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Após 11 anos, Black Alien volta "pra cima" em disco sobre recuperação

Black Alien sai da toca após 11 anos - Gabriel Rogich
Black Alien sai da toca após 11 anos Imagem: Gabriel Rogich

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

23/09/2015 06h00

Onze anos após lançar o primeiro álbum solo, Black Alien está definitivamente de volta. O "mister Niterói" divulgou no início do mês “Babylon by Gus - Vol. II - No Princípio Era o Verbo”, a aguardada sequência do primeiro volume, "O Ano do Macaco", obra seminal que ajudou a contagiar o rap com lirismo e outros ritmos. Tudo isso está de volta, tal qual em 2004 --sobretudo, a mesma verve sincera.

Para quem queria saber como o ex-Planet Hemp está, ele avisa, em conversa com o UOL: "Nunca senti minha vida tão boa, como nos meus melhores anos da juventude”.

O novo trabalho é bastante pop, "pra cima" e reflete isso com certo clima de reminiscências, como no gangsta rap de "Rock n' Roll" (com Edi Rock) e a alegre "Skate no Pé" (que retoma a parceria com ParteUm e Kamau).

Mas, como na capa --onde peixes coloridos relembram o filme "O Selvagem de Motocicleta", de Francis Ford Coppola, e dois Gustavos se duelam em uma partida de xadrez, em referência a “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman, onde um cavalheiro joga com a morte--, o rapper projeta seu futuro ao refletir sobre a fase autodestrutiva pela qual passou. “Já tinha tido alguns princípios de overdose, eu não queria mais nada daquilo para mim, de acordar tarde, de encher a cara, de brigar na rua”, conta.

Da vinheta "1972", que abre o disco, até o fim, o título fala mais alto: é um álbum sobre a transformação através do verbo --e da vontade. Seja no desejo da vida idílica em "Homem de Família", nos agradecimentos de "Cidadão Honorário", ou na análise do período de recuperação em "O Estranho Vizinho da Frente" [O meu pior inimigo sou eu / Disso eu sei bem / Mas você quer saber? / Melhor amigo também]. “Condensei esses pensamentos, para não cair nessa cagação de regra, essa de sermão”, diz o rapper.

Sem deixar de acompanhar a discussão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização das drogas, ele opina: "o usuário de maconha não é bandido”. E não deixa de achar graça: “O William Bonner falando ‘maconheiro’? Eu chorei de rir”.

A política, presente no primeiro álbum, só voltará no próximo projeto: “Não é o caminho solar que eu preciso agora, quero coisa leve. Riso, abraço, tranquilidade”, afirma. Leia a seguir os principais trechos da conversa:

black sobre stf

  • Divulgação

    [As bandas que falam de maconha hoje] não têm a ver com ideologia. Tem a ver com dinheiro (...) Para ficar bem claro: o usuário de maconha não é bandido. O usuário precisa de um apoio, explicação de o que é o quê, malefícios e benefícios

    Black Alien

UOL - Logo no início do novo disco, você introduz: “Te apresento minha nova vida, seja bem vindo!”. Como ela está?
Black Alien -
Inicialmente era ‘te apresento minha outra vida’, mas depois eu decidi que essa outra vida seria a vida que eu quero.

Muitos esperavam que você falasse sobre o que aconteceu nesses 11 anos, mas na verdade, as letras refletem o lugar onde você está hoje –e onde quer estar. Por que o disco demorou tanto tempo?
Eu gravei “Homem de Família” e “Identidade” em 2010, período em que o SpeedFreaks [rapper parceiro de Black Alien] foi assassinado. Essas músicas seriam a base do álbum. A ideia era lançá-lo naquele ano, mas tudo parou quando o Speed morreu. Eu cheguei a gravar mais duas músicas, “Para Quem a Carapuça Caiba” e “Já na Contenção”, em 2012, depois de um tratamento que eu não completei, mas elas falavam das coisas ruins que aconteceram comigo. Eu gosto das músicas, mas a atmosfera pela qual eu passei foi muito pesada. Quero coisa leve. Riso, abraço, tranquilidade. Você entra na casa das pessoas pela caixa de som, vai ter mais um MC rancoroso e magoado falando ali? Minha vida está boa depois de muitos anos. Nunca senti minha vida tão boa como nos meus melhores anos da juventude.

“No Principio era o Verbo” começou a ser feito efetivamente na sua última internação, certo?
Foi na minha oitava internação, ano passado. Todas as outras, eu não levei a sério, embora eu tenha ido por livre e espontânea vontade. O bicho tem que pegar muito para que o dependente químico se toque que a vida está ruim. E cara, quando você está na luz, se recuperando, lavar um banheiro, dormir com mais 15 pessoas no quarto, é o de menos. “Homem de Família” e “Identidade” ficaram. “Homem de Família” era muito já sobre o que eu queria ser. Eu nem era pai ainda, mas queria ser avô. Quero ver meus netos. Já tinha tido alguns princípios de overdose, eu não queria mais nada daquilo pra mim.

Como foi encarar a folha em branco limpo?
Antes, apesar de eu me drogar e beber –mais bebida, como uísque e conhaque–, eu andava tenso, queria salvar o mundo em cada linha. O momento da criação foi estranho, mas foi uma dependência psicológica. “Se eu tivesse um drink aqui, sairia mais rápido”. Talvez, mas melhor não sairia, não. Está ficando prazeroso estar sóbrio, estou curtindo. Enquanto eu estava fazendo o disco, recebi muitos convites de artistas para fazer novas parcerias. É praticamente escrever um novo disco.

