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"Se você tem alma, nunca deixe de sonhar", diz "novato" Charles Bradley

Chales Bradley se apresenta no primeiro dia do Coachella, na Califórnia, em abril - Rich Fury/Invision/AP
Chales Bradley se apresenta no primeiro dia do Coachella, na Califórnia, em abril Imagem: Rich Fury/Invision/AP

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

23/05/2015 09h11

Charles Bradley, 66 anos, comeu o pão que o diabo amassou. Abandonado pela mãe ainda bebê, o cantor chegou a morar nas ruas de Nova York, dormindo em vagões e estações de metrô.

Na idade adulta, aprendeu o ofício de cozinheiro para sobreviver, mas queria mesmo era ser James Brown. Passou anos batendo de porta em porta na busca pela tão sonhada oportunidade em uma gravadora. E ela viria. Mas quarenta anos depois, com o lançamento de "No Time For Dreaming" (2011).

"Havia muita coisa acontecendo nos Estados Unidos naquela época. E havia também muita segregação e racismo. Era difícil para um negro como eu chegar e fazer algo novo", conta ao UOL, por telefone, a voz sofrida e naturalmente rasgada voz do cantor.

Bradley faz neste sábado (23), no Sesc Pompeia, o primeiro de dois shows em São Paulo. Chance para quem perdeu a elogiada estreia no Brasil, em 2012, na Virada Cultural, e se antecipou —todos os ingressos estão esgotados.

É o sucesso "cult" de um tipo de soul não se vê nem se escuta mais por aí. Com vocal visceral, à la Otis Redding, Charles mistura letras autobiográficas ao balanço e passos irresistíveis de James Brown —de quem ele fazia covers até os anos 1990.

O caminho para chegar até aqui, claro, foi de espinhos. Enquanto contemporâneos como Al Green, Bill Withers e Bobby Womack estouravam nos anos 1970, Charles tinha de se virar para pagar as contas trabalhando em um restaurante da minúscula Bar Harbor, no pouco auspicioso Estado americano do Maine. 

"Eu sentia raiva. Era muito difícil compreender. Por isso hoje tenho um sentimento agridoce", desabafa o músico. "Naquela época, eu ia para Hollywood bater de porta em porta, implorando por uma oportunidade. Sofria racismo. Uma vez chamaram até a polícia para me prender, dizendo que eu não poderia fazer isso."

Charles Bradley

  • Tive a chance de conhecer James Brown, Bobby Woomack, todos esses caras. E eles me ensinaram que, se você tem alma, cara, se você é um homem, continue fazendo o que o você tem de melhor. Nunca deixe de sonhar.

    Charles Bradley

Hoje cantando para o mundo, Bradley se diz grato por tudo que conquistou. É, enfim, um homem livre. "Isto é o soul: poder dizer o que passa na sua cabeça, o que você não coragem de dizer em outras situações da sua vida, por medo de perder a cabeça ou o emprego."

Além da letras intimistas, uma das mais fortes marcas artísticas do cantor é a elasticidade sonora. Incentivado por sua Menahan Street Band, ele vem gravando, estilizados, clássicos de Neil Young ("Heart of Gold"), Black Sabbath ("Changes") e até do Nirvana ("Stay Away").

"Gosto de rock, mas não de 'acid rock'. É muito pra mim", contemporiza. "Quando soube que teria que falar 'rather be dead than cool' [`preferia estar morto a ser legal', da letra do Nirvana], disse que não queria mais essa, que eu preferia ser legal (risos). Mas eles me contaram a história do autor [Kurt Cobain], que cometeu suicídio. Você tem que entender o significado."

Parte do reconhecimento tardio de Bradley é fruto do documentário "Soul of America", dirigido por Poull Brien em 2012. Um tributo à história daquele que é, provavelmente, o maior propagador da soul music clássica. Um sobrevivente.

"Tive a chance de conhecer James Brown, Bobby Woomack, todos esses caras. E eles me ensinaram que, se você tem alma, cara, se você é um homem, continue fazendo o que o você tem de melhor. Nunca deixe de sonhar."