"Estou esperando um restart em toda a música", diz Digão sobre rock atual
O Raimundos era a maior banda do Brasil em 2001 quando o vocalista Rodolfo encontrou Jesus e abandonou o grupo. O baque foi forte e por pouco que os outros integrantes não acabaram com a banda. Quase quinze anos depois, Digão e Canisso continuaram na estrada e celebraram em 2014 duas décadas de Raimundos.
Em entrevista ao UOL, Digão contou que o grupo teve que aprender a ser pequeno de novo. "Nós éramos grandes e queríamos nos manter grandes, mas não tinha como", contou o vocalista. Bem humorado e usando diversas metáforas para explicar o que aconteceu com a banda, Digão lembrou do momento em que pensou que banda fosse acabar e também da relação com o Rodolfo. "A melhor solução era continuar, porque o Rodolfo não morreu."
O fundo do poço da banda, segundo Digão, não foi a saída do vocalista e sim o lançamento do disco "Kavookavala" (2002), o primeiro sem o Rodolfo, que foi um fiasco de vendas. Somente 12 anos depois, em 2014, que eles se sentiram à vontade para lançar outro álbum de inéditas, o "Cantigas de Roda". "O tempo passou. Finalmente me sinto bem como vocalista", disse Digão.
Trailer do DVD "Cantigas de Garagem"
UOL - Como é chegar aos 20 anos de carreira?
Digão - Completar 20 anos de carreira é chegar aos 40 anos de idade. Passar no vestibular é fácil. Difícil é se formar. Depois de tudo que passamos, tivemos que nos reinventar. Hoje somos mais profissionais, embora o mercado não esteja nem um pouco favorável ao rock. Mas não tenho que reclamar de nada.
Nesses 20 anos, você cogitou a ideia de a banda acabar?
Acho que o único hiato que tivemos foi quando o Rodolfo saiu, em 2001. Mas foram só dois meses. Meu mundo caiu. No meu coração, nunca passou pela minha cabeça a banda acabar. A melhor solução era continuar, porque o Rodolfo não morreu. Ele saiu da banda de um jeito louco, mas eu lutei por essa banda e tenho o mesmo direito de ser Raimundos como ele. Então continuamos.
Para você, qual foi o fundo do poço do Raimundos?
Foi a fase pós-Warner, pós-"Kavookavala" (2002). Nós éramos grandes e queríamos nos manter grandes, mas não tinha como. Não foi só a saída do Rodolfo que acabou com o Raimundos. A gravadora encolheu e queríamos continuar com o mesmo padrão. A solução foi voltar a ser uma banda pequena. Crescemos para diminuirmos. Fomos tocar em clubes pequenos para provar que ainda éramos uma banda. Meu show de estreia como vocalista do Raimundos foi para 40 mil pessoas. Eu me senti como um surfista iniciante tendo que pegar uma onda gigante. Foi isso que aconteceu comigo.
Após 14 anos da saída do Rodolfo, como você vê a banda?
Foi preciso passar uma geração. Não para mudar os fãs. Mas para podermos provar, de pouquinho em pouquinho, que a banda poderia ter uma cara nova. É como pegar uma moto antiga e reformar com muitas peças novas e perceber que o resultado é uma puta moto. Não brigo com meu passado. Estamos felizes fazendo música e vendo que a galera está curtindo. Nosso público está com o coração aberto. Não tem mais ranço. O tempo passou. Finalmente me sinto bem como vocalista, cantando, conversando com a galera. Tem muita coisa boa para rolar ainda. Não atingimos o nosso melhor. Tem muita água para passar por debaixo dessa ponte.
Se o Rodolfo te ligasse hoje e falasse: "Quero voltar". O que você diria?
"É você mesmo? Você é aquele brother? Não precisa ser aquele drogado que se acabava. Mas você é aquele cara engraçado, sacana, gente boa de antigamente?". É isso que eu diria. Mas eu não penso nisso. Não vai vir de mim esse convite. Depende dele. Meu telefone continua o mesmo de 30 anos atrás.O Rodolfo foi um puta compositor. Acho que as inspirações dele na época do Raimundos eram mais interessantes. Do jeito que ele está hoje, não funciona. Hoje o Raimundos vive um lance relax. Estamos "de boa".
Quando foi seu último encontro com o Rodolfo?
