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Críticos sobre ação contra Zeca Camargo: "Opinião deve ser respeitada"

Felipe Branco Cruz

Do UOL, em São Paulo

23/07/2015 06h00

A crítica que o jornalista Zeca Camargo fez sobre a comoção que a morte do cantor Cristiano Araújo causou nos brasileiros e o espaço que o caso ganhou na imprensa não apenas gerou revolta nos fãs, como também um processo por danos morais movido contra ele pelo pai do cantor.

Mas é certo um jornalista ser alvo de ação na Justiça por ter expressado sua opinião? Será que Zeca cometeu algum exagero? Ou ele simplesmente exerceu a sua função de crítico e seu direito constitucional de se expressar?

Os familiares do artista, os fãs e outros cantores sertanejos entenderam que a crítica foi preconceituosa em relação aos admiradores desse gênero musical. E eles expressaram as suas opiniões nas redes sociais, motivando o jornalista, inclusive, a se retratar. Porém, o pedido de desculpas não pareceu ter sido suficiente. 
 
O escritório de advocacia do cantor confirmou ao UOL na semana passada a abertura do processo contra Camargo. Segundo os advogados da família de Araújo, a ação tem “caráter pedagógico”. Procurado novamente para comentar o andamento do caso, o escritório informou, por meio de uma secretária, que a partir de agora só iria se manifestar oficialmente por meio de seu site oficial. 
 
Para entender se deve ou não haver limites para a publicação de uma opinião e se o processo é legítimo, o UOL falou com dois renomados críticos musicais brasileiros sobre qual é o papel desse tipo de profissional na sociedade. Além disso, foi ouvida também uma advogada especialista na área musical sobre a ação enfrentada pelo jornalista.
 
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Não há dano moral
 
A advogada Silvia Gandelman, 69 anos, especialista na área musical e de direitos autorais, disse que, em seu entendimento, não há dano moral no que Zeca Camargo falou. “Ele fez um comentário do fenômeno social causado pela morte do cantor. Não foi uma crítica direta à qualidade ou não do artista ou da música que ele fazia. Foi, sim, uma crítica à reação popular à morte precoce dele”, disse. 
 
“O sentimento de perder um filho é inexplicável, e ele fica ainda mais exacerbado quando pessoas estranhas falam sobre seu filho. Se falarem mal do meu filho ou do seu, imediatamente também nos sentiremos ofendidos”, explicou a advogada. “Mas, do meu ponto de vista, não foi calúnia, ofensa ou desonra o que Zeca falou”, completou. 
 
Para advogada, que já atuou em diversos processos da área musical, essa discussão é "filosófica" e não deve ter lugar em um tribunal. “Zeca fez uma análise sociológica, e as pessoas entenderam como se ele estivesse diminuindo o valor do rapaz. A discussão sobre o que é música de qualidade existe desde que o mundo é mundo.”
 
Caso a acusação vença, o valor de indenização paga por Camargo, que será definido pelo juiz no final do julgamento, será destinado a um fundo de cultura sertaneja, ainda a ser criado, e à instituição de saúde Casa de Apoio São Luiz, de Goiânia, que tem como mantenedor o cantor Leonardo.
 
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O que é crítica musical?
 
O jornalista Zuza Homem de Mello, um dos mais respeitados críticos de música do Brasil, não acha que Zeca tenha difamado Cristiano Araújo. “É semelhante com o que aconteceu quando quiseram proibir as biografias. O biografado tem o direito de protestar e de entrar na Justiça, mas se o jornalista criticou a obra, sua opinião também tem que ser respeitada”, explicou. 
 
Para Zuza, o que diferencia um crítico bom de um ruim é a sua capacidade de opinar. “Um crítico que disse que os Beatles não iriam durar perdeu a credibilidade. Já aquele que entendeu que os Beatles eram bons se tornou respeitável”, exemplificou.
 
Já o crítico de música Arthur Dapieve contou que processar um jornalista por conta da opinião dele em relação a uma obra é não entender a função do crítico e tomar o texto dele como algo pessoal. “O crítico tem que ser fiel ao seu background, ao seu sentimento. O crítico não está aí para gostar de tudo. Mesmo dentro do segmento do sertanejo universitário, existem bandas que são boas e ruins”, disse. 
 
