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"Não tenho que esconder de quem eu sou filho", diz Chicão Eller

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

18/04/2015 06h00

Filho único da cantora Cássia Eller, Francisco Ribeiro Eller, o Chicão, está prestes a sair do casulo. Aos 21 anos, o jovem estudante de geografia dá os últimos retoques na masterização de seu primeiro álbum, com o projeto 2 x 0 Vargem Alta, que deve sair do forno nas próximas semanas.

O disco terá composições inéditas em acabamento acústico, calcadas no blues, no folk e na MPB. Gêneros importantes na educação musical de Chico, que sempre escreveu suas letras em seus caderninhos, mas só de uns tempos para cá tomou coragem para mostrá-las.

Além da verve poética, a voz do garoto, de tom impostado e solta, é uma atração à parte. Impossível não lembrar do timbre forte e anasalado de Cássia Eller. A personalidade tímida da mãe também está lá, em estado bruto. E Chicão sabe das comparações que estão por vir.

“Eu não tenho essa pressão em mim, de ser filho de quem eu sou. São as pessoas que trazem”, diz em entrevista feita no UOL, na semana passada. “Mas, é isso, estamos aí. Sei que sou parecido fisicamente, não tem muito o que fazer. Não tenho que esconder que de quem eu sou filho.”

Pacato –nunca havia feito uma viagem “bate e volta” entre Rio e São Paulo– e de riso fácil, Chico é, desde o ano passado, quem decide sobre os direitos autorais de Cássia Eller. É dele a assinatura que define o que vai ou não vai ser lançado sob nome da cantora. Uma tarefa incômoda para o fã que também é.

“Cara, é uma função bem chata, para falar a verdade. Você saber o que você vai barrar ou não. Pô, o fã quer ouvir tudo, né? Eu adoraria ver qualquer coisa do Crosby, Stills and Nash que saísse, seja eles errando, ou fazendo algo diferente. O fã da Cássia é a mesma coisa, mas tem coisas que a gente não pode liberar."

Chico Eller (segundo da esq. para a direita) posa com a trupe do 2 x 0 Vargem Alta - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Chico Eller (segundo da esq. para a direita) posa com a trupe do 2 x 0 Vargem Alta
Imagem: Reprodução/Facebook

Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

UOL - Seu projeto se chama 2 x 0 Vargem Alta. De onde veio esse nome maluco?

Chico Eller - (risos) É uma gíria lá de São Pedro da Serra [pequena cidade da serra fluminense], onde a gente costuma ir para tocar, relaxar. Mas ainda não sabemos muito bem qual é a gíria (risos). Pode significar duas coisas: ou é “assunto encerrado” ou é “tudo bem”, de alguma coisa que deu certo. Ainda não decidimos.

Você divulgou ano passado várias músicas do projeto. Como está levando a banda?

Aquelas são só algumas. Tenho mais. A gente também toca músicas de outras pessoas. De um tempo para cá, comecei a tocar com vários amigos meus, que também compõem. Montamos o repertório a partir das composições nossas e estamos tocando. Eu toco violão e canto.

É fácil o processo de composição?

Sempre gostei de escrever. Mas até eu admitir que aquilo fosse uma composição demorou um pouco. Faz pouco tempo. (Risos) Sempre tive meus caderninhos de letras.

O que inspira você?

A minha experiência, as coisas que leio, escuto. Situações ruins ou alegres. Mas não sei bem descrever. A gente tenta falar sobre tudo o que a gente vive. Não necessariamente o amor ou coisas desse tipo. É mais amplo.

E como está o disco?

Já terminados de gravar. Estamos apenas terminando de masterizar. Deve sair agora até junho deste ano. 2 a 0 Vargem Alta é o nome do projeto, mas ainda não fechamos o nome do disco. É uma parte meio difícil essa (risos). A banda sou eu, o Artur Pedrosa na bateria, o Dudu Solto no baixo e o Bocão na guitarra. Somos um quarteto. São da minha turma, uma galera nova do Rio que está começando.

E como estão os shows?

Por enquanto, estamos indo devagar, como tem que ser mesmo. Não temos nada grande planejado. Tocamos em lugares pequenos de São Pedro da Serra e algumas vezes no Rio. As nossas músicas e alguns covers. Não tem Cássia Eller, mas tem “Come Together”, que ela cantava.

Como lida com a pressão de ser filho da Cássia?

Tento não pensar nisso. Mas, cara, para falar a verdade, eu não tenho essa pressão em mim. São as pessoas que trazem. Quanto mais eu consigo me distanciar, mais tranquilo eu fico. Mas tem situações que realmente são chatas. Mas é isso, estamos aí. Eu sou parecido fisicamente com ela, não tem muito o que fazer. Não tenho que esconder de quem eu sou filho.

O timbre de voz também é parecido. E seu jeito de cantar, principalmente em “Amor pra Dar”, lembra muito o da Cássia.

