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The Cure só percebeu que era grande no Brasil; veja os percalços da banda

Do UOL, em São Paulo

02/06/2015 16h16

Escrita pelo jornalista australiano Jeff Apter, ex-editor da revista “Rolling Stone”, a biografia “Nunca é o Bastante: a História do The Cure” chega ao Brasil revelando histórias e percalços de uma das bandas de rock mais cultuadas dos últimos 30 anos.

Focando principalmente a fase inicial do grupo inglês, o livro reconstrói a figura errática e misteriosa do vocalista Robert Smith, um jovem obcecado por Bowie, Hendrix e Nick Drake, que logo se deu conta de que suas letras inspiradas em escritores como Albert Camus e Jean-Paul Sartre precisavam falar mais diretamente com o público.

A narrativa mostra que o sucesso veio aos poucos, depois de muitos perrengues. Desde o começo, o caminho do grupo foi atribulado, marcado por brigas internas e uma relação difícil com a mídia, passando por rejeições, polêmicas e estafa mental e física, provocada pela rotina de shows e uso de drogas.

Parecia pouco provável que, logo em seguida, o Cure venderia milhões de cópias no mundo com os álbuns “The Head on the Door” e “Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me” e “Disintegration”.

No livro, Apter defende que os integrantes, tidos por muitos como os “pais do gótico”, só se deram conta dos astros que haviam se tornado ao desembarcar pela primeira vez no ensolarado Brasil, em 1987.

Veja a seguir algumas histórias extraídas da biografia.

Brigas no Malice (banda pré-The Cure)

“No tipo de cena que se repetiria várias vezes em diversos momentos e lugares nos primeiros anos do The Cure, o curto show do Malice terminou em caos. Quando [o baterista Lol] Tolhurst assumiu o microfone para cantar 'Wild Thing', um humilhado [guitarrista Porl] Thompson lhe deu um soco, espantado com a ousadia dele em profanar uma canção tocada por Hendrix. Não foi a primeira vez que punhos cerrados e raivosos foram levantados em um show do The Cure, embora Tolhurst não se recordasse muito da agressão quando conversamos. 'Não me lembro de nenhuma briga com Porl, pelo menos naquela época', afirmou (...) Então Robert Smith, não pela última vez, reagiu de acordo: dissolveu a banda."

Rejeitados pela BBC

"Aos poucos, as respostas [de gravadoras] chegaram —nenhuma delas positiva. No final de junho de 1978, a Phonogram e a então Island disseram 'Não, obrigado'. O trio também tentou mandar uma inscrição para a competição “Band of Hope and Glory”, da BBC, que fazia parte do programa David 'Kid' Jensen Show. A resposta da BBC, datada de 29 de junho, foi digna do feedback que eles estavam recebendo: 'Infelizmente, não podemos usar seu grupo”, escreveu Tony Hale, produtor da Radio One. (...) 'Espero que esta resposta não seja muito decepcionante: sempre se lembrem de que a música é uma área subjetiva, então, quando vocês venderem seu primeiro milhão de discos, saberão que estávamos errados'."

O "horrível" primeiro disco

"Robert Smith se tornou um dos maiores críticos de 'Three Imaginary Boys', detonando o álbum com frequência desde seu lançamento. Chegou até ao ponto de declarar que, se abasse sendo o primeiro e último LP da banda, 'eu teria ficado enojado por aquele ter sido meu único registro na música'. Ele compôs as músicas que foram gravadas para 'Three Imaginary Boys' sem uma ideia real do público do The Cure ou do tipo de direção musical com a qual esperava conduzir a banda, uma situação nada incomum para um grupo ainda em fase de aprendizado. E isso pôde ser notado. 'Tocávamos cerca de 50 músicas na época', declarou, 'principalmente em pubs e para pessoas que não se importariam se caíssemos mortos'."

Crítica impiedosa 

"Em uma resenha admirável por sua inquietude, [Paul] Morley [da revista 'NME'] criticou cada aspecto do LP de estreia do The Cure. Para começar, sentia —não erroneamente— que a banda não tinha ideia de qual mensagem tinha que dividir com o mundo, se é que essa mensagem existia. 'Os rapazes abusam de simbolismo insignificante e juntam isso a uma obliquidade rude e sem alma. Estão tentando nos dizer algo. Estão tentando nos dizer que não existem. Estão tentando dizer que tudo é vazio. Estão fazendo papel de bobos.'"

Plágio em "Just Like Heaven"?

"'Just Like Heaven', claro, foi outro momento mágico de Robert Smith como compositor; junto com 'In Between Days' e 'The Lovecats', é uma canção pop quase perfeita. A melodia de 'Just Like Heaven' surgiu para Smith em Maida Vale durante mais uma fase de bebedeira intensa em sua vida. Ele admitiu que, em 1987, precisava estabelecer um regime de compor dia sim, dia não, 15 dias por mês (...) Assim que terminou 'Just Like Heaven', percebeu que era uma boa música pop, provavelmente ótima —mesmo com a estrutura lembrando um pequeno sucesso do The Only Ones de 1979, 'Another Girl, Another Planet'. Essa semelhança não foi ignorada por Smith. 'Ainda consigo me lembrar nitidamente de ouvir [´Another Girl´] no rádio tarde da noite nos anos 1970. Introduzi algumas mudanças de acorde, que dão aquela sensação levemente melancólica'.

Primeira turnê brasileira em 1987

Na segunda noite no Gigantinho [em Porto Alegre], o Cure estava tão exausto com o calor e o barulho que precisou tomar oxigênio antes de tentar um bis (...) Três dias depois, a banda estava em Belo Horizonte para um show diante de 20 mil fãs no Mineirinho. O calor e a multidão eram tão intensos quanto nos shows anteriores na América do Sul (...) Mais do que qualquer loucura que havia acontecido antes, na terceira semana da turnê o Cure sabia que estava em um estranho universo pop. A banda foi a um jogo de futebol entre Vasco e Bangu, no Maracanã. Depois que se sentou no camarote da diretoria, quase caiu para trás quando o imenso placar eletrônico mostrou uma simples mensagem: O BRASIL DÁ BOAS-VINDAS AO THE CURE. Era oficial: o Cure era muito grande.