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Com público mais jovem, sertanejo abandona personagem sofredor nas canções

O cantor Bruno, que acredita que o chororô do sertanejo acabou porque hoje o amor é mais independente - Paduardo e Leo Franco/AgNews
O cantor Bruno, que acredita que o chororô do sertanejo acabou porque hoje o amor é mais independente Imagem: Paduardo e Leo Franco/AgNews

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

20/10/2014 07h00

Já faz um tempo que o personagem principal de uma canção sertaneja não sofre de amor. Se nos anos 80 ele chorava pedindo atenção [“Pense em Mim”, de Leandro e Leonardo], morria aos poucos com a indiferença da amada [“Indiferença”, de Zezé Di Camargo e Luciano] e ficava triste ao encontrar o fio de cabelo dela no paletó [“Fio de Cabelo”, de Chitãozinho e Xororó], agora o personagem continua em busca do amor, mas com independência.

Depois do surgimento do sertanejo universitário, em 2006, o personagem de hoje procura um novo amor ou busca na balada curar o coração partido. Os hits, com ritmo mais acelerado e com refrão repleto de onomatopeias, falam do flerte com o copo de bebida na mão (como “DJ aumenta o som e bota pra fritar / Que ela já tá louca, louca pra dançar”, em “Gatinha Assanhada”, de Gusttavo Lima) e a confiança nas alturas (“Foi se aventurar e agora ficou só, ai que dó, ai que dó” [“Ai Que Dó”, de Thaeme e Thiago]).

A fase do chororô ficou para trás por conta do público atual do gênero – cada vez maior e mais jovem. Bruno, da dupla Bruno & Marrone, que até dormia na praça por conta de um amor não correspondido, aponta não apenas a mudança de perfil dos ouvintes, mas algumas conquistas tidas como tabu no passado.

“A forma de amar também mudou. Quando gravamos ‘Dormi na praça’, as pessoas realmente sofriam mais e tinham mais apego a um parceiro. Hoje, com baladas e a independência, inclusive a feminina, não deu certo? Partem para outra, não cultivam um sofrimento. O que há pouco tempo era visto com mais rigidez”, explica, ao UOL.

Zezé Di Camargo - Cristiano Borges/UOL - Cristiano Borges/UOL
Zezé di Camargo acredita que atualmente ainda "tem muitas músicas sobre amor, mas em sua grande maioria, são músicas pra balada"
Imagem: Cristiano Borges/UOL

Sem prioridade para o amor idealizado, o personagem rejuvenesceu e se modernizou. “Atualmente, as letras do sertanejo vêm com um  piti, uma levada diferente”, explica Zezé di Camargo. “Tem muitas músicas sobre amor, mas em sua grande maioria, são músicas pra balada, de frases fáceis” .

Representantes do sertanejo mais raiz, tanto Zezé di Camargo & Luciano, quanto Bruno & Marrone, buscaram também se adequar ao novo público.  “Somos representantes do amor, amor, amor”, repete Bruno.  “E é assim que o público jovem aprendeu a nos ouvir. Não precisamos mudar radicalmente, mas temos de nos adaptar a ser mais leve e falar deste amor de maneira mais descontraída. Prova disso é "Vou te Amarrar na Minha Cama [música mais recente da dupla: “Vou te amarrar na minha cama, só vai fazer amor comigo”].

Michel Teló - Fernando Hiro/Divulgação - Fernando Hiro/Divulgação
Michel Teló arrisca uma volta ao romantismo
Imagem: Fernando Hiro/Divulgação

A volta do romântico
Michel Teló, um dos representantes do sertanejo da curtição, com os versos lascivos “Ai Se Eu Te Pego”, arrisca agora uma volta ao romantismo mais tradicional. "Quero achar um equilíbrio entre o sertanejo romântico e o de balada, porque eu gosto da música romântica. Eu sempre estourei com músicas dançantes, mas música romântica tem a vantagem de tocar a todos", disse ao UOL, em 2013.

Com participação de Gusttavo Lima, Teló lançou recentemente a canção “Implorando para Trair” [Quer saber? A solidão tá ali na sala me chamando pra sair. E o coração dando porrada implorando pra trair”], onde busca nos versos um rapaz que aguarda resolver a situação com a namorada para partir para outra.

"O romantismo no sertanejo nunca saiu de moda, só eu que não estava nele”, diz Teló. Gusttavo Lima vai agora pelo mesmo caminho. “Antes de eu lançar 'Tchetcherere', meu público já curtia as minhas músicas românticas. Agora vou voltar às minhas raízes", adiantou ao UOL no ano passado.

Henrique e Juliano também começaram na fase da curtição, com músicas como “Não Tô Valendo Nada”, mas no novo DVD, “Ao Vivo em Brasília”, a dupla busca a volta do personagem romântico. “Quando surgimos, o período, o mercado estava mais para a curtição. Em contrapartida, notamos que nossas músicas românticas sempre saíram muito bem, é o caso de “Recaídas”, do nosso primeiro DVD. Não trabalhamos muito em rádio nacional e em um ano o vídeo bateu 12 milhões de visualizações no nosso canal no YouTube”, conta Juliano. Essa mudança, segundo o sertanejo, revela a verdade da dupla.

Para Bruno, a mudança no público, após a curtição, também resgata um romantismo mais puro. O tradicional sempre é bem-vindo e terá espaço, o que não vale mais é o sofrimento. “Sofrer dias, meses, anos por uma pessoa, não combina mais com esta geração. Ao meu ver, eles são muito mais práticos em todos os sentidos”.