Sim. Tem uma influência. Acho que ela é até mais física do que necessariamente puxada para isso. Mas é por aí mesmo (risos).

chicão

  • Reinaldo Canato/UOL

    Ela [Cássia Eller] é minha mãe, mas, independente disso, ela também é uma artista que eu admiro muito. E eu puxo muita coisa dela. Coisa de quem é fã de qualquer pessoa. Eu era muito novo quando ela morreu, não tinha maturidade para entender muita coisa. Então fui descobrindo depois, com internet, com amigos, ouvindo os discos. Mas não tenho influência só dela.

    Chico Eller

É vantagem ou desvantagem ser filho de alguém famoso?

Por muitos aspectos é muito melhor. Por outros, muito pior. Por exemplo, o lado bom: eu nunca precisei comprar um violão. Sempre havia um violão da minha mãe ali à disposição para eu tocar na hora que eu quisesse. Sempre teve pandeiro lá em casa, tambor. E muitos CDs. Comecei a escutar muita coisa cedo.  Sempre esteve tudo lá. O que é ruim é isso. A pessoa vir e querer falar só porque você é filho da Cássia Eller, o que é bem chato (risos).

Em minha defesa, tenho a desculpa de estar falando com você porque vai lançar um disco.

Não, massa! Tudo bem! (risos) É brincadeira.

Até que ponto a música da Cássia Eller o influencia?

É uma referência. Ela é minha mãe, mas, independente disso, ela também é uma artista que eu admiro muito. E eu puxo muita coisa dela. Coisa de quem é fã de qualquer pessoa. Eu era muito novo quando ela morreu, não tinha maturidade para entender muita coisa. Então fui descobrindo depois, com internet, com amigos, ouvindo os discos. Mas não tenho influência só dela. Tenho de vários artistas que fui assimilando.

Sim. Estou vendo que você está com a camisa do Crosby, Stills and Nash.

Pô, legal que você percebeu (risos).

Além deles, o que escuta?

Toco violão de aço. Tenho muito essa onda do folk. Não sei dizer se é meu estilo favorito, mas é uma coisa muito presente na minha vida. Ainda mais agora, atualmente. Tenho escutado muito Crosby, Stills and Nash, Bob Dylan, Neil Young. Me amarro muito em coisas assim.

Nenhuma banda mais recente?

Prefiro os clássicos. Sou bem ruim de coisas novas, cara (risos). Mas, ah, tem a Júlia Vargas, uma grande cantora lá do Rio, que está com a gente. Ela canta demais. Vai lançar um disco no nosso selo [Porangareté].

Alguma novidade no selo?

Vai sair um CD novo da Júlia agora, o segundo dela. Depois vai sair o meu e um novo da Cássia Eller, com gravações antigas dela, da época de Brasília, gravadas uns 30 anos atrás.

Você já está cuidando dos direitos autorais da Cássia?

Sim. Antes estava no nome da minha mãe [Maria Eugênia, companheira de Cássia Eller], mas agora, como fiz 21, está comigo. Temos um amigo, o Rodrigo Garcia, que faz muito bem a curadoria dessa parada toda de direitos. Ele é quem cuida, de fato. Eu só assino e tal. Ele deixa a gente a par de tudo, e a gente decide limar ou não.

E como é isso?

Cara, é uma função bem chata, para falar a verdade. Você saber o que vai barrar ou não. Pô, o fã quer ouvir tudo, né? Eu adoraria ver qualquer coisa do Crosby, Stills and Nash que saísse, seja eles errando, ou fazendo algo diferente. O fã da Cássia é a mesma coisa. Mas tem coisas que a gente não pode liberar, e você fica se perguntando por quê. É meio chato.

A próxima edição do Rock in Rio terá um show em homenagem à Cássia Eller. Você está participando?

Estou distante. Quem vai fazer mesmo são os músicos que chegaram a tocar com ela. Eles conhecem bem o repertório, sabem o que fazer direitinho. Eles vieram até a gente, mostraram o projeto, e eu e minha mãe aceitamos. Eles agora vão começar a ensaiar, escolher o repertório.

Você deu alguma ideia para eles? Alguns desses shows tributo já foram muito criticados.

Não. Eu prefiro deixar na opinião deles. Acho que é mais consistente que a minha, nesse quesito. Até porque eles estavam lá, tocaram com ela, né?

Há uma história legal sua no Rock in Rio de 2001, quando a Cássia incluiu Nirvana no show após um pedido seu. E você subiu no palco para tocar percussão.

Sim, eu lembro disso, de chegar lá e tocar (risos). Lembro de quando acabou o show e a gente foi agradecer. Fiquei pensando “caramba, quanta gente”. A poeira subiu na hora, e era mais poeira que gente que você via ali. Eu tinha sete anos. Foi legal.

Todo o mundo comenta sobre sua timidez. O diretor do documentário da Cássia Eller, o Paulo Fontenelle, disse que, depois que gravou seu depoimento para o filme, ficou no chão uma poça de suor vinda de você.

Pô, nem fala. Foi difícil demais (risos). Já tem uns dois anos aquilo. Eu ainda sou tímido, sim, mas estou melhorando, né?