Topo

Após show cancelado, Milton e Criolo provam afinidade com "Cálice"

Tiago Dias

Do UOL, no Rio

13/09/2014 05h30

Um encontro de amigos, um ato político. Foi assim que Milton Nascimento e Criolo definiram o show coletivo "Linha de Frente", que estreou no Rio de Janeiro, na noite desta sexta-feira (12). Após Bituca ter cancelado o espetáculo em São Paulo, no final de agosto, depois de um mal-estar, a dupla voltou oficialmente aos palcos com mais energia nesta simbiose entre rap e MPB que, se não é perfeita, rende momentos inspirados.

Assim como o mineiro de coração disse em entrevista ao UOL, antes da apresentação, ele e Criolo dividem a mesma "atuação social", dadas as devidas proporções de tempo e espaço. A empatia fica evidente quando o libelo "Cálice", já no bis, é cantada em duas versões -- uma atualizada pelo rapper, sobre o vício e a violência na periferia, e a original, contra repressão militar, que Milton imortalizou ao lado de Chico Buarque.

Criolo vem das quebradas "onde se escorre sangue" e, durante muito tempo, buscou por um microfone nas ruas de São Paulo, antes de fazer sucesso. Milton também sabe o que é pisar no chão. Ele nasceu de forma humilde no Rio de Janeiro e foi adotado por um casal de Três Pontas, no sul de Minas Gerais, aos dois anos de idade. As visões e as bagagens de cada um estão no show. De "Não Existe Amor em SP", do rapper, ao forte elo familiar em "Ponta de Areia", quando Bituca canta e toca uma pequena sanfona antiga -- sem bemóis, nem sustenidos --, presente da mãe Lília, quando ainda tinha nove anos e que o fez desenvolver o dom único da voz. "Era complicado. Eu tentava fazer os sons [que faltavam] com a voz", recorda no palco.

Após o susto há duas semanas, Milton apareceu mais solto. Dançava com os movimentos limitados, mas, ainda assim, sorridente. Recebeu abraços e beijos de Criolo e da novata Julia Vargas, que fez participação especial no show -- e foi responsável por um dos pontos altos, ao soltar o vozeirão com o cantor em "Caxangá". Sobrou energia em um show sem percalços. Mas faltou "San Vicente", que Milton retirou do espetáculo, desde o cancelamento em São Paulo.

Embora exista um carinho explícito entre os dois no palco, o show carece de uma maior unidade ao reunir os dois estilos. O público seguiu a mesma dicotomia -- entre reverenciadores de Milton e os seguidores ruidosos de Criolo. Sozinhos, Bituca brilhou quando soltava a voz ainda potente, e o rapper magnetizou o público do Vivo Rio com suas danças.

Mas, muito além de servirem apenas como backing vocals um do outro, como fizerem em "A Terceira Margem do Rio" e "Mariô", o momento mais inspirado do encontro está no miolo do espetáculo, quando cada um se joga no terreno do amigo. Milton entra de corpo e alma no samba "Linha de Frente", do paulistano, e ouve a interpretação de Criolo, não apenas um rapper, para "Morro Velho". Nestes momentos, a amizade de ambos realmente se fortalece através da arte.