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Fagner grava com Zé Ramalho e descarta parar: "Sou lindo, todos me querem"

"Lindo" e amado, cantor Fagner não quer nem saber de pensar em aposentadoria - Ricardo Borges/Folhapress
"Lindo" e amado, cantor Fagner não quer nem saber de pensar em aposentadoria Imagem: Ricardo Borges/Folhapress

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

13/12/2014 06h00

Por uma daquelas ironias inexplicáveis do destino, Fagner e Zé Ramalho jamais haviam gravado um disco juntos. Acidente de percurso que os amigos, vizinhos e parceiros de violadas desde os anos 1970 acabam de colocar por terra com "Fagner e Zé Ramalho Ao Vivo".

Gravado em três noites no Teatro Net Rio, em julho, o álbum acústico celebra as lembranças e o legado de uma dupla de sotaque nordestino Fagner é cearense; Zé, paraibano que ajudou a “descaretar” uma até então reverente música popular brasileira, muito voltada a si mesma e à construção de seus próprios mitos.

“Nossa geração mostrou como era possível fazer música brasileira com influências não só do Brasil. Principalmente por causa do pop. A gente ouvia muito Beatles, música progressiva. Nós demos essa contribuição, que hoje é só o que se faz por aí”, diz Fagner em entrevista por telefone ao UOL.

Conhecidos pela parceria empreendida em “Eternas Ondas”, Fagner e Zé Ramalho se conheceram num evento no Parque Lage, no Rio, na década de 1970. O futuro autor de “Avôhai” acabara de gravar o psicodélico “Paêbiru”, com o finado Lula Côrtes. Tão logo viraram amigos, Zé começou a desenvolver uma espécie de obsessão por Fagner.

“Ele vivia atrás de mim, e um dia veio morar no meu prédio. Outras pessoas já tinham vindo morar. Eu trouxe o Cazuza pra viver aqui. Na ocasião, o Geraldinho Azevedo também já morava. Era um prédio bem conhecido, bacana. Ele que me perseguiu”, brinca.

Dono de um dos mais vastos repertórios românticos da música brasileira, Fagner fala sobre as gravações dos shows, delimita a cultura sertaneja, cita os modismos do Nordeste, além de afastar totalmente a ideia de aposentadoria. Uma decisão que, para ele, geraria revolta.

“Eu estou muito bem. Estou um gato. Tem dia que passo na rua e é nego querendo me agarrar. O público não me larga, eu sou muito lindo, todos me querem. Sou uma pessoa que não pode se aposentar. Se eu me aposentar, haverá um movimento no Brasil inteiro: “Volta, Fagner!”.

Espirituoso e politizado, o intérprete de "Borbulhas de Amor" é crítico contumaz do governo petista. Mas também não vê com bons olhos a atuação do PSDB, partido do senador Aécio Neves, seu candidato nas últimas eleições. “A culpa de o PT estar aí fazendo esse estrago pode ser debitada na conta do PSDB, que é um partido de elite e não sabe olhar para o povão", dispara.

Os vizinhos de prédio Zé Ramalho e Fagner, no Rio - Ricardo Borges/Folhapress - Ricardo Borges/Folhapress
Os vizinhos Zé Ramalho e Fagner, que acabam de lançar o primeiro disco juntos
Imagem: Ricardo Borges/Folhapress

Leias os principais trechos da entrevista.

UOL – Por que gravar com o Zé Ramalho agora, depois de mais 40 anos de carreira?

Fagner - A gente já tinha ensaiando isso durante muitos anos. A gente se dá muito bem tocando juntos.  Desde os primórdios, quando ele chegou aqui no Rio, e eu o apresentei à Amelinha [ex-mulher de Zé]. A gente ficava muito tempo tocando. Tinha uma química boa. E aí, depois, teve especiais de televisão que eu o convidava. Ele também me convidava para gravações dele. Até que ele deu a ideia de a gente concluir esse trabalho, por causa dos nossos anos de estrada, de algumas coincidências que nos fizeram mais próximos. Já tínhamos algumas músicas prontas, ensaiadas.

É mais fácil conceber um projeto como este em formato acústico?

