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Banda de Brasília faz metal em tupi para chamar atenção à causa indígena

A banda brasiliense Arandu Arakuaa, que mistura metal e influências indígenas - Neide Hostemann/Divulgação
A banda brasiliense Arandu Arakuaa, que mistura metal e influências indígenas Imagem: Neide Hostemann/Divulgação

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

14/10/2014 06h15

Na década de 1990, o Sepultura chocou seus fãs --e o mundo-- ao misturar seu metal com elementos da música brasileira. Primeiro, foi pontual, com a instrumental "Kaiowas", no disco "Chaos AD" (1993). Depois, a mistura foi enraizada no DNA do clássico "Roots" (1996), com direito a uma imersão na mata para gravar "Itsári" com os índios xavantes. Já são duas décadas desde então e agora, enfim, um grupo cruzou a porta aberta pela banda mineira.

A Arandu Arakuaa, banda que toca algo que pode ser classificado como "metal indígena", nasceu em Brasília, quando o guitarrista Zândhio Aquino apostou em iniciar um projeto integralmente ligado a temas indígenas: do nome, que significa “sabedoria do cosmos”, ao som cheio de percussão e influências tribais, chegando às letras, escritas exclusivamente em tupi antigo. Um pacote que é uma novidade não só no metal, mas uma raridade na música brasileira como um todo.

"Nasci e morei até os 24 anos de idade ao lado da terra indígena Xerente, em Tocantins. Cresci tendo contato com música indígena e a música tradicional brasileira (baião, catira, cantigas de roda, vaquejada...)", conta Zhândio. "O rock só entrou em minha vida na adolescência. Mais tarde, ao tentar tocar algo, apareceram todas essas referências", explica o guitarrista, que tem fortes influências de artistas díspares como Metallica e Nação Zumbi, Black Sabbath e Alceu Valença.

Tupi-guarani

Zhândio usou algum conhecimento que já tinha do tupi-guarani como motivador e foi a fundo na língua para conseguir compor as letras, que tratam de ritos, lutas e lendas de diversos povos indígenas. O trabalho não é simples.

"A escolha do tupi para o primeiro álbum tem mais a ver com sua importância na formação da nação brasileira, mas poderia ter sido outra língua indígena do Brasil; a musicalidade e divulgar as culturas indígenas do país são o mais importante", explica ele. "Material de estudo (sobre tupi) ainda é difícil, só há uma gramática no mercado. Os povos indígenas têm a cultura da língua oral, e são poucos os trabalhos relacionados às línguas indígenas, que geralmente são feitos não por índios, mas por missionários religiosos. O tupi é o caso mais clássico."

A intenção do quinteto é chamar a atenção para a causa indígena do jeito que podem. "Muitos garotos que nos ouviram por curiosidade e não sabiam nada de cultura indígena hoje são nerds no assunto. Para mim, essa é a parte mais linda de participar desse projeto. É preciso respeitar os indígenas e os espíritos dos seus antepassados que aqui habitam, pois sua energia está presente, essa é a terra deles", defende Zândhio.

Metal indígena

O Brasil já teve alguns passos mais tímidos na direção tomada pelo Arandu Arakuaa, com bandas como Corubo, de black metal, e Relva de Sangue, mas nunca a mistura entre metal e o tema indígena foi tão forte ao criar uma identidade sonora e visual.

Zândhio - Neide Hostemann/Divulgação - Neide Hostemann/Divulgação
O guitarrista Zândhio Aquino, da banda Arandu Arakuaa, com seu instrumento, que mistura guitarra e viola
Imagem: Neide Hostemann/Divulgação

No caso do grupo brasiliense, o metal vem representado nos seus gêneros mais extremos --como o thrash--, misturando a muitas passagens com viola caipira e percussão. A vocalista Nájila Cristina ajuda nesta transição entre calmaria e agressividade, alternando entre vocais mais limpos e guturais. Completam o grupo Adriano Ferreira (bateria), Saulo Lucena (baixo) e Juan Bessa (guitarra).

No palco, os músicos usam pinturas inspiradas em tribos, e Zândhio usa um instrumento de dois braços feito especialmente para ele: um é de guitarra e o outro é de viola.

"O norte da banda sempre foi misturar heavy metal com música indígena brasileira e regional, tanto na parte instrumental quanto nos vocais. No nosso álbum tem bastante música com viola caipira. A guitarra de dois braços, na verdade, eu idealizei o projeto e um luthier aqui do Distrito Federal executou ", diz o guitarrista, que usa pintura corporal do clã warirê e, no rosto, desenhos inspirados nos karajá.

Comparação com o Sepultura

O guitarrista sabe que comparações com o Sepultura sempre vão existir, mas vê na banda do Distrito Federal um caminho bem diferente e mais profundo em seus objetivos.

"Eu gosto de todos os discos do Sepultura, a contribuição deles para o rock da América Latina é inquestionável. O disco 'Roots' é fantástico, mas de índio nele só a capa e 'Itsári', que não é uma música do Sepultura e sim dos índios xavante. No 'Roots' há muito de ritmos afro-brasileiros, que é uma coisa linda e também usamos um pouco, mas infelizmente existe essa confusão em associar ritmos afro-brasileiros à música indígena. E quando se divulga isso de forma equivocada, presta-se um grande desserviço", defende ele.

Mesmo o Sepultura tendo liderado o caminho, ainda existe preconceito com as influências tipicamente brasileiras que o Arandu Arakuaa coloca em seu som. Mas a intenção do quinteto é partir da ousadia que já se vê neste primeiro álbum, feito com limitações de tempo e recursos, para ir bem além no próximo trabalho.

"O que fazemos é uma junção de três coisas que o brasileiro tem preconceito enraizado: rock, indígenas e música regional. Acabamos por sofrer preconceito fora do rock por tocarmos rock e dentro do rock por incluirmos elementos da nossa cultura nativa. Mas quem se dá ao trabalho de tentar entender a mensagem, respeita muito. É isso que realmente importa", pontua Zândhio, que já apresentou os sons do grupo para amigos índios e ligados à cultura indígena. "Eles ficam muito felizes por esta valorização à cultura deles. E que fique claro que daqui para frente iremos cada vez mais fundo nessa temática."