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Avós do Nirvana, Sonics lembram: "Não tocávamos bem, só queríamos garotas"

A banda The Sonics em fotografia feita em 2013 - Reprodução
A banda The Sonics em fotografia feita em 2013 Imagem: Reprodução

Carlos Messias

Do UOL, em São Paulo

05/03/2015 15h53

“Nada Será Como Antes”. O título da antológica faixa do Clube da Esquina, de Milton Nascimento, também pode se aplicar ao rock de garagem. Ou ao rock, de forma geral.

Depois da banda The Sonics, nada foi igual. Para traçar uma breve árvore genealógica, não fossem eles, não teria existido The 13th Floor Elevators, grupo pioneiro do rock psicodélico, MC5, Stooges e New York Dolls, bandas de estilo indefinido que depois ficariam conhecidas como protopunk, Sex Pistols e Ramones, padroeiros do punk propriamente dito e, por consequência, Nirvana, Mudhoney e o que o mundo viria a conhecer como grunge.

O Sonics é oriundo de Tacoma, no Estado de Washington (EUA), cidade da Grande Seattle, de onde viriam as manifestações mais recentes de rock barulhento, despretensioso e, essencialmente, de garagem.

“Quando ensaiávamos na garagem da casa dos meus pais, os vizinhos costumavam chamar a polícia. Aí, a gente dizia que ia parar, e voltávamos a tocar assim que eles saíam”, relembra Larry Parypa, guitarrista da banda, em um encontro com a imprensa realizado nesta quarta-feira (4), na sede da Levi’s, em São Paulo. A banda faz o seu primeiro e único show no Brasil hoje, no Audio Club, em um evento realizado pela marca (ainda há ingressos a venda, por R$ 160).

O segredo do rock cru e direto da banda, segundo Parypa, eram falantes ligados no talo. “À época, não existiam pedais de distorção. Então eu ligava o amplificador no volume 10 e mandava ver”, diz Parypa.

“Na verdade era o volume 11”, corrige o vocalista e tecladista Gerry Roslie, que também participou da entrevista. “Sempre nos achamos ilegítimos, porque as maioria dos músicos quer sempre tocar mais rápido e de forma mais apurada. Mas não nos preocupávamos em tocar melhor e, sim, em nos sentir bem e fazer com que o público também se sentisse”, acrescenta Roslie.

Em sua breve existência entre 1960 e 1969, o Sonics gravou apenas dois álbuns: “Here Are the Sonics” (1965) e “Boom” (1966). Mas faixas como “Psycho”, “The Witch”, “Cinderella”, “Boss Hoss”, “Strichnine”, “He’s Waiting” e “The Hustler” permaneceram pelos 50 anos seguintes no imaginário do rock underground.

“Naquele tempo não tocávamos no rádio e tínhamos uma péssima distribuição. Também não imaginávamos que pudéssemos fazer sucesso. Até tirávamos sarro de que alguém pudesse pagar para nos ver tocar”, relembra Parypa.

“Só queríamos nos divertir e levar as garotas para o motel. Tínhamos até dois rodies, cuja verdadeira função era conseguir mulheres para a gente. Enquanto tocávamos, eles apontavam para uma ou outra, e a gente apenas sinalizava se estávamos interessados ou não”, relembra o guitarrista.

Sonics

  • Divulgação

    À época não tocávamos no rádio e tínhamos uma péssima distribuição. Também não imaginávamos que pudéssemos fazer sucesso. Até tirávamos sarro de que alguém pudesse pagar para nos ver tocar. Só queríamos nos divertir e levar as garotas para o motel. Tínhamos até dois rodies, cuja verdadeira função era conseguir mulheres para a gente. Enquanto tocávamos, eles apontavam para uma ou outra e a gente apenas sinalizava se estávamos interessados ou não

    Larry Parypa, guitarrista dos Sonics

Na época, acontecia uma primeira cena roqueira de Seattle, junto a bandas como The Fabulous Wailers e Galaxies, que também lançavam pela gravadora Etiquette. Mais de 20 anos depois, quis o destino que surgisse uma nova cena na cidade, com bandas como Mudhoney, Mono Men, The Fall-Outs e Girl Trouble, que foram diretamente influenciadas pelo Sonics.

“Quando ouvi The Sonics pela primeira vez, em 1980 ou 1981, parecia punk rock porém de uma época anterior. O jeito direto com que eles tocavam exerceu uma forte influência sobre a gente”, diz Mark Arm, vocalista e guitarrista do Mudhoney, em entrevista ao UOL.

Após tantos músicos notórios declamarem sua devoção ao Sonics, a banda finalmente recebeu um convite para voltar em 2007, com dois shows em Nova York. A partir daí, não pararam mais. Freddie Dennis e Dusty Watson substituíram Andy Parypa e Bob Bennett, respectivamente baixista e baterista da formação clássica.

Com o saxofonista original, Rob Lind, a banda voltou a excursionar mundo afora e a gravar. “De repente, descobri que éramos conhecidos na Europa”, diz Roslie. Dois anos depois, eles entraram em estúdio, tendo como produtor justo o midas do rock de Seattle, Jack Endino. O resultado foi o EP “8”, lançado em 2010.

“Foi divertido, mas um desafio. Eles queriam que eu capturasse como eles soavam no momento, o que não era exatamente como eles soariam nos anos 60”, relembra Endino.

Agora, no dia 31, a continuação da discografia da banda finalmente será lançada com “This Is the Sonics”, o primeiro álbum do grupo em 49 anos. “Diferentemente do EP, quisemos que soasse como nos anos 60”, diz Parypa.

O disco foi gravado no estúdio Soundhouse, de Jack Endino, com produção de Jim Diamond. “Bad Betty”, o primeiro single, está disponível na internet (ouça abaixo) e foi lançado em um compacto com o Mudhoney, depois que as duas bandas tocaram no festival Muddy Roots, em Cookeville, no Tennessee, no ano passado.

Na noite de hoje, Roslie e Parypa prometem rever os principais clássicos dos anos 60 e dar algumas amostras do novo álbum. Enquanto isso, os músicos, já na faixa dos 70 anos, vão se acostumando com o reconhecimento tardio. “Na década passada, minha filha, Courtney, foi a uma loja de discos em Seattle e ninguém acreditava que eu era o pai dela. Aí, quando voltamos a tocar em Nova York, em 2007, pude vê-la chorando de cima do palco, Na hora achei que era porque estávamos tocando mal, mas, depois, eu percebi,que era de emoção”, relembra Larry Parypa, tentando encerrar a entrevista --ele e o restante da banda estavam ansiosos para ir a uma churrascaria de rodízio. Mesmo com o reconhecimento tardio, a ficha de ícones do rock ainda não caiu.