No nosso caso, foi. Seria mais fácil para a realização do espetáculo. Para pensar no repertório também, com este tipo de leitura das músicas, dando ais simplicidade. É um formato para quem assiste em barzinhos. A gente tem um público muito forte desse tipo.
No caso de sair em turnê com o show, o formato tem que se ampliar, porque a gente tem uma plateia muito grande. Talvez os espaços tenham que ser maiores. Então, podemos fazer alguma mudança, botar algum outro instrumento. Mas esse espírito acústico é bom pra gente.

Como foi resumir dois repertórios tão extensos?

Foi um pouco difícil. Fica aquela de um escolhe de um, outro escolhe de outro. Um pouco o que um gostava e queria cantar do outro. Eu tenho um repertório enorme, gravei muitos discos, e ele também tem as músicas deles, as preferidas. A gente tentou trazer uma química dentro desses repertórios.

No último dia de gravação, houve um episódio em que o Zé Ramalho se irritou com os pedidos de músicas do público e abandonou o palco. Ele é mais metódico do que você?

Eu não sei bem o que é ser metódico, acho que eu também sou. Mas eu sou mais aberto a certas coisas do que ele estava naquele momento. No final do último show, eu estava mais “liberado”. Nós nos juntamos três dias para fazer o repertório. Um dia só sem plateia, outro com plateia, com convidados. Um dia para plateia geral. Nesse dia, eu me liberei mais. E acho que ele ainda estava preso ao formato e não entendeu. Mas isso já passou. Cada um tem sua cabeça, sua sentença.

Vocês são vizinhos há muitos anos, fazem caminhadas matinais na orla de Ipanema. Como ele foi parar no seu prédio, no Leblon?

Ele que veio me perseguir aqui. Ele vivia atrás de mim, porque a gente era amigo e ele não conseguia me encontrar no Rio. E um dia ele veio morar no meu prédio. Até porque o meu prédio é um dos melhores aqui do Leblon. Outras pessoas já tinham vindo morar. Eu trouxe o Cazuza pra viver aqui. Na ocasião, o Geraldinho Azevedo também já morava. Era um prédio bem conhecido, bacana. Ele que me perseguiu, pra ficar perto de mim. Ele  gostava de mim, gostava dessas violadas. E a gente estava numa fase muito próxima. Rolou uma amizade e ele gostou do prédio. Tem que perguntar é se o prédio gosta dele.

Por que lançar um projeto ao vivo logo após “Pássaros Urbanos”, seu último trabalho de estúdio?

Não, a gente continua trabalhando com o “Pássaros”. Não sei se a Sony já abandonou a divulgação, porque gravadora é uma filha da mãe.

Voz ao fundo: Ô, rapaz!

Tá aqui o Jorginho [representante da Sony/BMG] gritando. Eu falei que só gostaria de trabalhar esse nosso disco com o Zé depois que tivesse avançado um pouco mais com o meu. Mas eles [os executivos da gravadora] têm os olhos muito grandes.

Como trata-se de uma novidade, vamos trabalhar o disco com o Zé até o fim do ano. Estamos lançando, é importante que se fale sobre ele. Já viajei a alguns Estados com o show. As pessoas estão realmente querendo ouvir. Nós temos uma história que merece um disco desse. Um público que, com certeza, se não esperava, achou uma boa ideia.

Mas eu continuo com meu outro disco. Inclusive, se você quiser dizer que minha próxima música de trabalho é “Arranha-céu”, você pode dizer. Pode falar que é uma música para "melar cueca".

Você é um cantor romântico, extremamente popular, com identidade ligada à cultura sertaneja. Mas e a música sertaneja? Você se identifica?

Música sertaneja é uma coisa. Mas música popular romântica, que é a música com a qual eu lido, é algo bem diferente. Mas somos brasileiros, estamos em contato com todas essas culturas. Minha música sertaneja, apesar de eu ter gravado com o Zezé e Chitãozinho & Xororó, está mais próxima à história do Nordeste. Não é essa história do agronegócio daqui do Sudeste, não.

Seu DNA é o do sertão de Luiz Gonzaga.

