Loja virtual da Apple se nega a vender álbum brasileiro com mamilos na capa
Uma das revelações da música brasileira em 2014, a cantora Juçara Marçal teve a capa de seu primeiro álbum, o elogiado "Encarnado", barrada pelo iTunes. Ela e o autor da arte do disco, o guitarrista Kiko Dinucci, foram notificados no último dia 25 de maio pela Apple, que se negou a publicar a ilustração original: uma mulher negra e nua segurando um tecido vermelho na cabeça.
Segundo os músicos, a empresa exigiu, sem explicar o motivo, a apresentação de uma versão alternativa do desenho. Inconformada, Juçara decidiu então boicotar a plataforma, disponibilizando o álbum apenas em serviços de streaming, incluindo os concorrentes Deezer, Spotify e o Rdio.
Lançado on-line e de forma independente no ano passado, "Encarnado" chegaria à loja virtual nesta terça (2), em uma parceria com o selo Laboratório Fantasma.
"Suponho que houve censura. Mas, dadas as circunstâncias, é difícil saber o critério", diz Juçara por telefone ao UOL. "Sou mulher negra, e a figura na arte é negra, o que poderia nos levar a crer que houve racismo e machismo. Mas não dá pra saber. Pela quantidade de exemplos de discos, de várias épocas, gêneros, com vários tipos de capas que trazem imagens igualmente estampando mamilos, dá pra imaginar que houve uma tentativa de cercear um trabalho notadamente independente e alternativo. Mas não dá para saber."
"De minha parte, não faz a menor diferença ter um disco lá [no iTunes]. A diferença, pra mim, está na possibilidade de produzi-lo com os músicos, as músicas e a arte que eu bem entender. Essa é a diferença", desabafa.
Para Dinucci, que também demonstrou surpresa com o veto, a decisão da Apple teria a ver com o fato de Juçara não estar associada a uma grande gravadora —e também a um possível racismo. Ele cita títulos como "Mamonas Assassinas" (1995), "O Samba Poconé" (1996) e "O Rock Errou" (1986). Todos comercializados no iTunes trazendo foto ou desenhos de seios nus na capa. "Esses são de grandes gravadoras, discos antigos, e as modelos são todas brancas", diz.
Procurada pela reportagem do UOL nesta quinta (3), a Apple afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não irá comentar o caso.
Histórico de vetos
Esta não é a primeira vez que o iTunes se nega a exibir capas de discos consideradas "impróprias". Para entrar na loja virtual, o grupo americano de hip hop Death Grips precisou desfocar a arte do álbum "No Love Deep Web" (2012), que exibe a imagem de um pênis. No início deste ano, o cantor brasileiro Jonas Sá também passou por problema semelhante, obrigado a cobrir as partes íntimas de uma modelo com um cacho de banana no álbum "Blam! Blam!".
"Tanto o 'Encarnado' quanto o disco do Jonas Sá, que foram censurados, trazem mulheres são negras. É possível que seja até uma censura racial, mas o iTunes não explica nada a respeito", reclama Dinucci. "A capa é de 'Encarnado é um desenho, uma mulher em êxtase, em transe, com o colo nu e um tecido no rosto. Não tem nada de erótico."
A possível censura da gigante da tecnologia vem repercutindo entre os seguidores de Juçara Marçal e Kiko Dinucci nas redes sociais. Vários internautas saíram em defesa da capa, denunciando uma postura supostamente censora e moralista (veja imagens no álbum abaixo).
Juçara Marçal, que cantou no último álbum do cantor Criolo, está atualmente em turnê com o grupo Metá Metá na Suíça. Nesta quinta (4), ela e Dinuccu partem para se apresentar no Marrocos.
Elogiado pela crítica, "Encarnado" foi incluído na enquete de melhores álbuns nacionais de 2014 feita pelo UOL em dezembro. O álbum também figurou na lista de melhores da edição brasileira da revista "Rolling Stone" e venceu o prêmio Multishow na categoria música compartilhada.
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