Topo

Em dias de feminismo no pop, "garotas revoltadas" voltam com rock raivoso

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

08/03/2015 06h00

O feminismo está pop. Seja no funk de Valesca Popozuda ou nos shows de Beyoncé, o discurso de empoderamento e igualdade entre os sexos está facilmente assimilado e embaladinho nas rádios, mas talvez não por muito tempo. O movimento “riot  grrrl” (que pode ser traduzido como “garotas revoltadas”), que abriu caminho na cena roqueira machista a ponta-pés nos anos 90, está de volta em toda sua essência. Três bandas símbolos da época –Sleater-Kinney, L7 e Babes in Toyland-- estão com disco novo na praça ou preparam a volta aos palcos após anos em hibernação.

Influenciado por ícones femininos do rock como a cantora Patty Smith e Kim Gordon, baixista do Sonic Youth, o “riot grrrl” fez com que as mulheres passassem a se expressar da mesma forma que os homens já faziam nas cenas punk e hardcore, além de inspirar bandas pelo mundo, como o coletivo russo Pussy Riot e a brasileira Dominatrix.

Criado em 1994, o Sleater-Kinney foi um desses grupos a abordar o feminismo ao som de riffs raivosos e muito barulho. Após dez anos paradas, as integrantes Corin Tucker, Carrie Brownstein e Janet Weiss, agora já na casa dos 40, voltaram em grande estilo com “No Cities to Love”, um disco para fazer tremer qualquer banda que fale mais grosso. É um sinal de que o “riot grrrl” está sendo redescoberto, não como gênero, mas como ideal. Afinal, o mundo mudou, mas nem tanto.

“Ainda há tantas fronteiras que as mulheres precisam ultrapassar. Ainda há um monte de coisas que temos a dizer e comentar.  Ainda não temos mulheres suficientes em posições de poder, e eu acho isso muito frustrante”, disse a guitarrista Corin Tucker em entrevista à revista “Time Out”.

Em “Surface Envy”, canção do novo disco, um recado às mulheres persiste: “Only together do we break the rules” (em livre tradução, “apenas juntas nós quebramos as regras”).

A banda defende que o feminismo não é uma teoria, mas sim um grupo de ideias. Para as integrantes, Beyoncé e Taylor Swift, que cada vez mais discutem suas posições em entrevistas e apresentações, são tão importantes quanto as garotas punk dos anos 90. “Taylor Swift é descaradamente uma feminista e seu público-alvo são os jovens. Se eu tivesse 14 anos e ela fosse a pessoa que eu estivesse ouvindo, eu ficaria empolgada”, defende a guitarrista.

Absorvente para a plateia
Sucesso comercial na década de 90, quando pegou carona na explosão do grunge de Seattle, o grupo californiano L7 foi o equivalente ao Nirvana das “riot grrrls”. Com Donita Sparks, Suzi Gardner, Jennifer Finch e Demetra Plakas, da formação original, elas criaram recentemente um crowdfunding para lançar um documentário, “L7: Pretend We’re Dead”, e anunciaram nova turnê para 2015, após 19 anos de silêncio.

Sparks, que em 1992 jogou um absorvente na plateia do Reading Festival, disse ao jornal britânico “The Guardian” que, se há interesse nas “riot grrrls” é por falta de engajamento suficiente dos artistas de hoje.

"A palavra 'fierce' [feroz] está aí com um monte dessas estrelas da música pop. O que pode ser verdade. Mas há outras maneiras de ser feroz, sem ser seminuas. Eu acho que um monte de pessoas tem um desejo real e saudade da presença feminina dos anos 90, que eu não acho que tenha sido tão presente quanto foi, não da mesma maneira conflituosa", disse à revista “Vice”.

“Não entendo o ‘riot grrrl’”
Entre 1987 e 2001, a banda Babes in Toyland, jogou o feminismo no grunge e retorna agora, após 14 anos –a banda voltou a fazer shows em fevereiro com Kat Bjelland (vocal e guitarra), Lori Barbero (bateria) e Maureen Herman (baixo). Para suas integrantes, no entanto, o termo “riot grrrl” é apenas um rótulo. “Eu entendo heavy metal, eu entendo ska, mas eu não entendo o ‘riot grrl’, essa coisa de mulheres”, rebateu a baterista ao “Guardian”, em entrevista recente. “Não é um gênero definido pelo som.”

A cantora Kathleen Hanna, ex-Biquini Kill, outra banda expoente do movimento, nunca chegou a sumir de cena completamente. Após montar um grupo de dance punk, o Le Tigre, no final dos anos 90, ela se apresenta com um novo grupo: Julie Ruin.

Com o documentário “The Punk Singer” lançado ano passado, Kathleen continua atacando o machismo e a polícia com a mesma energia, mas busca uma sonoridade mais dançante e já se permite dividir o palco com homens. Bem diferente da ‘riot grrrl” que pedia para as mulheres se postarem na frente do palco durante seus shows. “Eu não digo que as garotas fiquem na frente, já estamos lá”, afirma.