começo com a história da parte social com "Licitação" e termino com "Jogador". Falo do povo que vai trabalhar, tem orgulho de ser trabalhador e nunca perde a fé. Além de passar pelo sonho do brasileiro de ser jogador de futebol.

A música "Somente Sombras", gravada com Zeca Pagodinho, tem influências de Jair Rodrigues?

Foi uma das primeiras músicas que fizemos. Quando o Jair Rodrigues morreu, eu e o Zeca lembramos da época que éramos durinho de grana, que andávamos de ônibus, às vezes dávamos calote no ônibus e chamávamos um qualquer para tomar uma cerveja. Foi uma época muito legal e sofrida, mas nos ajudou a dar valor ao que temos. O samba nos colocou famosos, e nossa insistência fez isso. E a música mostra que não desistimos, fazemos músicas até hoje.

Acha que houve alguma desistência dos músicos atuais em relação ao samba?

Eu, particularmente, procuro fazer novos parceiros, e isso me anima, me ajuda. Já fiz tanta música. E eu entro na ideia de outras pessoas para criar, tomando uma cerveja com um cavaquinho. Acho que é muito da transpiração e da inspiração de que o Tom Jobim fala. Quando as pessoas desistem, perdem o prazer de fazer boa música. E é o que acontece. O Zico [ex-jogador de futebol] falou uma vez que enquanto tivesse prazer de jogar futebol, iria jogar. E é isso que eu faço. Não sei se os outros desistiram. Eu não desisti.