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Opinião: Fim do Black Sabbath deve ser celebrado como uma festa

Jotabê Medeiros

Colaboração para o UOL, em São Paulo

04/09/2015 12h07

Quando uma banda de rock morre, os fãs lamentam copiosamente porque, quase sempre, acontece cedo demais --e, algumas vezes, vem com uma fogueira de vaidades entre vocalista e guitarrista. Mas quando é o Black Sabbath que anuncia gloriosamente a própria morte, 46 anos (e oito vocalistas e 25 músicos) após seu início, é mais aconselhável abrir um bom uísque para brindar. Porque é natural que isso aconteça como uma festa, como a celebração do fim do segundo tempo de uma prorrogação infinita, como aqueles funerais de vikings no qual o morto vai para o mar em uma pira em chamas toda florida e decorada.

O anúncio da última turnê do Black Sabbath, "The End", foi divulgado na quinta-feira (3) em vídeo e veio com esse componente de eufórica celebração. O fim de tudo começa no dia 20 de janeiro de 2016 em Omaha, Nebraska. Por enquanto, vai até dia 30 de abril, na Nova Zelândia. O "mais pesado som de rock jamais ouvido", como diz o vídeo, não tem data para passar pelo Brasil, mas novas datas ainda serão anunciadas.

É natural o tom grandiloquente da despedida: a sobrevida de sua formação original (sem o baterista Bill Ward) já fora uma vitória da longevidade. Na sua última passagem pelo Brasil, há três anos, o guitarrista Tony Iommi, tratando-se de um linfoma, recebia quimioterapia a cada seis semanas. Em abril passado, o próprio Ozzy Osbourne disse duvidar de qualquer agenda de turnês com a sua mítica banda num futuro próximo. "Tony não está legal, não pode fazer planos desse tipo".

É chover no molhado ressaltar a importância e a influência do Sabbath para o futuro. Eles não só inventaram o heavy metal como o conhecemos, mas também todas suas subformas: stoner rock, doom metal, sludge metal. Também materializaram a cenografia do gênero, criando os crescendos ameaçadores de baixo e bateria, os ataques inesperados de guitarra, os vapores sombrios que trouxeram um contraponto à inocência da geração hippie.

Também foram os caras que gestaram o rock and roll sem freio de mão, sem passagem de retorno. "Nunca entre pela porta se você pode atravessar a janela de vidro", dizia Ozzy Osbourne em 1977, no auge de sua consumação pelas drogas e pelas legiões de groupies. Eles estão para o rock como Hieronymus Bosch está para a pintura: estetizaram o pesadelo de sua época, que é o sonho ruim de todas as épocas subsequentes, daí sua atualidade. "Você consegue ouvir o desespero e o perigo das ruas de Birmingham proletária vindo de cada groove deles", disse certa vez o guitarrista Tom Morello, do Rage Against the Machine.

"As pessoas sentem coisas ruins, mas ninguém canta sobre o que é assustador e mau", disse em outro momento o baixista Geezer Butler. "O mundo é uma porra de uma zona, e todo mundo canta sobre as coisas boas. Tentamos aliviar toda a tensão nas pessoas que nos ouvem para tirar tudo de seus corpos. Todo o mal e essas coisas".

Milagres do Sabbath

Na quinta-feira, o guitarrista dos Rolling Stones, Keith Richards, em seu estilo costumeiro, causou ao chamar o Sabbath (e outros grupos, como o Metallica) de "uma grande piada". Um provocador que levasse Richards a sério poderia responder: "Keith, experimente recomeçar sua carreira com dois dedos a menos e ver até onde você vai". Tony Iommi perdeu as pontas de dois dedos numa prensa de metal antes mesmo de começar sua vida artística.

Um outro milagre causado pelo Black Sabbath durante sua trajetória tem sido uma espécie de multidisciplinaridade social: seu público, diferentemente dos colegas de geração, cuja plateia elitizou-se com o tempo, é um dos mais heterogêneos. Apesar de cultuado pelos camisetas-pretas do metal, junta descamisados e playboys, empresários e office-boys, patricinhas e riot girrrls de botinha. É uma música que aproxima os guetos, os dissolve e desfronteiriza, uma nação sem alfândega.

Triste que uma doença como o câncer está penalizando os últimos momentos dessas lendas do rock pagão, como o AC/DC (que teve de tirar Malcolm Young dos planos futuros). O próprio Sabbath viu a morte diversas vezes em sua vida. O baterista Cozy Powell sofreu uma queda de um cavalo quase fatal. Um dos seus ex-vocalistas sagrados, Ronnie James Dio, morreu de câncer. O guitarrista Randy Rhoads, que era da banda solo de Ozzy, morreu em um acidente de avião. 

O Sabbath não vai para o céu. Nem tem lugar garantido no recesso, porque tem certas naturezas humanas que não combinam com o retiro e a placidez. Ozzy é uma delas. "Você vive em Beverly Hills e poderia se aposentar. Mas que bosta eu vou fazer? Olhar pela janela o dia todo?", questionou-se certa vez. Certamente é melhor rezar para ele continuar com a carreira solo, ou vai infernizar a vida dos vizinhos.