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Maria Gadú lança álbum e afirma que novo show não terá "Shimbalaiê"

Anderson Baltar

Do UOL, no Rio

03/06/2015 06h30

Em um casarão em São Conrado, no Rio de Janeiro, Maria Gadú ensaia exaustivamente com sua banda e prepara a sua volta à cena com a turnê do seu novo álbum. “Guelã” chega às lojas nesta semana, mas já está disponível, desde 18 de maio, em plataformas digitais como o Deezer, o Spotify e o iTunes.

Com um tom mais intimista, de sonoridade inusitada e marcada por muitas guitarras, o novo trabalho da cantora começará a ganhar os palcos do país a partir desta sexta (5), com três apresentações concorridas no Auditório Ibirapuera – devido à grande procura por ingressos, um show extra teve de ser agendado. Nesta entrevista, a cantora paulistana fala sobre o processo de criação de “Guelã” e sobre os rumos da música através de sua relação com a internet.

UOL – Você está lançando “Guelã”, um disco de estúdio após quatro anos. Por que a demora em trazer material novo para os seus fãs?

Maria Gadú – Tudo tem sua hora. Não houve uma afobação de querer encher linguiça na minha carreira com trabalhos em que eu não tivesse tanta convicção. Não faço disco só para cumprir tabela, para entrar na lógica do mercado. Durante esse período eu não estava pronta, ainda não tinha a coerência e convicção necessárias e esperei as minhas ideias, canções e a sonoridade ficarem homogêneas. Demorou bastante, mas eu dei o tempo que precisava ter para me sentir, no mínimo, aliviada.

De que forma o álbum reflete esse momento de buscar novas sonoridades e experiências?

Com certeza, é o reflexo de vários silêncios e de várias escolhas que levaram ao meu silêncio. Pode ter parecido um período sabático, mas não foi. Não descansei e parei para pensar na vida. Não parei de fazer shows e trabalhei para caramba estudando. Foi ralação. Mais transpiração do que inspiração. Estudei muito, pegava um instrumento durante horas e treinava a mecânica de tocar. Foi um período importante para reconhecer coisas boas e ruins – mais ruins do que boas – do meu trabalho e da minha vida. Isso fez esse disco ser como ele é – muito pessoal. É um álbum bastante introspectivo.

O que você experimentou de diferente nesse período? Alguém que você passou a ouvir e se tornou influência para o seu trabalho?

Milhares de coisas... desde os amigos que são estrangeiros e tocam outro tipo de canção, mais elaborada em cima de texturas e sonoridades, até coisas que já estão aí há muito tempo e eu nunca tinha prestado atenção. Já gostava muito, mas ouvi com muito carinho toda a discografia do Radiohead, que consegui comprar em uma bodega em Paris. Comprei e ouvi os CDs meticulosamente. Isso abriu, ampliou bastante meu campo de percepção, entendimento e conhecimento. Eu não paro e não me canso de ouvir Caetano. Nunca ouvi tanto.  Dez vezes toda a discografia. Do primeiro até a última canção do “Abraçaço”. 

E de que forma essas influências foram se misturando com seu trabalho?

Acho que foi me abrindo a vontade de tocar guitarra, de descobrir novos sons, de saber quais são minhas limitações como musicista, como cantora, como pessoa. Me permiti. Tolhi várias coisas na minha vida para ter essa clareza sobre que tipo de música que eu faço.

Como foi o processo de composição desse álbum?

Ele foi genuíno. Esse álbum é quase uma carta de um período. É um diário. Eu não escrevi 200 canções e pincei dez. Nesse período eu fiz, se muito, 15 músicas e escolhi dez. Para mim fechou exatamente a história que eu queria contar. De repente as outras cinco canções não são ainda coisas que eu esteja preparada para expor.

Elas não refletem tão bem o período que você passou?

Eu não escolhi as canções para um momento. O momento é que foi escolhido pelas canções. E existem coisas que você escreve, principalmente quando você compõe de forma autoral e pessoal, que você não quer expor. Ainda não está na hora dela. É uma forma de você externar sentimentos, pensamentos e sensações. Tem algumas canções que me dão até medo.

Qual foi a canção que saiu mais fácil?

Todas. Eu não suei muito com a composição. Elas são genuínas. O disco foi burilado, mas canções existem. Elas nasceram como são. Se a música tem três minutos, foi esse o tempo que levei para compor. E as canções são bem curtas porque não quis repetições. Elas começam e terminam, sem repetir estribilho ou trechos. 

Apesar de ser um disco intimista, o que poderia dar a ideia de feito para voz e violão, você usa muita guitarra. Como surgiu essa paixão pelo instrumento?
 