Com certeza! Luiz Gonzaga, João do Vale, Jackson do Pandeiro, Luiz Vieira. Nossos hits mais autênticos do Nordeste. Da música sertaneja eu peguei Tonico & Tinoco, que o Brasil inteiro escutava. Depois, gravei uma música com Chitãozinho & Xororó ["Cabocla Tereza"], que ficou muito marcante. Depois o Zezé participou do meu disco.

Eu entendo esse sertanejo que está aí, que faz muito sucesso. Não tenho nenhum problema com ele. Mas minha proximidade é com o sertanejo nordestino.

O sertanejo e a música popular são mais reféns de modismos hoje do que na época em que você começou?

Acho que sim. O Nordeste está estourado com essas bandas de forró, que não representam nosso forró tradicional, conhecido como “pé-de-serra”. Eles estão aí no meio da juventude. Vem desde o axé, desde o forró universitário. Os artista têm que dialogar com essa juventude. Tem para todo mundo. As bandas de forró, os Aviões do Forró, que vem desde o Mastruz com Leite. Que era um grupo que determinou esse fenômeno de banda de forró acumulando outros instrumentos. Veio o Aviões, o Wesley Safadão, que já são mega shows. Também teve o fenômeno do Calypso. Nós temos que ter esses movimentos, mesmo que eles se desviem muito de suas origens, porque eles se aproximam de um público mais atualizado.

Isso não prejudica quem vive de um som mais, digamos, mais “autêntico”?

Quem gosta de música pé-de-serra, quem tem um carinho maior pela música tradicional, consome esse tipo de música. E tem artistas para isso também. Se você for para Recife, Paraíba, Ceará. Tem muita gente fazendo isso, com casas lotadas, fazendo seus trabalhos. Cada coisa é uma coisa. Estamos falando do modismo, do que toca mais no rádio. Eles lá no Nordeste têm o mercado deles, mas reclamam que os veículos de comunicação só tocam essa música que eles chamam de mais descartável. E que é.

Seu primeiro trabalho, “Manera Fru Fru, Manera”, completou 40 anos em 2013. O que ele significa para você?

Para mim ele representa tudo. O primeiro disco de qualquer artista é muito importante, principalmente se ele é bom, se traz alguma novidade. Naquele momento, em 1973, foi o começo da “desburocratização” da música brasileira tradicional. Ele veio com uma levada de Raul Seixas, de Sérgio Sampaio. Nós “descaretamos” a música.

Nossa geração mostrou como era possível fazer música brasileira com influências não só do Brasil. Principalmente por causa do pop. A gente ouvia muito Beatles, música progressiva. Nós demos essa contribuição, que hoje é só o que se faz por aí.

Pensa em aposentadoria?

Estou pensando em aposentadoria para a Dilma Rousseff e o PT. Acho que eles estão precisando mais de aposentadoria do que eu. Eu estou muito bem. Estou um gato. Tem dia que passo na rua e é nego querendo me agarrar. O público não me larga, eu sou muito lindo, todos me querem. Sou uma pessoa que não pode se aposentar. Se eu me aposentar, haverá um movimento no Brasil inteiro: “Volta, Fagner!”.

E essa história de que o Brasil está dividido entre PT (Norte, Nordeste) e PSDB (Sudeste, Sul e Centro-Oeste)? Como enxerga essa radicalização nos discursos políticos?

Isso não incomoda. Eu inclusive votei no Aécio. Acho que é mais um subculturalismo político que a gente tem no Brasil. Um pouco de ignorância de gerações mais novas que se tornam radicais. Porque a eleição foi de um nível tão baixo que foi possível suscitar este tipo de comentário, gente pedindo a volta dos militares, de divisão de Brasil.

Na verdade, o PT se aproveitou muito do Nordeste nessas eleições. Todo mundo sabe disso. E o PSDB não sabe ir ao encontro do público. É um partido de gabinete. Ele não invade os grotões. Em Minas perdeu porque não foi ao Vale do Jequitinhonha. A culpa do PT estar aí fazendo esse estrago pode ser debitada na conta do PSDB, que é um partido de elite que não olhou para o povão.