Topo

Cantora do mercadão de Belém leva o ritmo acoxadinho para fora do Pará

Gina Lobrista

  • Minha versão [da música 'Estou Apaixonado Por Você'] ficou mais bonita que a do Roberto Carlos

    Gina Lobrista, cantora do Pará

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

03/06/2015 05h00

O mercado popular Ver-o-Peso, em Belém (PA), é o lugar certo para quem quer se perder em um labirinto de alimentos, ervas, cores e cheiros. O lugar, no entanto, também serve de palco para a cantora Gina Lobrista, que levou o ritmo acoxadinho para além da baía do Guajará. No final de maio, Gina cantou para um público animado na festa paulistana Mel e garante que já estão surgindo convites para cantar em outras cidades.

Munida de caixa de som e microfone, além de CDs que vende a R$ 5 cada, Gina, que ganhou do pai o apelido "Lobrista" graças à musa do cinema italiano Gina Lollobrigida, pode ser encontrada quase todos os dias no mercado, cantando o seu acoxadinho, ritmo que tem esse nome por fazer com que as pessoas dancem coladinhas, "ralando as coxas".

Com seus longos cabelos negros, pele morena, olhos pequenos e artesanato indígena, a índia apaixonada, como gosta de ser chamada, ainda conta com a ajuda de Mr. Bacalhau, que empurra para Gina a bike-som e que, segundo ela, a ajudou ser bem aceita no Ver-o-Peso. 

Gina explica que a diferença entre o acoxadinho e o arrocha está nos instrumentos musicais. “O nosso [ritmo] tem mais uma gingada da guitarrada paraense, uma guitarra chorona. No arrocha, você ouve mais o teclado. É mais seco”, diz ela, que desistiu do melody, outra vertente musical popular no Pará, porque “não dava conta” de cantar, dançar e ainda manter o tom da voz lá no alto.

“É melhor que Roberto Carlos”

A fama da cantora começou a cruzar os limites do Ver-o-Peso quando um grupo de estudantes se ofereceu, em setembro do ano passado, para gravar um clipe de sua música de mais sucesso: uma versão de “Estou Apaixonado por Você”, de Roberto Carlos. No clipe, que já tem mais de 60 mil visualizações do YouTube, ela vive o dia-a-dia do mercado: descasca mandioca, prepara e vende comida. “Tudo que eu faço no clipe já vivi”, disse ela.

Conhecendo o histórico do Rei com questões de direitos autorais, Gina diz que teve receio de ficar divulgando a música “porque a minha versão ficou mais bonita que a do Roberto Carlos”, diz ela, sem medo de parecer pretensiosa. Gina, no entanto, diz não se preocupar em ser processada. “Se um dia ele [Roberto Carlos] entrar na Justiça, não terei medo, porque eu não tenho nada para dar para ele”, diz ela, que junta dinheiro para comprar uma casa.

Vida que daria um filme 

A infância e adolescência sofridas de Gina Lobrista também poderiam render um roteiro de cinema. Nascida em Recife, Gina Severina da Silva, nome de batismo, mudou-se com a família aos quatro anos de idade para os arredores de Serra Pelada, no Sudeste do Pará, região que nos anos 1980 vivia o auge da “febre do ouro”.

Foi lá, inclusive, que a cantora começou a se aproximar da música. A casa simples, mas espaçosa, que abrigava Gina e seus oito irmãos servia de hospedaria para astros como Leandro & Leonardo, Raul Seixas, Odair José e Amado Batista, que na época animavam os trabalhadores do garimpo com apresentações musicais.

A irmã, Geanny Ginos, foi a primeira a tentar carreira de cantora. Para ajudá-la, Gina exercia a função de produtora e batia de porta em porta vendendo os CDs de Geanny, que ainda se arriscava no melody. O sucesso, no entanto, não vinha. Os convites para apresentações eram escassos, e a vontade de Gina ser famosa só crescia. 

Tristeza no Raul Gil

A primeira gravação de Gina foi a faixa “Amor Estrangeiro”, composta por sua mãe. Foi com essa música que a cantora se inscreveu para participar do programa de calouros de Raul Gil, em 2010, o que acabou se tornando uma decepção. “Sem saber como me vestir para o programa, eu me inspirei em Gaby Amarantos e Joelma, e juntei [o estilo das] duas na mesma roupa. Os jurados detonaram meu vestido brilhante, criticaram meus erros de português, falaram que desafinei”, conta.

Segundo a artista, aquilo a deixou em depressão. Gina, no entanto, prefere guardar ensinamentos e não mágoas do episódio. Hoje, diz que representa de fato o seu Estado, além de cantar e se vestir muito melhor. 

Para o fim do ano, ela prepara um EP ao lado do DJ e produtor equatoriano Ata Wallpa, que é também seu namorado. Juntos, eles devem deixar um pouco o acoxadinho de lado para se entregar ao carimbó digital, ritmo típico do litoral do Pará com acréscimo de batidas eletrônicas. Apesar de já ser conhecida entre os descolados do eixo Rio-São Paulo, a cantora diz que ainda ganha pouco com seu trabalho musical: cerca de R$ 3 mil, que são usados para promover sua carreira, além de construir a tão sonhada casa própria. 

O sucesso vem aos poucos, mas ela diz que nada vai mudar para os fãs de acoxadinho no Ver-o-Peso. “Eu tenho certeza de que serei muito famosa, mas quero fazer diferente de certos artistas que dizem que são do Pará, mas não pisam mais aqui. Quero continuar cantando no mercado. Sou artista de rua.”