Topo

Emicida diz que "rasgou folhas" de livros de história após viagem à África

Alexandre Matias

Do UOL, em São Paulo

21/08/2015 13h00


O rapper Emicida lança seu segundo álbum de estúdio, "Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa", em uma série de shows no Sesc Pinheiros, em São Paulo. O primeiro deles é nesta sexta-feira (21). E, antes de subir ao palco com as novas músicas, ele conversou com o UOL sobre os temas que permeiam o trabalho. Segundo ele, "Sobre Crianças..." é um álbum que trata de racismo, mas prefere reforçar a beleza negra e a ancestralidade. "É um disco de exaltação. É mais sobre gostar da gente do que odiar o outro lado".

O disco foi inspirado em uma viagem que ele fez à África e que o fez rever conceitos que aprendeu com os livros de história na escola. "Foi aí que comecei a rasgar as folhas. [Antes, acreditava só no que] os europeus falam há 500 anos sobre a África." O compositor revela também que ficou "desolado" diante da miséria em Luanda, capital de Angola, e que quis homenagear pessoas de lá através da música. "Eu queria que olhassem no espelho e se sentissem bonitas, fortes."

Na conversa, ele afirma que o disco "Sobre Crianças..." ajuda a investigar ancestralidade dos negros brasileiros, que raramente sabem o país dentro do continente africano do qual descendem. "Como conto para minha filha sobre ancestralidade? É África. Japonês não quer que o filho dele ache que é chinês", ele diz. "Minha bandeira é para que se reconheça os pretos como seres humanos, nossa contribuição para a humanidade". 

Rap, redes sociais e passeatas

Uma das novas músicas, "Boa Esperança", ganhou clipe antes mesmo de o disco ser lançado e gerou polêmica. O vídeo mostra a revolta de um grupo de empregados domésticos que resolvem se vingar dos patrões após uma série de maus tratos. Mas, para ele, aquele não é um clipe violento. "Não é para dar risada. Ele te obriga a buscar uma identificação. Não precisa nem compartilhar comigo. Só de você prestar essa atenção aí já consegui o que eu queria."

O rap no Brasil também teve espaço na conversa com Emicida. Segundo ele, o gênero teve seus momentos no mainstream, com Racionais MC's, Marcelo D2 e Gabriel O Pensador, mas que o sucesso comercial nunca se consolidou. "Hip-hop sempre viveu de furar essa bolha". Apesar de algumas críticas, ele defende que os rappers aproveitem as oportunidades que aparecerem para mostrar sua música. "A gente já é pobre no que diz respeito a programas de música na TV aberta. Tem que ir, tem que rolar, tem que ter referência para os moleques."

Emicida comentou sobre a polarização nas discussões em redes sociais ("A gente precisa conversar sobre desigualdade no Brasil. Não pode criticar o capitalismo e já vão acusar de socialista, falar de Cuba. A gente não aprendeu a discordar. Quando vê algo diferente, enche de pedra") e sobre os protestos recentes pelo Brasil.

Ele diz que primeiro deu risada com os gritos de volta da ditadura, mas depois ficou incomodado com "a rapazeada fazendo coro". "Teve cara que foi protestar falando das 18 mortes em Osasco e foi expulso da manifestação. Disseram que protesto da periferia tem que ficar na periferia". Emicida diz que, desde as passeatas de junho de 2013, prefere não se juntar aos protestos, que em sua visão não têm um alvo claro. "Tem maloqueiro, tem pobre de direita e ninguém quer tocar nesse assunto. Ficam querendo dividir em esquerda e direita, mas você vai na quebrada e pergunta quem elegeu o Maluf? Nossas mães, nossas avós... A minha avó é reaça?".