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Após percorrer o mundo, banda goiana Boogarins agora quer sucesso no Brasil

Pablo Miyazawa

Do UOL, em São Paulo

28/11/2014 13h59

A despretensão e o bucolismo quase hippie são elementos marcantes da banda goiana Boogarins, mas o ano de 2014 está longe de ser descrito como tranquilo para os integrantes do grupo. Do primeiro show longe de casa até a chegada ao elenco do Popload Festival, que acontece nesta sexta-feira (28) em São Paulo, muita coisa aconteceu.

Em 2012, o grupo começou as atividades ainda como uma dupla. Sozinhos, sem pressa e do modo mais caseiro possível, os guitarristas Fernando “Dinho” Almeida e Benke Ferraz gravaram as dez faixas que formam o disco  “As Plantas que Curam”. O título é uma homenagem à avó de Benke, que era adepta da medicina natural. Já o nome da banda veio de uma flor, o bogarim, da família do jasmim.

Já em formato quarteto –completam a formação atual o baixista Raphael Vaz e o baterista Ynaiã Benthroldo (substituto de Hans Castro, que deixou o grupo para ser pai de gêmeas)--, a banda fez os primeiros shows fora de Goiás em outubro do ano passado. Na estreia em São Paulo, no clube Beco 203, tocaram diante de poucas dezenas de pessoas –a maioria jornalistas de música e formadores de opinião. “Em Goiânia já tínhamos um público cativo desde as primeiras apresentações, o que era a única coisa que esperávamos lançando as músicas antes de fazer shows”, conta o guitarrista e porta-voz Benke, 21 anos. Naquele momento, “As Plantas que Curam” já havia sido lançado nos Estados Unidos, pelo renomado selo Other Music.

benke

  • Não é ruim ser comparado com grandes artistas, mas acho que a partir do momento que você se envolve mais com o som, nota outras coisas ali

    Benke Ferraz

A repercussão positiva na imprensa alternativa resultou em convites para participar de festivais como SXSW (South by Southwest), em Austin, e Primavera Sound, em Barcelona. Seguiram-se boas críticas em grandes publicações, como os jornais “The New York Times” e  “Chicago Tribune”. No Brasil, o Boogarins figurou em altas posições nas listas de melhores discos e músicas de 2013, na revista “Rolling Stone Brasil” e em blogs especializados. Recentemente, a banda venceu a categoria Artista Revelação do Prêmio Multishow. Em seguida, foi escalada para o primeiro dia do festival Lollapalooza Brasil 2015. Até culminar na apresentação desta sexta, tocando horas antes do quinteto australiano de rock psicodélico Tame Impala.

Os goianos ainda não tinham experiência de palco quando cruzaram caminho com os australianos pela primeira vez. “Conhecemos os caras depois do show deles no Cine Joia, no ano passado. Cheguei a dar o disco para eles, mas o contato foi totalmente como fã”, lembra Benke. “E agora, há umas semanas, dividimos palco com os caras no Chile. A noite foi bem divertida, e é legal ver o quanto são humildes.”

Ao longo de 2014, o Boogarins passou por mais 13 países e fez uma centena de shows para plateias estrangeiras respeitosas e interessadas, mesmo que pouco ou nada compreendessem o idioma cantado pelos brasileiros. "Nos EUA, tocamos para públicos que nos desconheciam totalmente, caso dos shows de abertura para atos maiores, como o Guided By Voices", diz Benke, citando a já antiga banda indie de Ohio. “Mas, como o disco foi lançado oficialmente lá, também encontramos gente bem familiarizada com as músicas, mesmo que não cantando as letras por motivos óbvios.”

Segundo disco, sem pressão

O Boogarins não teria chegado longe se “As Plantas que Curam” não fosse um álbum muito acima da média, principalmente se levadas em conta as circunstâncias em que foi concebido --registrado principalmente na casa de Benke, com equipamentos amadores e recursos limitados. “O processo aconteceu de forma bem espaçada”, ele relata. “Demoramos um ano para ter aquele material em mãos, conciliando nossos encontros para gravar com outras bandas, empregos, faculdade. Não tínhamos versões elétricas das canções. Apenas duas do disco têm contrabaixo. Era só aquele esqueleto voz e violão, e durante a gravação adicionamos camadas e criamos os arranjos."

