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Direto e "otimista", novo disco de Criolo faz crônica cotidiana com lirismo

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

04/11/2014 11h05

Lançado nesta segunda (3), disponibilizado gratuitamente na internet, o novo álbum de Criolo, “Convoque Seu Buda”, é mais um capítulo da rica história sonora que começou a ser escrita em seu segundo trabalho, o premiado “Nó na Orelha” (2011).

Como no predecessor, que ultrapassou os limites do rap brasileiro ao investir no formato canção, Criolo acerta ao repetir o time de músicos e os produtores —Daniel Ganjaman e Marcelo Cabra—, apostando mais uma vez no elecletismo.

convoque - Reprodução - Reprodução
Capa do disco "Convoque Seu Buda", de Criolo
Imagem: Reprodução

A consolidação dessa linguagem naturalmente híbrida, capaz de abarcar rap, afrobeat, reggae e samba, entre tantas outras histórias, é a prova de que o aposto “rapper” há muito já não lhe faz justiça.

Além de abrir o leque de participações especiais, que agora incluem Tulipa Ruiz, Juçara Marçal, Money Mark (Beastie Boys), Rodrigo Campos e Síntese, “Convoque Seu Buda” é um álbum mais direto e “otimista”. Segundo o próprio Criolo, com maior participação dos músicos no processo de composição.

O lirismo urbano do artista está lá, impregnado em temas palpáveis, como em “Pé de Breque”, na qual versa sobre maconha, “Fermento pra Massa”, lembrando a greve dos rodoviários, e “Cartão de Visitas”, quando chega a citar a onda de rolezinhos.

Nada, no entanto, que lembre o formato “antibalada” de “Não Existe Amor em SP”, música que rendeu projeção e conferiu a Criolo o status de ponto fora da curva na música popular brasileira.

Veja abaixo o faixa a faixa do disco:

1. "Convoque Seu Buda"
Primeiro single do novo álbum, o rap fala sobre a busca nossa de cada dia pelo equilíbrio espiritual. Um desafio em meio ao caos urbano. Criolo surge franco e “real”, lembrando a época do primeiro álbum, “Ainda Há Tempo” (2006): “Aqui não é GTA, é pior, é Grajaú, bem louco”.  “De uzi na mão, soldado do morro, sem alma, sem perdão, sem chão, sem apavoro."

2. "Equiva de Esgrima"
Praticamente a  fórmula da anterior, mas com refrão mais melodioso e cadenciado. Homenageia as referências Edi Rock e Sabotage. Ao descrever agruras cotidianas, Criolo lembra a origem familiar (“É que eu sou filho cearense. A caatinga castiga e meu povo tem sangue quente”), no rap (“cada moloqueiro tem seu saber empírico”) e faz um alerta sobre os perigos da "vibe" negativa: “Pois quem toma banho de ódio exala o aroma da morte”.

3. "Cartão de Visita"
Instrumental sampleado e dançante, com scratches e vocal de Tulipa Ruiz, na onda dos bailes de black music. A letra traz à tona a figura do brasileiro comum, que não tem perfil de televisão e trabalha em um bufê de festas de luxo. Um invisível social e pensante (“O opressor é o missil, o sistema é cupim. E, se eu não existo, por que cobras de mim?"), que sabe discutir política ("O governo estimula, a ignorância só cresce. Mamãe de todo mal, a ignorância só cresce").

4. "Casa de Papelão"
Arranjo grandioso, como se o maestro Moacir Santos encontrasse o nigeriano Fela Kuti em uma jam celestial. Mas a mensagem, sobre déficit habitacional, é sombria. Lembra os adolescentes usuários de crack em São Paulo. Uma “Saudosa Maloca” pesada e do século 21. “Moeda é religião que alicia”. “Prédios vão se erguer e o glamour vai colher corpos na multidão”.

5. "Fermento pra Massa"
Embora com guitarras no arranjo, o novo samba de Criolo é mais reverente do que "Linha de Frente", que representou o gênero em “Nó na Orelha”.  Com o “know how” adquirido com o grupo Pagode da 27, ele conta a frugal história de quem fica sem pão fresquinho por causa da greve de ônibus. “Eu que odeio tumulto não acho insulto manifestação, pra chegar um pão quentinho com todo respeito a cada cidadão.”

6. "Pé de Breque"
O reggae com produção dub, certa dinâmica rap e rimas sobre liberdade. “O Criolo doido respeita o rastafá. E pede licença para poder cantar essa nossa teoria secular”, canta, com melodia, como um estrangeiro em outra cultura. “És responsável por tudo que cativares. Quem plantou, quem colher, quem amou. Vamos ser feliz que sofrimento já passou.”

7. "Pegue pra Ela"
Um encontro conceitual entre Caetano e Luiz Gonzaga, além de um grande destaque instrumental. Tem groove, batidas afro e, no refrão, a inusitada união de pífaros e guitarra distorcida. As raízes nordestinas de Criolo falam alto, conclamando uma nova e atuante geração: “Essa nave já vai partir. E carrega uma multidão”.

8. "Plano de Voo"
Depois da salada sonora, o rap retorna com base “de banda” e interlúdio instrumental, com direito a arranjo de cordas beirando o trip-hop. Destaque para a participação do rapper Síntese, de São José dos Campos. A música, a mais raivosa de “Convoque Seu Buda”, assinala a pequeneza humana ao descrever sentimentos. “E por mais que eu tente explicar, não consigo. De tornar concreto o abstrato que só eu sinto.” 

9. "Fio de Prumo (Padê Onã)"

Traz a voz marcante de Juçara Marçal e o clavinete de Money Mark, colaborador do Beastie Boys. O sotaque, na primeira parte, é afrobaiano, de candomblé e com o vocal feminino. “Tomba o mau de joelho, só levantando o Ogó. Dobra a força dos braços que eu vou só.” Na segunda, Criolo manda o mundo das ruas. "Vida real dessa filosofia, máquinas comem você meio-dia."