Black Alien 2 - Divulgação - Divulgação
Capa do disco "Babylon by Gus Vol. II - No Princípio Era o Verbo", de Black Alien
Imagem: Divulgação

É um disco novo mesmo?
São trilhas para desenho animado, participação em discos de artistas que eu admiro. Estou muito feliz mesmo com a minha caneta, com meu esforço. O resultado aparece.

O disco é bem positivo, mas há, principalmente em "O Estranho Vizinho da Frente”, um momento de extrema sinceridade e transparência sobre o estado de alerta em que você se encontra.
Vivemos em um mundo em que você liga a TV e a propaganda de cerveja é uma bonitona de biquíni. As pessoas bebem em todo lugar, e eu vou viver nesse mundo. A distância entre eu e minha recaída é meu braço. Eu vivo em um mundo em que se usa muita droga, em que se bebe muito, que é o showbusiness. No meu camarim, não entra bebida. O público deixa a bebidinha do lado de fora. Tem uma parte que você nem precisa avisar, tenho fãs que cuidam de mim, rezam por mim, fico até emocionado. Condensei esses pensamentos, para não cair nessa cagação de regra, essa de sermão. Também não virei santo porque parei de beber. Sou o mesmo Gustavo que faz merda.

E não tem nada de política no álbum.
Umextrapunkprumextrafunk” e “América 21” são músicas que o pessoal pede nos shows, mas eu não canto. Optei por não falar de política nesse disco. Eu fui aquele que saiu na rua com a cara pintada pedir impeachment. Ontem eu liguei a TV e apareceu a cara do Renan Calheiros. Falei pra minha mulher, que é um pouco mais nova: ‘esse cara aí era da gangue de Fernando Collor’. Quer dizer, ele está aí, presidente do Senado.

Pensar em política não te faz bem?
Me chateia muito. No próximo disco, provavelmente eu vou falar sobre a política. Eu vou estar mais adiantado no meu tratamento, eu vou saber lidar com o nervosismo na hora que eu ler sobre isso. Eu gosto de dixavar o assunto e o caminho da política não é o caminho solar que eu preciso agora.

A produção do disco está nas mãos, mais uma vez, do Alexandre Basa, que pilotou o primeiro álbum. E tem realmente esse clima solar –tem rock, gangsta, reggae, romântico...
Fui muito influenciado por rádio, e em casa pela música brasileira. Na pré-adolescência eu fui pro rock n’ roll, e na pós-adolescência pelo rap. Quando o rap entrou na minha vida, foi muito difícil ouvir outro gênero. A opção de abrir o leque foi minha, aproveitando que o produtor é um multi-instrumentista que sabe ler partituras, é praticamente um maestro. Fui me aprofundando nas batidas.

Em 2004, você era um dos poucos a abrir esse leque no rap para falar de amor e misturar gêneros. Hoje, rappers como Criolo e Emicida estão chegando a um público maior pelo mesmo caminho. O rap está bem diferente daquele tempo para cá...
Muita coisa mudou, mas eu não estive lá para ver. Depois de 2005, eu fiquei em um mundo em que estava sempre alcoolizado. Eu não consumia arte, não ia ao cinema e o único livro que li foi a bíblia. Não comprei discos, não fui a shows. Aos poucos voltei ao mundo e fui vendo. Os artistas que você citou são meus amigos, gosto das músicas deles. De vez em quando, alguém me puxa para falar o quanto aquele disco abriu caminhos. Eu aceito essa parcela, humildemente. Falar de amor é importante. O hip-hop já falou muito de guerra. Até o momento do meu primeiro disco, era só isso. Eu falei também em “Estilo do Gueto”, embora eu nunca tenha morado na favela. Quem mora lá se identificou, como também se identificou quando eu falava de surf. Moleque da favela não pode gostar de surf?

Você fez parte do Planet Hemp também.
Na nossa época era difícil você ver alguém na televisão falar a palavra baseado. Esses dias eu vi um juiz do STF falando baseado. O William Bonner falando ‘maconheiro’? Eu chorei de rir. Naquela época, não era só ideologia, a gente tinha uma banda, Cypress Hill, que pregava o uso livre, o estilo de vida: não compre, plante, fume da melhor, porque é um direito seu, como ser humano –e mostra as estatísticas: Se você cortar o álcool em uma cidade depois das 22h, o índice de assassinato cai.

Tem muitos artistas falando de maconha hoje.
Muitos agora não têm a ver com ideologia. Tem a ver com dinheiro. O Planet Hemp foi uma banda bem-sucedida. Não só porque pregava o uso, mas porque era uma ótima banda. Era um puta show. Foi outro momento, depois da era Collor. O Planet Hemp chegou quando a ditadura tinha acabado há 8 anos. Os generais estavam lá ainda. Agora aparece uma par de grupos aí glorificando isso, querem ganhar um dinheiro. Esse é um assunto que dá dinheiro. O jovem é o maior público consumidor [de maconha] no mundo. Se os pais proíbem, fodeu.

O STF está discutindo o assunto –qual sua opinião?
Eu sou a favor [da descriminalização do uso]. Para ficar bem claro: o usuário de maconha não é bandido. O usuário precisa de um apoio, explicação de o que é o quê, malefícios e benefícios. [A maconha] é um relaxante. Se você fuma o dia inteiro, não faz mais nada. Como o sistema carcerário do Brasil é um inferno, é uma fábrica de graduar bandido –se você sair vivo--, e é caro, é só uma bola de neve. No máximo, deveriam prestar um serviço comunitário, até para saber o que é a vida de verdade. Eu não posso acreditar que é válido um cidadão que está com baseado no bolso ser colocado ao lado de alguém que já matou.