Foi em janeiro, na véspera do show do Foo Fighters, que nós fizemos a abertura em São Paulo. Encontrei com ele dentro do avião que pegamos para ir de Brasília para São Paulo. Não tinha como ele não me ver. Imagine, estávamos indo abrir o show de uma puta banda e o nosso ex-vocalista entra no avião. O Canisso falou para mim: "Cara, você não imagina quem está no mesmo voo que a gente". O Rodolfo passou por mim, me deu a mão e me cumprimentou. Foi tipo: "E aí, beleza?". Eu perdooei o Rodolfo, mas não dá para dizer que somos amigos.
E como é a sua relação com o Fred, que agora é baterista do Autoramas?
O Fred é brother! Já fizemos uns três ou quatro shows juntos depois que ele saiu da banda. Sempre nos falamos. Achei massa o Fred tocar no Autoramas. Senti uma vibe boa e fiquei feliz.
O que aconteceu com o rock?
Na década passada, o rock ficou mono. Ou seja, ele teve duas vertentes: o indie e o emo. Então, as bandas começaram a se imitar. Ou era emo ou era indie. E ficou tudo igual. Nos anos 90 era diferente. O Nação Zumbi era manguebeat. O Charlie Brown Jr. era mais ska. O Raimundos era aquela quebradeira louca. O Planet Hemp era aquela maresia. O Rappa também. O som era mais sortido. E o que aconteceu com rock foi isso: ele se baseou apenas em dois estilos e implodiu.
O estereótipo de roqueiro é aquele com várias tatuagens. Mas você só tem uma. Por quê?
É porque eu tenho um puta medo de agulha. Essa tattoo eu fiz em Santa Bárbara, na Califórnia. Fomos para lá, logo depois de gravar o "Lavou Tá Novo" e fomos numa loja muito louca. Lá eu vi um adesivo tribal colorido com umas folhas de marijuana. Eu tenho vontade de fazer uma tattoo nas costas escrito "Raimundos" semelhante àquela do Sublime, que aparece na capa do disco deles.
E os fãs que fazem tatuagens do Raimundos?
Eu estou vendo uma galera nova que está tatuando a nossa nova logomarca, do período pós-Rodolfo. É muita "responsa". Eu fiquei de cara essas dias com uma mina que tatuou o meu autógrafo. Pô. Eu nem tinha feito uma assinatura caprichada. Eu disse para ela: "Porque você não me avisou que ia fazer uma tatuagem? Eu teria feito mais bonitinha". Eu tenho duas assinaturas. Uma bem feita, escrita "Digão" e uma outra meio rabiscada, que parece uma palavra em árabe. Foi essa que ela tatuou.
Assista ao clipe da música "Jaws"
Vocês fizeram um show no Circo Voador em que o repertório foi escolhido pelos fãs. Teve alguma surpresa nessa escolha?
O Canisso jogou essa ideia no dia do aniversário dele. Os fãs poderiam votar no set-list pela internet. E o set não mudou muito daquilo que já estávamos tocando. O pessoal quer ouvir as mesmas músicas sempre. Foi bom para mostrar para aquele fã mais aguerrido, que só quer ouvir o lado B, que não dá para tocar só as músicas mais obscuras. Tentamos agradar ao máximo todos os fãs. Esses dias tocamos "Papeau Nuky Doe", do disco "Cesta Básica". Não tocávamos ao vivo essa música há uns 18 anos.
A marca Raimundos hoje estampa rótulos de cerveja, de pimentas, além de outros licenciamentos. Dá mais dinheiro vender pimenta e cerveja do que disco?
A renda ajuda a "empresa" Raimundos a continuar funcionando. Essa grana vai para uma caixinha e ajuda a custear outras coisas da banda. Mas o dinheiro vem mesmo dos shows. Nos preocupamos em fazer produtos legais que têm a cara da banda.
Para encerrar. Uma pergunta cretina: Você ficou chateado com o fim do Restart?
Os moleques são "gente boa". Eu sempre achei datado o que eles fizeram, uma vibe meio Menudo. Não dava para manter. Tomara que a banda dê um restart na carreira. Aliás, eu estou esperando um restart em toda a música. Há muito tempo que eu não sinto uma emoção de ouvir música boa, tipo quando conheci O Rappa, Skank, Nação Zumbi, Planet Hemp e Charlie Brown Jr..
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