Behemoth volta ao Brasil como lenda após Bíblia rasgada e câncer vencido
Caras pintadas, letras satânicas e som extremo. O grupo Behemoth tem todos os ingredientes típicos do black metal. Mas, enquanto a maioria das bandas do estilo fica no underground e muitas são até ridicularizadas pela pose estereotipada e pelo jeito sisudo, o grupo quebrou a barreira do "submundo" do metal, tornou-se a maior força do gênero na atualidade e deu ao seu líder, Adam Darski, conhecido como Nergal, status de rockstar no seu país natal, a Polônia.
Não foi só pela qualidade da música --hoje uma mistura épica de black e death metal-- que tudo isso aconteceu. Nergal já foi ameaçado de prisão por rasgar uma Bíblia durante um show, viu a banda ter apresentações proibidas por conta de suas mensagens satânicas e, em seu maior drama, foi diagnosticado com um tipo mortal de câncer.
Agora, a banda retorna ao Brasil em novembro para quatro shows, trazendo este histórico de 23 anos de polêmicas e causos, além de um novo álbum, o já aclamado "The Satanist". A trajetória do vocalista e guitarrista Nergal se confunde com a da banda e, num papo por telefone, ele repassou o que o levou a ser um astro digno de manchetes de jornais e revistas na Polônia, antes de se apresentar em Novo Hamburgo (6/11), Curitiba (7/11), São Paulo (8/11) e Rio de Janeiro (9/11).
Confira abaixo quatro videoclipes do Behemoth
Luta contra a leucemia
O evento que marcou definitivamente Nergal --nome de uma divindade babilônica-- foi o anúncio de sua leucemia. Em 2010, ele foi diagnosticado com a doença, em um tipo mais raro e mais complicado de ser superado. E o metaleiro opositor de religiões, enérgico e de mensagens fortes se viu em uma situação de pura fragilidade, em que empunhar sua guitarra ou bradar sobre Satã nada ajudaria.
"Sabe, quando somos jovens, somos otimistas e temos aquela sensação de que somos imortais. Mas, quando acontece uma coisa que você precisa confrontar, encarar um inimigo, é diferente. Foi totalmente inesperado. Fiquei devastado. Foi um drama. Foi um drama por alguns minutos... Recebi a notícia com minha namorada e chorei. Fiquei devastado, mas em alguns minutos consegui me recompor e entrei numa de criar uma estratégia para vencer esta doença filha da p...", relembra Nergal, que, entre as primeiras atitudes que tomou após o diagnóstico, raspou os cabelos.
Até 2011, ele passou por radioterapia, quimioterapia e ainda teve de buscar um doador de medula óssea. Apoiado pela comunidade do metal, saiu de cena durante um tempo, mas voltou totalmente recuperado após o transplante e já com imagem de herói. E, se a música e algumas polêmicas construíram a fama do Behemoth, principalmente com os discos "Demigod" (2004), "The Apostasy" (2007) e "Evangelion" (2009), seu líder ter literalmente vencido a morte multiplicou seus seguidores.
A mudança mais profunda, é claro, foi na mente de Nergal. Não que ele tenha encontrado "a luz" e se jogado em alguma religião. Pelo contrário. Intitular o décimo álbum de seu grupo de "The Satanist" prova isso.
"Enfrentar uma doença dessas muda sua vida em muitas maneiras, e falo bastante disso na minha autobiografia", diz ele, citando o livro "Spowiedz Heretyka" (“confissão herege”, em tradução livre, ainda sem edição no Brasil), que lançou contando sua história. "A leucemia pode te matar em meses. Então, é uma loteria. Há gente forte que morre e outras pessoas mais fracas que sobrevivem. Basicamente, tudo isso me trouxe mais vida, me iluminou e me deu um entendimento melhor da minha arte. Melhorou minha música, de fato - 'The Satanist' está aí para comprovar."