Para Dapieve, o momento da morte deve exigir uma sensibilidade especial do jornalista, pois os familiares e os fãs estão fragilizados. “Mesmo quem não conhecia o Cristiano Araújo ficou chocado com a circunstância da morte. Todo o mundo tem o direito de processar quem quer que seja. Cabe à Justiça fazer o papel dela. Nenhum jornalista escreve para gerar dano moral. Todo o mundo tem o direito de gostar ou não gostar de algo, principalmente o crítico.”
 
Procurado pela reportagem, Zeca Camargo não foi encontrado para falar sobre o assunto. Em seu blog pessoal, porém, em um texto publicado no final do junho, o jornalista comentou a situação. “Então agora o negócio é comigo. Muito bem. Não tenho medo das minhas opiniões --até porque está claro para mim que minha crítica não era ao artista nem ao seu luto, mas à cobertura dele e ao vazio do discurso sobre cultura no Brasil (essa, sim, tristemente próxima de um livro de colorir)”, escreveu. “Como uma amiga comentou, só posso ser responsável pelo que escrevo, não pelo que os outros entendem. Aceito ser o foco agora desta catarse --até por admiração ao cantor. É disso que os fãs precisam agora? Sirvam-se”, finalizou.

 

Relembre o caso

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Em uma análise encomendada pelo "Jornal das Dez", da Globo News, no dia 28 de junho, Zeca afirmou que o Cristiano Araújo "talvez tenha morrido cedo demais para provar que poderia ser uma paixão nacional".

No texto, ele citou as mortes de Ayrton Senna, Mamonas Assassinas e Lady Di para questionar: "Como, então, fomos capazes de nos seduzir emocionalmente por uma figura relativamente desconhecida? A resposta está nos livros de colorir". Segundo Zeca, esse fenômeno editorial destaca "a pobreza da atual alma cultural brasileira".

A pedido da Rede Globo, o apresentador se retratou em uma aparição no programa "Vídeo Show", mas acabou se confundindo ao trocar o nome do cantor pelo do jogador português Cristiano Ronaldo.

"Gostaria de deixar claro que tenho a maior admiração por qualquer artista, sobretudo o 'Cristiano Ronaldo', que não está mais com a gente, que começou com a gente de uma maneira bonita e estourou. Gostaria de me desculpar com quem talvez tenha entendido mal esse texto", disse.

Após a polêmica, Zeca voltou a se posicionar sobre o caso em um novo texto no site "F5", do jornal "Folha de S.Paulo", afirmando que passou a sofrer "bullying" e que a repercussão exagerada desviou o foco do real motivo de seu comentário.

"Enquanto esses mesmos fãs usam o achincalhamento público como um anestésico para sua dor que é genuína, a questão que me motivou inicialmente a escrever sobre o assunto segue camuflada sobre toda a cacofonia: empobrecemos na nossa pauta cultural".

Reação imediata

A crítica de Zeca Carmargo fez com que internautas protestassem imediatamente nas redes sociais, incluindo sertanejos famosos. Israel Novaes, Fernando e Sorocaba, Marcos e Belutti, Munhoz e Mariano, e Henrique e Juliano publicaram imagens em que aparecem tampando os ouvidos após o apresentador afirmar que "de uma hora para outra, fãs e pessoas que não tinham ideia de quem era Cristiano Araújo partiram para o abraço coletivo". 

"Tentando tapar o ouvido para tanta bobagem. É triste ver em rede nacional o jornalista Zeca Camargo subestimando, nas entrelinhas da sua reportagem, a força da nossa música sertaneja e a força dos nossos ídolos", reclamou Sorocaba, da dupla Fernando e Sorocaba.

A diretora do SBT Silvia Abravanel, filha de Silvio Santos, também não perdoou o global: "Não sei qual era sua intenção quando escreveu esse texto, mas, se era para ser ridicularizado e ofendido pela povo brasileiro, o 'senhor' conseguiu. Respeito é um dever ao gosto de cada um e a falta dele ofende!", escreveu.