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Dupla de "Beijinho no Ombro" usa fórmulas da faculdade para fabricar hits

André Vieira e Wallace Vianna se tornaram diretores musicais de Valesca Popozuda, após o grande sucesso de "Beijinho no Ombro" - AgNews
André Vieira e Wallace Vianna se tornaram diretores musicais de Valesca Popozuda, após o grande sucesso de "Beijinho no Ombro" Imagem: AgNews

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

22/04/2015 07h00

Aos 27 anos, os amigos Wallace Vianna e André Vieira estão abrindo um escritório no Rio de Janeiro sob o nome Hitmaker Produções – ou, em português, fabricante de sucessos. São eles os responsáveis pelo hit “Beijinho no Ombro”, que não apenas deu uma guinada na carreira de Valesca Popozuda, como também fez o jargão já conhecido no universo LGBT se tornar pura filosofia pop.

“As pessoas passam por um problema de autoafirmação e as mulheres estão passando por este momento. Então o beijinho no ombro passou pelas redes sociais, pelo feminismo. Queremos elevar a mulher”, explica Wallace, um dos compositores do hit.

A pérola pop, de refrão chiclete e mensagem de empoderamento, no entanto, não surgiu à toa. A música foi criada com uma precisão quase cirúrgica, utilizando dos ensinamentos da faculdade.

Publicitário, Wallace esboça uma estratégia de agência para cada estrofe. “Estudo o perfil artístico de cada artista, qual é o público que ele tem, a região tonal, a dicção e as limitações vocais. Pensamos nisso antes de compor. Nós poderíamos compor uma música no estilo Sandy, para cantar muito e que falasse sobre o amor pelo fulaninho que acabou, mas você consegue imaginar a Valesca cantando isso?”, questiona.

Já faz tempo que “Beijinho no Ombro” não é apenas um hit. Até a personagem de Fernanda Montenegro na novela “Babilônia” utilizou do jargão para rebater o recalque de quem era contra as cotas raciais. Até então conhecida mais pelo linguajar pesado e o bumbum de fora, Valesca buscava uma carreira mais comercial quando a dupla chegou com a canção. Eles já haviam batido na porta de Ludmilla (na época ainda MC Beyoncé), Anitta e tinham propostas de compra por parte do empresário de MC Pocahontas. “O pessoal da Valesca respondeu mais rápido e eu nem imaginava. Ela não estava em alta e era mais ligada a outro tipo de música, mais vulgar, mas dissemos sim. Estaríamos reinventando a Valesca”, salienta.

Duelo de esculachos
Há cinco anos, a realidade era outra. Wallace tentava a carreira artística como cantor, compondo inclusive para Sorriso Maroto e Rodriguinho, enquanto André dedilhava no violão composições próprias de MPB. Mais afeito aos holofotes e ao gosto popular, Wallace insistiu para que o amigo focasse o talento em algo mais comercial. Conhecedor dos tempos áureos quando era a MPB que vendia, André não titubeou: “Sou formado em administração, sempre tive essa visão do marketing, do que é comercial e do o que é vendável”, explica.

Juntos, compuseram para Buchecha, Naldo e Aviões do Forró. “Beijinho no Ombro” foi apenas a segunda canção da dupla. Como exercício, se propuseram a fazer uma música inteira com frases de efeito. “Eu vou te mandar um esculacho e você me responde com outro”, Wallace direcionou. Enquanto ele dizia: “Desejo as todas inimigas vida longa para que elas vejam a cada dia mais nossa vitória”, André rebatia: ‘Bateu de frente é só tiro, porrada e bomba’.

Para o refrão, Wallace se lembrou do amigo gay da irmã que usava a gíria em momentos distintos: quando pegava um ‘bofe lindo’ ou quando alguém lhe encarava. “Era como se a pessoa se tivesse se benzendo para o recalque passar longe, beijinho no ombro porque eu me amo, beijinho no ombro para fechar nosso bonde. E puft, estava pronto’”, relembra.

Beijinho

  • Estudo o perfil artístico de cada artista, qual é o público que ele tem, a região tonal, a dicção e as limitações vocais. Pensamos nisso antes de compor. Nós poderíamos compor uma música no estilo Sandy, para cantar muito e que falasse sobre o amor pelo fulaninho que acabou, mas você consegue imaginar a Valesca cantando isso?

    Wallace Vieira, compositor


Ações musicais
No ano passado, a dupla se sentiu segura financeiramente para abandonar os respectivos empregos e se dedicar à fornalha de hits, onde não apenas o recalque como também a modéstia passam longe. “As músicas são como ações. Fazemos uma tabela e cobramos pela liberação. Se você quer só gravar, é x. Se você quer a música com exclusividade, é outro tanto. Sertanejo custa uma coisa, funk custa outra. E claro, hit é sempre mais caro”, observa Wallace.

A certeza de um hit certo, claro, não depende única e exclusivamente dos compositores. “Eu pego um carvão de 1 tonelada e isso tem que ser lapidado para virar um diamante, tem que ter investimento, ser bem produzido, tem que ter assessoria, um bom tratamento nas redes sociais”, explica André. “Sempre sentimos quando surge um hit, mas para ele ser vendido em uma joalheria de ponta, para um bilionário comprar, é todo um processo”, completa Wallace.

“Beijinho no Ombro” é, de fato, a jóia mais brilhante no mostruário da empresa, mas a dupla já escreveu para MC Gui (“Segue o Fluxo”), MC Biel (“Boquinha”), Mc Marcelly (“Pega a Fita), Camila Ukers (“Quem Nasceu Piriga”),  e aposta em outra gíria gay, “Põe a Cara no Sol”, para o single da cantora Naiara Azevedo.


Com Valesca, a dupla compôs os outros singles da cantora, “Eu Sou A Diva que Você Quer Copiar” e “Sou Dessas” – o novo single da carioca que ganhará em breve uma versão com Claudia Leitte. O primeiro disco de Valesca também está prometido para este ano e será composto pelas composições da dupla. “Somos praticamente os diretores musicais dela”, conta Wallace. “Ela passa tanta verdade quando canta que começou a ser chamada de pensadora contemporânea.”

Os jovens cariocas se abrem para detalhar o processo criativo por trás dos hits radiofônicos, mas fogem quando o assunto é quanto cada um desses sucessos rendem na conta. “Já escutamos histórias de compositores sertanejos que compraram até um apartamento. E detalhe, era uma música que nem estourou”, comenta André. Eles negam que sejam o caso deles.

Pronto para começar a compor no endereço da produtora, Wallace conta que já passou a fase em que chegava a vender uma música por R$ 10 mil para um artista assinar como composição própria. “Hoje não é interessante”, rebate. “Você é artista e eu tenho um hit pancada, quanto você pagaria? Se você falar R$ 10 mil, eu vou vender por R$ 20 mil. Se você falar R$ 1 mi, eu vou falar R$ 2 mi. Eu vou me valorizar.”