Lançado em fevereiro deste ano, o disco se destacou por trazer um Behemoth sem amarras. Em vez de jogar no fácil, a banda foi mais longe na brutalidade. Junto a Orion (baixo), Inferno (bateria) e Seth (guitarra), a mistura de death e black metal pendeu mais para o segundo estilo, acrescentou mais camadas orquestrais, coros épicos e linhas mais complexas. Todos estes elementos já estavam presentes no som da banda, mas deram um passo adiante. E, mesmo com tudo isso, o álbum conseguiu produzir canções que grudam na cabeça dos fãs, sempre passando discursos obscuros e confrontadores.
"Artistas não podem ficar na zona de conforto. É preciso explorar o desconhecido. Amo os resultados que tivemos. (Arriscar) foi a decisão mais sábia que podíamos tomar", analisa Nergal.
Bíblias rasgadas e problemas com a Justiça
A história do Behemoth é bem longa. O grupo surgiu em 1991, quando Nergal tinha apenas 14 anos, fazendo um black metal mais puro e bem mais tosco. A banda evoluiu e, só perto dos anos 2000, incorporou mais elementos do death metal e definiu o som que conquistaria fãs pelo mundo. Mas o que os fez alcançar as manchetes foi o episódio de um show na Polônia.
Em 2007, Nergal rasgou uma Bíblia durante uma apresentação no país natal e foi chamado pelas autoridades para dar explicações. Mais do que isso, ele foi, de fato, processado pela atitude, correndo o risco de ser preso por dois anos. Até ser inocentado, foram seis anos se defendendo na Justiça. Enquanto isso, o Behemoth sofreu ameaças de ser proibido de tocar na Polônia, um dos grandes berços católicos da Europa e o país onde nasceu o papa João Paulo 2º.
Questionado se o episódio foi fundamental para a imagem do Behemoth, Nergal é vago. Mas admite que rasgou uma Bíblia para chocar a sociedade. "Nunca parei para analisar o que fiz no passado. A popularidade não importa, fazemos as coisas porque é o que queremos, esse é o único critério. Foi de próposito, claro, mas não sabia que causaria tudo isso. Eu fiz o que fiz e lido com as consequências, sou um adulto. Mas foi estúpido, houve todo um processo que durou seis anos, foi maluco. Mostrou como o sistema é antiquado."
A banda também foi impedida de entrar na Rússia no começo do ano. Na ocasião, a explicação oficial citou a falta de vistos para os músicos. O grupo, no entanto, acusou as autoridades russas de ter motivações ideológicas. Ainda mais depois de integrantes do Pussy Riot, grupo punk feminsta russo, terem sido presas em 2012 após improvisarem um show em uma igreja.
Fora isso, o Behemoth teve mais um show cancelado na Polônia, no início de outubro, o que só aumentando a imagem de "perigoso" do quarteto. "Eu me responsabilizo pelo que faço. O Behemoth é assim, sempre deixamos claro que fazemos o que falamos, e é por isso que as pessoas nos levam a sério e nos respeitam, o que nem sempre acontece no black metal", disse ele, acrescentando: "E é crucial as pessoas saberem que a mensagem é tão importante quanto a música".
Em tempos de eleições e mudanças parlamentares no Brasil, Nergal ainda se arriscou a analisar a situação do país, que teve muitos candidatos ligados a igrejas escolhidos para o Legislativo.
"Os políticos podem ter suas religiões, mas a política não funciona assim. Um país tem que ficar longe disso, são coisas muito perigosas de se misturar e que não devem andar juntas", alertou ele.
Deixando os temas espinhosos de lado, Nergal pareceu mais alegre no final da entrevista, ao falar sobre os shows no Brasil. "Nunca fizemos um show ruim no Brasil! Foi sempre matador. Hoje temos reconhecimento, as pessoas estão morrendo para nos ver e, com as memórias que temos, sei que vai ser ótimo. Estamos na melhor forma das nossas carreiras, mais fortes, super empolgados. Nunca estivemos melhor e vamos levar essa energia para os shows", garantiu o líder do Behemoth, já na expectativa pelas quatro datas da turnê brasileira.
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