Não chega a ser uma despedida do violão, já que ele abre e fecha o disco. Mas a intimidade não é definida pelo instrumento e, sim, pela forma como você o toca. Uma bateria pode ser íntima ou pode animar uma festa. E eu sempre tive uma relação forte com o violão, era o meu cavalo, que me levava aos lugares para tocar, que me ajudava a criar as canções. A guitarra foi algo que me assentou nos lugares. Que me deu eixo.
 

Gadú 1

  • Ivo Gonzalez/UOL

    Não sou prisioneira. Se eu fosse, eu a tocaria sempre (risos). Às vezes rola, quando o pessoal pede no bis, quando o clima está legal. Mas a estética 'Shimbalaiê' não cabe nesse momento. Mas dá para pinçar coisas antigas, que eu tinha gravado, mas que eu nunca tinha feito no show.

    Maria Gadú, explicando por que não toca mais "Shimbalaiê"
Durante a entrevista, você disse que tinha acordado cedo para comprar materiais para o cenário do show. Cuidar de todos os detalhes denota uma vontade de que o conceito do álbum e do show não fuja ao seu controle?
 
A gente vive em um momento em que todo mundo está meio sem grana. Todo mundo está se virando, fazendo em casa, artesanalmente. E para mim, pensar o show é uma coisa que soluciona musicalmente. Estou vendo os detalhes, como a luz. Estou dando o meu toque pessoal. E como o show é intimista, é melhor que eu converse com o iluminador do que ele tentar adivinhar minha vontade. Quantas funções eu tiver, eu vou fazer. Eu sou um soldado. Eu cresci tocando na rua. Minha mãe não me preparou para ser superstar. Tenho que colocar a mão na massa para fazer. Já toquei anos em boteco, na rua, em coletivos. 
 
O que podemos esperar do novo show? Qual será o recorte que unirá o novo repertório às canções dos álbuns anteriores?
 
A base do show é o álbum. Ele é o motivo, inclusive, de estarmos indo ao palco. Todas as canções que não são dele serão trazidas para o seu universo. Não faremos um shuffle de coisas que não tenham a ver. É um show do álbum, do começo ao fim. Vai contemplar algumas coisas antigas, mas não muitas. Não vai ter “Shimbalaiê”, por exemplo. Já não tinha...
 
Qual é a sua relação com essa canção? Você se sente prisioneira dela?
 
Não sou prisioneira. Se eu fosse, eu a tocaria sempre (risos). Às vezes rola, quando o pessoal pede no bis, quando o clima está legal. Mas a estética “Shimbalaiê” não cabe nesse momento. Mas dá para pinçar coisas antigas, que eu tinha gravado, mas que eu nunca tinha feito no show.
 
Você sempre teve ótimas vendagens, mas, apesar disso, apostou no pré-lançamento do álbum em plataformas como o Deezer e o Spotify. Como surgiu a ideia e como você se posiciona nessa situação de mercado.
 
Foi interessante para a gente e para as plataformas, para renovar o cenário. Na verdade, uma coisa alimenta a outra. É a nova realidade, não tem jeito. A única pena que eu tenho é que as pessoas estão abandonando o CD. O disco físico é um conjunto de arte. A gente sempre tem o maior preciosismo para fazer capa, encarte, ficha técnica. Há todo um trabalho artesanal que se perde com uma imagem congelada no online. Mas, infelizmente, fabricar disco no Brasil é muito caro. Você vai lá fora e vê CDs, caixas, coletâneas, com todo um conceito de embalagem, texturas, imagens e isso sai muito barato para eles. 
 
Você ainda ouve CD?
 
Muito. Ouço muito CD, compro e vou continuar comprando. Compro vinil também, mas não tenho ouvido porque a agulha da minha vitrola quebrou. Tenho um discman e ligo na caixa de som para ouvir o CD.
 
E as plataformas digitais?
 
Uso mais no celular. Ouço muito para fazer pesquisa. O bom dessas plataformas é que você tem milhões de músicas à disposição e pode fazer verdadeiras viagens. Você pode começar a ouvir Bjork e acabar num projeto artesanal da China. Outro dia, não me lembro o que estava ouvindo e acabei parando numa orquestra do interior do Japão de flautas shakuhachi, que é uma flauta de samurai. E me perguntei: o que estou fazendo aqui? (risos)
 
Para encerrar, como você gostaria que as pessoas se lembrassem de seu álbum daqui uns anos?
 
Eu não sei nem o que elas têm que achar hoje (risos)...  A interpretação é uma coisa tão pessoal... É muita ambição tentar programar o sentimento de uma pessoa. A chance de se frustrar é muito grande.