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Com novo disco, Emicida leva discussão sobre racismo às rádios

Emicida apresenta o álbum "Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa" - Jose de Holanda
Emicida apresenta o álbum "Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa" Imagem: Jose de Holanda

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

12/08/2015 09h11

Quando Emicida lançou a música “Boa Esperança”, a expectativa era de que seu novo álbum viesse voando como uma ruidosa pedrada no telhado de vidro da sociedade. De letra raivosa e clipe incendiário, que reconta a revolta da senzala em uma casa grande contemporânea, a canção é uma das poucas explosões em um álbum leve e pop.

O reggae “Passarinhos”, com participação de Vanessa da Mata, e a bossa rap “Baiana”, em dueto com Caetano Veloso, podem até fazer acreditar que o disco seja inofensivo. Ledo engano. Mesmo com o objetivo muito claro em abraçar um público além do rap, "Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa” é um disco sobre negação do racismo no Brasil e o orgulho da negritude -- é para tocar na rádio, sim, mas é para fazer pensar também.

Capa do disco "Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa...", de Emicida - Divulgação - Divulgação
Capa do disco "Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa...", de Emicida
Imagem: Divulgação
As rimas verborrágicas e violentas já não têm encontrado muito eco no rap popular. Em 2014, Racionais subverteu as expectativas com “Cores e Valores”, considerado um disco americanizado demais pelos fãs xiitas, e Criolo se abriu ainda mais às influências da música brasileira com “Convoque seu Buda”.

Emicida trilha esse caminho desde o EP “Doozicabraba e a Revolução Silenciosa” (2011), mas assim como seus ídolos e contemporâneos, dá um recado para quem acha que ele amarelou ao se abrir para o mainstream: “Eles querem que alguém que vem de onde nóiz vem seja mais humilde, baixe a cabeça, nunca revide / finja que esqueceu a coisa toda / Eu quero é que eles se f****”, ele mesmo diz em “Mandume”, ponto alto do disco.

A viagem de Emicida pela África deu ao rapper um fluxo de consciência. Como ele próprio conta em “Mufete”, gravada por lá, Djavan avisou que quando ele tocasse os pés em Angola, a terra cantaria para ele. Se a influência na sonoridade não foi determinante, as letras do cantor são, em quase sua totalidade, um tratado dançante e animado sobre esses temas caros.

“8” é o melhor exemplo desses dois mundos de Emicida. Com sample de “Negro Drama”, dos Racionais, e batida suingada, ele não amacia: "Finge que segregação é ficção tipo ‘Fringe’ / Assim arrancaram o nariz da esfinge, maluco / Acabou essa porra de ‘o que vem de baixo não te atinge’. Truco!”.

"Mãe" abre o álbum com as reminiscências de sua infância e da própria genitora. Acompanhado de piano climático, ele se recorda: “orgulhozão de andar com os bandidos, troxa, recitando Malcolm X, sem coragem de lavar umas louças”. E arremata “Quando disser que vi Deus. Ele era uma mulher preta”.

A sorte de tantas outras crianças como ele é tema de “Casa”, onde compara que o futuro distópico do best-seller “Jogos Vorazes” é fichinha perto da periferia. E se faltam referências que fujam do mundo normativo, Emicida cria sua própria canção de ninar em “Amoras”: ”Que a doçura das frutinhas sabor acalanto / Fez a criança sozinha alcançar a conclusão / Papai que bom, porque eu sou pretinha também”.

Na vinheta “Trabalhadores do Brasil”, o escritor Marcelino Freire usa figuras da cultura afrodescendente para falar que a abolição ainda não aconteceu: “Seu branco safado! Ninguém aqui é escravo de ninguém!”, sentencia.

As percussões tribais aparecem com mais destaque em “Mandume”, agradável surpresa quase no fim do disco, em que Emicida dá espaço para novos rappers, como Drik Barbosa, Amiri, Rico Dalasam, Muzzike e Raphao Alaafin.

A rajada de rimas dura oito minutos, saúdam as religiões afro – frente a intolerância religiosa –e citam de Claudia Silva, baleada e arrastada por um camburão da PM, a maioridade penal.

A faixa faz lembrar as batalhas de rimas em São Paulo, local onde Emicida e tantos outros despontaram. Os novos nomes, aliás, seguem os preceitos de Emicida em unir, cada vez mais, o fervo com o protesto.  Resta saber se a mensagem será captada.