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Cultuado na América Latina, 'Paralamas do Uruguai' não é conhecido por aqui

Felipe Branco Cruz

Do UOL, em São Paulo

19/12/2014 06h00

Os uruguaios do El Cuarteto de Nos, que acabaram de lançar o disco “Habla Tu Espejo”, o 14º da carreira, estão na estrada há 30 anos e preenchem com folga todos os requisitos para ser considerados verdadeiros “rockstars”. O grupo já ganhou quatro discos de platina, seis de ouro e dois de platina triplo, além de vencer dois Grammys Latinos em 2012 de Melhor Álbum de Pop/Rock por “Porfiado” e Melhor Canção com “Cuando Sea Grande”. Além disso, seus videoclipes têm, juntos, 20 milhões de visualizações no YouTube, um número capaz de fazer inveja em muita banda famosa brasileira. No Uruguai, na Argentina e na Venezuela, seus integrantes não conseguem sair na rua sem ser reconhecidos.

Mas apesar de todo o sucesso que grupo conseguiu na América Latina, no Brasil eles são ilustres desconhecidos. Quando passam férias no Nordeste do país, por exemplo, não são abordados por ninguém.

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  • É estranho saber que nossas composições são usadas para aprender espanhol. E o melhor: com sotaque uruguaio

    Roberto Musso, vocalista

“Nossa carreira é extensa. Somos uma banda de massa, porém tocamos poucas vezes no Brasil. Me recordo de um par de shows em Porto Alegre (RS) e outros em Belém (PA) e em Niterói (RJ) em 2011”, diz o vocalista e guitarrista Roberto Musso, 52 anos, em entrevista ao UOL. “As letras de nossas músicas são muito importantes na proposta da banda”, completa. Esse é um dos motivos, aliás, de as canções do grupo serem usadas em diversos cursinhos de espanhol espalhados pelo mundo. “É estranho saber que nossas composições são usadas para aprender espanhol. E o melhor: com sotaque uruguaio”, diz ele.

O sucesso demorou 20 anos para chegar. No início da carreira, o grupo escrevia músicas com letras sarcásticas e um viés bem-humorado, despertando atenção apenas do público uruguaio. Em 2006, após o lançamento do álbum “Raro”, a banda amadureceu e praticamente deixou o humor de lado, mantendo, no entanto, sua principal característica: as letras bem elaboradas.

A grande virada, de acordo com os integrantes, coincide com a contratação do produtor Juan Campodónico (que já trabalhou com Drexler, Bajofondo, Supervielle e La Vela Puerca). Os álbuns que se seguiram, “Bipolar” (2009) e “Porfiado” (2012), refletiram o amadurecimento musical e pessoal do El Cuarteto de Nos, levando a banda a ganhar o Grammy Latino.

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  • Quando começamos a fazer música ouvíamos muito Chico Buarque, Caetano Veloso… temos a MPB como referência. Depois começamos a ouvir Paralamas, Titãs e os grupos clássicos de rock dos anos 80 e 90

    Roberto Musso, vocalista

Lançado em outubro, “Habla Tu Espejo” (“Fale com Seu Espelho”) é mais uma prova de que a banda só evoluiu. Com uma excelente produção, o álbum é melhor que os anteriores, e o videoclipe da música “No Llora” (veja aqui), que foi postado no final de setembro, já tem quase 1 milhão de visualizações no YouTube. Para se ter uma ideia do que isso significa, o clipe da música “Meu Erro”, o mais assistido no canal oficial dos Paralamas do Sucesso (uma das influências do Cuarteto), postado há um ano, havia sido visto até esta quinta-feira (18) por pouco mais de 770 mil pessoas.

“Quando começamos a fazer música ouvíamos muito Chico Buarque, Caetano Veloso… temos a MPB como referência. Depois começamos a ouvir Paralamas, Titãs e os grupos clássicos de rock dos anos 80 e 90”, lembra o vocalista.