“As Plantas que Curam” soa como um produto dos anos 1960-70, com um clima quase esotérico permeando as guitarras de inspirações psicodélicas e a voz quase feminina do também vocalista Dinho, 22 anos. Faixas como “Lucifernandis”, “Doce”, “Erre” e “Despreocupar” soam complexas e modernas, ainda que a vibração vintage conduza a comparações que passam por tropicália, Os Mutantes, Clube da Esquina, Pink Floyd e chegam ao já citado Tame Impala. “Não é ruim ser comparado com grandes artistas, mas acho que a partir do momento que você se envolve mais com o som, nota outras coisas ali”, diz Benke. “Claro que 'Erre' é uma grande referência ao Tame Impala, principalmente falando de timbres, mas é provavelmente a única que foi composta depois de eu me familiarizar com os australianos.”

Para 2015, o plano é lançar o segundo disco, dessa vez escrito e gravado pela banda completa. “Encaro esse como o primeiro disco do Boogarins de fato”, afirma o guitarrista. “Nunca havíamos ficado trancados num estúdio para gravar nem por dois dias, quanto mais três semanas. Até para tentar captar esse momento, depois de mais de 60 shows em três meses, gravamos tudo ao vivo e na fita também.”

Sobre o sucessor ainda sem nome de "As Plantas...", que foi gravado na Espanha e deverá sair no primeiro trimestre de 2015 (“sem pressão”, brinca Benke), o Boogarins promete um disco mais baseado em canções do que em riffs de guitarra.“As influências são muito soltas em estilo e estética”, ele explica, “mas tudo aquilo feito com fluidez e verdade acaba nos inspirando a criar e a elaborar. Não importa se é lo-fi ou high definition.”

Muita calma nessa hora

Outro plano é o lançamento oficial de “As Plantas que Curam” no Brasil, simultaneamente ao novo álbum. A nova versão terá o respaldo do selo StereoMono (antigo Tralalá), comandado pelo produtor Carlos Eduardo Miranda, e trará faixas extras ao vivo, capa em formato especial e opção em vinil colorido.

miranda

  • Eles fazem parte da resposta psicodélica que a mais nova geração do rock está dando ao comercialismo e à falta de loucura do rock atual

    Carlos Eduardo Miranda, produtor musical

“Eles fazem parte da resposta psicodélica que a mais nova geração do rock está dando ao comercialismo e à falta de loucura do rock atual”, define Miranda, que é o responsável pelo “desenvolvimento artístico” do Boogarins. “[No futuro] eles devem se emparelhar com nossos grandes expoentes, como Sepultura e CSS. Por acaso, tive o prazer de trabalhar com ambos.” A banda retribui os afagos do produtor. “É bom ver que um cara como ele ainda está interessado em ouvir opinião e disposto a trabalhar com jovens inconsequentes e desafinados”, brinca Benke. “A gente acaba trocando ideia como se tivéssemos estudado juntos no IF [Instituto Federal de Goiás].”

Após um primeiro ano digno de sonho para qualquer jovem artista que pretende viver de música, o Boogarins mede os próximos passos com cautela e paciência, levando à risca a máxima neo-hippie do “muita calma nessa hora”. “A gente sempre quis fazer isso, tocar e tocar e tocar. Mas se ano passado nos falassem que faríamos quase 150 shows em um ano, provavelmente ficaríamos amedrontados”, confessa Benke. “Aprendemos muito vivenciando essa rotina. Isso nos fez fincar os pés no chão ainda mais. Esse é o jeito de se fazer as coisas. Ansiedade, impaciência, vaidade não podem tomar espaço. O Dinho me ajuda muito nesse trabalho diário do 'despreocupar'.”