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Inezita não nasceu no mato, mas defendeu a cultura caipira como ninguém

André Piunti

Especial para o UOL*

09/03/2015 06h00

Foi-se dona Inezita, aquela senhora que nos parecia tão familiar aos finais de semana na TV, que há quase três décadas nos trazia canções que aprendemos a ouvir com nossos pais ou avós.

A companheira dos que nunca desistiram das modas de viola, no entanto, nunca foi uma mulher frágil, apesar de sua aparência doce. Muito pelo contrário, enfrentou uma série de preconceitos, e não à toa virou lenda dentro da música brasileira, principalmente, da caipira.
 
Quis o destino que ela partisse no dia em que se homenageia justamente as mulheres.
 
Inezita Barroso não foi apenas cantora ou compositora, apenas atriz ou apresentadora. Foi muito mais, bem mais, inclusive, que a canção de sua vida, “A Moda da Pinga”, ou “Marvada Pinga”, como costumou-se chamar.
 
Defensora da tradição, da música de raiz, e uma espécie de protetora dos violeiros na mídia, muitos a intitulam folclorista. De fato, é. Não só consumiu e promoveu, como também pesquisou a música do interior do Brasil. Não foi uma artista exclusivamente caipira, mas tomamos como se fosse, por tudo que fez.
 
Paulistana formada em biblioteconomia, o violão estava sempre a tiracolo em festas, seja ao lado de seus amigos da ala cultural da cidade, seja nas “altas rodas da grã-finagem”, como diria Tião Carreiro. A voz potente e a imagem transgressora de uma moça de família exibindo publicamente sua arte são dois pontos importantes de sua biografia, entre tantos outros, nesses 90 anos completos na última quarta-feira (4).
 
Aproximou-se da cena cultural de São Paulo através de seu cunhado, o ator de teatro Maurício Barroso, quando conheceu figuras como Tônia Carreiro e Cacilda Becker. Embora sempre com o objetivo de cantar, ainda sem se restringir a um estilo musical apenas, estrelou filmes na companhia Vera Cruz, e sua experiência no vídeo resultou em suas primeiras aventuras na televisão, principalmente na Record.
 
O que parecia uma carreira em ascensão, no entanto, ganharia um balde de água fria com o surgimento da Jovem Guarda e da Bossa Nova, movimentos com os quais não se identificava. No final dos anos 1960, com o enfraquecimento de ambos, foi que ela tomou a decisão que a marcaria para sempre na história da música brasileira: apostar na música caipira.
 
Apesar de o “Viola Minha Viola” ter apenas 1/3 da idade de Inezita, as duas histórias se confundem. O “Viola”, programa que faz com que a cultura caipira respire a cada final de semana, é o espelho de sua comandante.
 
Inezita, mesmo incomodando e sendo crítica a vertentes de música sertaneja que diferem do que é chamado de raiz, esteve sempre muito próxima da unanimidade.
 
O gênero que a fez estrela nacional, foi o gênero que ela defendeu com unhas e dentes até o final de sua vida.
 
Uma mulher que não nasceu no mato, que nem de longe poderia ser chamada de caipira, mas que representou e defendeu essa cultura como ninguém.
 
*André Piunti é formado em jornalismo pela Facamp (Faculdades de Campinas). Natural de Campinas, São Paulo, criou o blog Universo Sertanejo no ano de 2007