Entre a devoção e a piada, Manowar diz ser único que faz metal "de verdade"
Junte os principais os estereótipos relacionados ao heavy metal: roupas de couro, caras de mau, letras sobre guerreiros, tom épico nas canções, sentimento de perseguição, heroísmo e, acima de tudo, muito barulho. Misture tudo isso com o visual das histórias de Conan, o Bárbaro, com músculos à mostra e poses de luta. Adicione uma forte pitada de paixão quase religiosa nos fãs: o resultado é a banda mais controversa da história do rock pesado, o Manowar.
Manowar é uma banda americana de heavy metal surgida nos anos 1980 e vai ser uma das principais atrações do domingo (26), segundo dia do festival Monsters of Rock, em São Paulo. O grupo é seguido fielmente por fãs, mas costuma ser desdenhado por outros metaleiros que não os levam a sério. Enquanto isso, quem olha de fora sem conhecer bem o estilo ou o próprio Manowar acaba se questionando sobre o que realmente está acontecendo quando a banda aparece.
A banda é classificada tradicionalmente como parte do "power metal", estilo que se desenvolveu especialmente na Europa, e que tornou o metal mais melódico e veloz, abusando de temas épicos e medievais. O Manowar surgiu em Nova York como uma versão diferente, com uma postura mais "máscula", mais "homem das cavernas", e resolveu se colocar como membro de um subgênero do metal próprio da banda: surgiu assim o "true metal", ou metal verdadeiro.
"Queríamos estar um passo adiante de tudo o que havia na época", disse o ex-guitarrista Ross the Boss em entrevista a um documentário sobre o estilo. e foi o que o Manowar fez, em todos os sentidos. Enquanto o metal melódico europeu se colocava no lugar dos menestréis medievais que cantavam as batalhas épicas, o Manowar queria ser o próprio herói que enfrenta essas lutas históricas em defesa do heavy metal. A partir dali, todas as bandas e fãs que não concordassem com a superioridade do Manowar seriam caracterizados como falsos fãs de metal: "posers" - o que também acabou afastando muitos ouvintes que até poderiam simpatizar com a banda, mas serviu para tornar os fãs ainda mais radicalmente ligados ao Manowar.
O antropólogo Sam Dunn, autor de uma série de documentários que melhor explicam o heavy metal como um fenômeno cultural, respondeu certa vez que não é fã de Manowar. Ele tentou entrevistar o líder da banda para o episódio que dirigiu sobre power metal, mas o baixista Joey DeMaio acabou não aceitando falar com ele. "Quando você pensa em power metal, definitivamente a maior banda, e a maior banda americana que vem à cabeça é Manowar", disse Dunn em uma entrevista. "A história do power metal realmente não está completa sem eles."
Amor, ódio e ironia
"Manowar é uma banda séria?" A pergunta foi lançada em um fórum sobre música na internet, e abriu um debate que simboliza bem o lugar que o grupo tem dentro da música. Muitas respostas explicavam que, sim, aquilo é tudo verdade. Mas tinha muita gente levantando a mesma dúvida, sem entender o que leva uma banda a levar o tema épico de suas canções tão a sério em sua atitude.
A dúvida sobre a seriedade da banda é válida. Para quem não conhece Manowar, ver as capas dos discos com uma temática que lembra Conan, ouvir as canções com tom épico e o discurso de "gladiadores do metal" faz lembrar muito o Spinal Tap e questionar até que ponto aquilo poderia ser pura ironia.
Tema de um documentário fictício bem popular nos anos 1980, Spinal Tap era apresentada como "maior banda do mundo", e o filme ironizava a postura das bandas de metal e todos os estereótipos e clichês relacionados ao estilo. Era uma versão original do que surgiria mais tarde no Brasil com o Massacration, uma banda para ironizar o estilo. A referência é inevitável, até mesmo por conta do volume das duas bandas. Manowar é aclamada internacionalmente como a "banda mais barulhenta" do mundo. No filme, Spinal Tap consagrou a expressão aumentar o volume até o 11, uma referência a tanto barulho que é preciso ir além do tradicional 10 que limita o volume máximo em caixas de som.
O melhor de fenômenos como o Spinal Tap e o Massacration foi que muitos metaleiros se identificaram com as duas ironias e conseguiram rir de si mesmos, continuando a gostar das músicas pesadas mesmo assim. Isso é o que separa definitivamente o Manowar do Spinal Tap. Por mais que haja muitos fãs de metal que até ouvem Manowar, mas não os levam a sério ou acreditam na postura de "metal verdadeiro", os fãs de verdade da banda americana costumam ter uma postura radical e rejeitar ironias.
Isso ficou em evidente em uma passagem recente do Manowar pelo Brasil, quando o crítico musical Régis Tadeu criou fúria entre os milhares de fãs no país. Depois de chamar a banda de "patética", o crítico foi ao show em São Paulo para questionar os fãs o que os fazia gostar tanto de Manowar. Acabou sendo xingado de forma bem ameaçadora pelos seguidores dos "guerreiros que lutam pelo metal", em uma postura que lembra mais um culto, ou uma torcida organizada, de que a de fãs de uma banda.
É verdade que os fãs radicais entrevistados pelo crítico não conseguiram explicar a paixão pelo Manowar, mas para entender o Manowar e seu efeito sobre o público, vale se voltar aos documentários de Sam Dunn mais uma vez. Em seu primeiro filme, "Metal, A Headbanger's Journey", Dunn diz que o estilo metal é uma cultura que transcende o cotidiano e permite que as pessoas passem por um processo de catarse, passando a se sentir envolvidos em uma realidade separada, que dá um teor mágico à vida delas. "Ou você sente, ou não. Se o metal não lhe dá uma enorme sensação de poder, e arrepia os cabelos da sua nuca, você pode nunca entender".
Ao radicalizar os clichês e estereótipos relacionados ao heavy metal e criar uma cultura parecida com um culto, o Manowar elevou ao volume 11 essa explicação para a relação dos metaleiros com o estilo.
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