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Análise: Rock in Rio é um shopping pago com trilha sonora tocada ao vivo

Alexandre Matias

Colaboração para o UOL, no Rio

28/09/2015 07h00

Você pagaria R$ 350 para entrar num shopping cuja praça de alimentação é maior do que o número de lojas, sendo que a maior delas é um espaço que vende produtos sobre o próprio shopping? Um shopping no extremo mais distante da cidade, a céu aberto, cheio de estandes de marcas distribuindo brindes? Um shopping com brinquedos de parque de diversões e cuja trilha sonora é tocada ao vivo?

Pois centenas de milhares de pessoas toparam desembolsar centenas de reais para circular por um festival de música no qual os shows são apenas mais uma atração --e as muitas filas formadas durante o evento terminavam nas lojinhas dos principais patrocinadores, que distribuíam brindes que os frequentadores do evento não titubeavam em esperar horas apenas para levar um souvenir para casa.

Lama Rock in Rio - Tiago Dias/UOL - Tiago Dias/UOL
Lama recolhida no local da primeira edição do Rock in Rio, em 1985
Imagem: Tiago Dias/UOL

O deslumbre autorreferencial do Rock in Rio com sua própria história chegou a extremos insuportáveis, perfeitamente exemplificado pelo azulejo de acrílico que colocava à venda a lama da Cidade do Rock original de 1985 --e que, por sinal, foi recolhida em 2015-- por R$ 185. Mas o excesso de auto citações ao festival --sempre acompanhado da música-tema que imagina "se a vida começasse agora"-- era só uma parte da overdose de marcas, que patrocinavam cada centímetro do festival.

Adesivos, bastões iluminados, cilindros infláveis, pulseiras que acendem, camisetas. Todo tipo de brinde era distribuído e as mesmas marcas estavam na roda gigante, na tirolesa, no karaokê, na cabine de fotos, em orelhões temáticos e na montanha russa. Banco, bebidas alcoólicas ou não, operadora de telefonia celular e até fabricantes de colchões e produtos de higiene bancavam e ostentavam seus nomes em um evento que, teoricamente, celebra um gênero que nasceu da contestação e do protesto de jovens pobres, brancos e negros, dos Estados Unidos.

A trilha sonora do evento refletia essa cooptação corporativa do rock, com atrações decanas que tocam em rádios FM, cuja programação se esmera nos flashbacks. Fora os shows dos headliners Rihanna, Katy Perry, Slipknot e System of a Down, a esmagadora maioria dos shows eram protagonizados por bandas decanas e artistas com décadas em atividade. E, assim, o público, que deveria ser primordialmente jovem num evento com essa abordagem, ia dos sete aos 70 anos --todos entusiasmados em levar marcas de presente para a casa.

O último dia do Rock in Rio 2015 foi uma boa amostra dos diferentes públicos que frequentaram o festival. Por mais que Katy Perry pudesse ter baixado a média da faixa etária do público, como fez Rihanna no dia anterior, a presença do A-ha garantiu uma considerável massa de pessoas com mais de 40 anos. E o domingo viu turmas de amigos, casais gays, famílias inteiras, idosos, crianças e adolescentes, todos passeando felizmente por uma cidade de mentira.