No Brasil, aos poucos, o interesse pelo Cuarteto está começando a surgir. Um dos exemplos é a versão da canção “Ya No Sé que Hacer Conmigo”, lançada em 2006 no disco “Raro”, que foi regravada pelos brasileiros do Vespas Mandarinas no álbum “Animal Nacional” (2013), com o título “Não Sei o que Fazer Comigo”. “Eles nos procuraram e pediram permissão para traduzir para o português. Gostamos do resultado e queremos fazer shows juntos em algum momento”, diz Musso.

Embora o nome da banda faça referência a um quarteto (no início da carreira, eram, de fato, quatro músicos), a banda é formada por cinco integrantes: Roberto Musso (voz e guitarra), Santiago Tavella (baixo), Alvin Pintos (bateria), Topo Antuña (guitarra solo) e Santiago Marrero (teclados). “Nossa carreira só é extensa porque começamos muito jovens, na escola secundária. Nunca pensamos que poderíamos viver de música. Nos primeiros anos, não éramos nem um pouco profissionais. Há sete anos, ainda não vivíamos de música. Eu tinha outro trabalho”, lembra Roberto. “Antes tínhamos uma carreira paralela. Gosto de matemática e de lógica. Eu trabalhava como engenheiro de sistemas. O Santiago trabalhava com arquitetura. E assim seguimos”, explica.

“Habla Tu Espejo” talvez seja o disco mais autobiográfico do grupo. A começar pela canção de trabalho, “No Llora”, composta para a primeira filha de Musso, Federica, de três anos. “Quis escrever uma letra sem ser clichê contando as dificuldades que ela enfrentará na vida”, comenta o cantor. “Quando escrevo, gosto de retratar o que estou vivendo, por isso que o tema das canções sempre muda.”

Outra música biográfica e com uma letra carregada de sentimentos é “21 de Septiembre”, uma balada em voz, piano e cordas que fala sobre a doença que a mãe do vocalista enfrenta: mal de Alzheimer. “Não sei falar sobre esse assunto sem me emocionar. Ela sofre há anos desse mal. Somente uma pessoa que enfrenta de perto essa dificuldade sabe como reagir.” A letra, aliás, versa sobre como o esquecimento é uma forma vingança e de perdão. “Fisicamente, ela está bem, mas está se esquecendo de tudo.”

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  • O estrangeiros enxergam o Uruguai como uma nação interessantíssima, e o Mujica é mais pop do que qualquer banda

    Roberto Musso, vocalista

Outras duas canções do álbum que valem destaque são “De Hielo”, que tem uma pegada eletrônica que remete ao duo francês Daft Punk, e “Whisky en Uruguay”, versão em espanhol da música folclórica irlandesa “Whiskey in the Jar”, que também já ganhou versões do  Metallica e do Thin Lizzy. “Nossa versão é uma homenagem ao pai do Santiago, que adorava a música e sempre a ouvia em uma obscura coletânea intitulada ‘Irish Drinking Songs’”.

Antes do sucesso, as músicas do Cuarteto flertavam com o hip-hop, mas logo cederam espaço para experimentações eletrônicas. O DNA roqueiro da banda, porém, sempre prevaleceu. “Gosto de fazer shows e ter discos muito diferentes que nos permitem alternar vários momentos ao vivo”, explica. "Nos shows, depois de apresentar canções com muitas letras e rimas, dos discos do passado, entram as composições de ‘Habla Tu Espejo’, que dão um descanso para os ouvidos. Me orgulho de poder fazer uma apresentação com músicas que escrevi há 20 anos".

A turnê do novo disco já começou. No mês passado, eles fizeram shows com lotação esgotada no Peru e na Venezuela. No Réveillon, eles devem se apresentar em Punta del Este e, para 2015, estão marcadas apresentações em grandes espaços do Uruguai, como o Velódromo, e da Argentina, como o Luna Park.

Após despontar no exterior, a banda passou a conceder diversas entrevistas para jornalistas estrangeiros. De acordo com Musso, entre os temas mais comuns das perguntas estão o futebol e o vinho de seu país. Mas, após a eleição de José Mujica, em 2010, o tema passou a ser o presidente uruguaio. “O estrangeiros enxergam o Uruguai como uma nação interessantíssima, e o Mujica é mais pop do que qualquer banda.”