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"É o que o povo quer ouvir", diz produtor sobre moda do "funk ousadia"

Felipe Blumen

Do UOL, de São Paulo

26/02/2015 10h10

Videoclipes superproduzidos, milhões de visualizações em redes sociais, shows lotados, cantores jovens, público idem e muita sacanagem. Com letras recheadas de sexo explícito, o funk “ousadia” tem conquistado cada vez mais fãs e MCs pelo Brasil. Mais que isso, tem criado uma forte indústria ao redor do gênero.

“Eles estão cantando o que o povo quer ouvir”, responde Emerson Martins, dono da KL Produtora --empresa que agencia as carreiras de 15 MCs com idades entre 13 e 22 anos-- quando questionado sobre o conteúdo das letras, principalmente as dos MCs mais novos.

“A ousadia sempre existiu no funk, principalmente no Rio de Janeiro, onde foi chamada de 'proibidão'", explica Kaique Martins, o MC 2K, que foi um dos primeiros funkeiros a migrar da ostentação para a ousadia.

"Mas quando o funk ostentação surgiu em São Paulo, ele trouxe um tipo de produção nova, que não existia no funk carioca. E aí quando os paulistas resolveram misturar as duas coisas, a ousadia com essa nova produção, tudo mudou”, conclui o MC 2K. Autor do sucesso “Ziriguidum”, o jovem de 22 anos e mais de 200 mil seguidores nas redes sociais faz parte de uma geração que tem dominado os palcos e a internet.

Fábrica de MCs

É em uma casa de três andares no Jardim Botucatu, na zona sul de São Paulo, que funciona uma dessas fábricas de sucessos, a KL Produtora de Emerson Martins. Lá, os jovens passam boa parte de seus dias, gravam suas músicas e se divertem. Tudo é intencionalmente registrado em vídeos, que são divulgados em diferentes redes sociais com um objetivo simples: conquistar fãs.

Só no YouTube, onde são postados videoclipes oficiais, ensaios e algumas brincadeiras dos garotos, os resultados já são ótimos. Apenas em um clipe que reúne os quatro nomes principais da produtora, MC Brinquedo, MC 2K, MC Bin Laden e MC Pikachu, são mais de 2 milhões de visualizações. No Facebook, uma foto de MC Brinquedo, de 13 anos, comprando material escolar, tem 66 mil curtidas e mais de cinco mil compartilhamentos.

“Nós estamos tentando mostrar que o funk pode mudar”, diz Martins, que é responsável pelas carreiras dos funkeiros. “Aqui nós trabalhamos a cabeça deles, oferecemos estúdio, academia e exigimos que eles fiquem na escola até terminar o ensino fundamental, pelo menos”, afirma.

O empresário de 40 anos conta que é a produtora que cuida das redes sociais e decide quais roupas os MCs vestirão e quais as cores que colocarão nos cabelos. E que ele mesmo teve que interferir na vida escolar de suas estrelas mais jovens, Brinquedo e Pikachu, para conciliar os palcos e a sala de aula. “Nós conversamos com as mães e colocamos eles em boas escolas particulares, as melhores da região”.

A casa da KL passa no momento por uma reforma em que serão construídos mais estúdios, salas de edição e até uma sala de imprensa. Na primeira semana de março, a produtora pretende lançar 250 clipes dos seus MCs - será a "Semana Maluca".

Escola, Igreja e ousadia

“Hoje pra virar MC tem que entrar em alguma produtora”, diz Matheus Sampaio, de 15 anos, que ganhou o apelido de Pikachu por causa do seu cabelo amarelo. Contratado da KL Produtora há quatro meses, ele explica com timidez que, no começo, sua mãe não gostava muito da profissão que ele escolheu. “Ela me dava bronca e dizia para eu ir para a igreja, mas agora ela viu que eu estou trabalhando, ganhando o meu dinheiro, ela respeita isso”.

O cantor de “Novinha Profissional” e “Ela é Piranha” diz que a mãe não ouve suas músicas. “Ela diz que confia em mim e, se esse é o meu trabalho, tudo bem”, diz o MC, que gosta de estudar e quer entrar para a Aeronáutica.

Quem vai sempre à igreja é Jeferson Cristian, o MC Bin Laden, de 21 anos, que é evangélico. “Eu só não vou todo domingo porque domingo é dia de show, mas sempre que dá, eu vou”, diz o funkeiro, que está na mesma produtora que Pikachu há dois anos e no funk há seis.

Bin Laden, que tem sobrancelhas estilizadas, cabelo pintado de preto e branco e uma legião de seguidores que imitam seu estilo, conta que não deixa de contribuir com o dízimo e agradece a Deus o sucesso conquistado. “Antes eu não tinha dinheiro para comprar uma bala. Hoje meus pais estão bem, eu estou comprando uma casa e vou casar”, conta.

O autor de “Lança de Coco” e “Passinho do Faraó” diz que gosta mais do estilo “proibidão”, caracterizado pela referência ao crime e às drogas, e que tira suas inspirações de filmes e jogos de ação. “Na igreja me dizem: ‘Faça daquilo só o seu trabalho’”, diz o MC. “Eu gosto de cantar funk de coração, um dia vou parar, mas hoje isso é o meu trabalho. Eu não uso drogas, não tenho envolvimento com nada. Dizem que eu faço apologia, mas eu só canto o que eu vejo na rua”.

Funk Profissional

O sucesso na internet tem dado retorno financeiro. A produtora aposta em reduzir a quantidade de shows para melhorar a infraestrutura --figurinos feitos sob medida, equipes de dançarinos, maior atenção dos MCs com o público. Mesmo assim, a média ainda é de 12 apresentações por semana. Em uma noite, o cachê dos funkeiros pode variar de R$ 4.000 a R$ 12.000.

“Foi o Rio que inventou o funk, mas foi São Paulo que transformou a brincadeira em trabalho”, diz MC Bin Laden, que acaba de ir pela primeira vez ao Rio de Janeiro para cantar. “Antes, ninguém tinha uma edição tão profissional de som, ninguém monetizava vídeo do YouTube. São Paulo criou essa estrutura”, conta.

“Eu acho que São Paulo veio para profissionalizar o funk”, acredita MC 2K. “E hoje todo mundo percebeu isso. Empresários que nunca trabalharam com funk estão trabalhando. E é por isso que estão surgindo tantos MCs cantando ousadia”, completa.

Questionado sobre o estigma que o funk carrega, mesmo com todo esse processo de profissionalização, Bin Laden manda um recado para quem o critica: "Que continuem dando audiência. Se não gostou de algum vídeo, pode procurar que eu tenho mais um montão".