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Primeira turnê do Queen no Brasil teve suborno e esquadrão da morte

O cantor Freddie Mercury, vocalista do Queen, morto em 1991 - AP Photo/Gill Allen
O cantor Freddie Mercury, vocalista do Queen, morto em 1991 Imagem: AP Photo/Gill Allen

Felipe Branco Cruz

Do UOL, em São Paulo

12/10/2015 06h00

O coro de milhões de pessoas regido por Freddie Mercury cantando “Love of my Life” em 1985 na primeira edição do Rock in Rio entrou para a história do Queen e do festival. Mas uma outra história, a da primeira turnê pela América Latina, em 1981, é bem menos glamourosa e quase não é lembrada pelos brasileiros e argentinos.

Capa do livro "A Verdadeira História do Queen" do autor Mark Blake - Reprodução - Reprodução
Capa do livro de Mark Blake
Imagem: Reprodução
O livro “A Verdadeira História do Queen - Os bastidores e os segredos de uma das maiores bandas de todos os tempos” (Ed. Seoman - R$58), de Mark Blake, lançado no Brasil neste ano, revela que o grupo via o continente como um lugar exótico ou uma verdadeira selva.

O autor conta que a banda enfrentou diversas dificuldades tanto na Argentina como no Brasil, com promotores locais incapazes de bancar o alto cachê, além de policiais corruptos que exigiam suborno para tudo.

No Brasil, o Queen fez show só no Estádio do Morumbi, mas tentou várias vezes conseguir autorização para tocar no Maracanã. Todas as tentativas foram negadas pelo governador Chagas Freitas. Para tentar convencê-lo, a banda ofereceu em troca doações em dinheiro para obras de caridades da primeira-dama do estado. O governador, no entanto, declarou que o estádio só poderia receber “eventos de relevância desportiva, religiosa ou cultural” (como a visita do Papa e o show do Frank Sinatra, ambos em 1980).

A turnê começou pela Argentina. Freddie Mercury queria reproduzir no continente o mesmo show que fazia na Europa e nos Estados Unidos com as 100 toneladas de equipamentos. Para isso, a banda abriu um escritório em Buenos Aires que ficou responsável por negociar as apresentações na América Latina. Em uma declaração publicada no livro, o fotógrafo da banda, Peter Hince, disse que “as coisas se desenrolaram da maneira costumeira. Você paga a alguém e eles deixam você entrar. Todas as transações eram feitas em dólares norte-americanos, e o escritório do Queen providenciava para estes circulasse em quantidade suficiente”.

Quando finalmente os músicos chegaram na Argentina, eles foram alertados para não usarem drogas. Disseram para a banda: “Bem, isto aqui não é um paraíso para os usuários de drogas. As leis, aqui, são muito severas; e, por favor, não se esqueçam de que este é um país católico”.

Banda Queen posa ao lado de Diego Maradona em 1981 em turnê pela Argentina - Reprodução - Reprodução
Freddie Mercury mostra o traseiro em foto com Maradona
Imagem: Reprodução
A apresentação portenha ocorreu no campo do Vélez Sársfield e o Queen teve que trazer a própria grama artificial para cobrir “os preciosos campos dos estádios de futebol da América do Sul”. “Isso era apenas metade do problema”, disse o guitarrista Brian May. “A outra metade foi tentar obter permissão para que parte da plateia pudesse pisar no campo, propriamente dito”.

De acordo com o livro, o Queen ainda tinha apresentações marcadas em Córdoba e Belo Horizonte, mas que foram desmarcadas por “qualquer motivo”. Na ocasião, a Argentina passava por um período de reorganização política após os duros anos da ditadura militar. Por conta disso, pediram para a banda não tocar “Don’t Cry For Me Argentina”. “Havia uma preocupação de que, com uma plateia tão vasta, o evento pudesse assumir um caráter político”, disse Mercury.

No camarim, a banda foi apresentada a vários jogadores de futebol e autoridades. Um deles foi Diego Maradona, que posou para uma antológica foto em que Freddie Mercury aparece mostrando o traseiro para a câmera.

Sufoco no Brasil

Finalmente a vez do Brasil chegou e a banda tinha que transportar as 100 toneladas de equipamento por terra da Argentina até São Paulo “atravessando selvas”. “Ao chegarem à fronteira brasileira, os homens se depararam com oficiais alfandegários que pareciam estar determinados a examinar cada peça do equipamento. De algum modo, um acordo foi estabelecido - presumivelmente envolvendo certa quantidade de dólares norte-americanos”, diz o autor.

Os shows na capital paulista ocorreram nos dias 20 e 21 de março. “Em São Paulo, os guardas costas designados para o Queen havia sido recrutados dentre os membros do tristemente famoso ‘Esquadrão da morte', uma ramificação extraoficial da polícia brasileira”, escreve o autor. “Eles eram aqueles policiais realmente brutais, capazes de matar pessoas por qualquer motivo banal”, disse Mercury.

Mas os problemas não acabaram por aí. No Morumbi, a iluminação pifou e foi preciso alugar novos spots. Eles perceberam que os spots alugados eram da banda Earth, Wind and Fire porque havia neles pinturas com o logo da banda. “Depois descobriu-se que se tratava de equipamento confiscado à banda homônima na turnê do ano anterior”, revela o autor.

Para também não terem os equipamentos confiscados, os produtores do Queen agiram logo que os shows acabaram. Uma equipe transportou as 100 toneladas direto para o aeroporto e um dos integrantes do staff da banda passou 18 horas montando guarda até que tudo pudesse ser embarcado em uma avião de carga para os Estados Unidos, com escala em Porto Rico.

Embora, de acordo com o relato do livro a turnê tenha sido um caos, o Queen ficou satisfeito com o resultado. Ao todo, o grupo lucrou US$3,5 milhões de dólares com a turnê pela América Latina. Em 1985 eles voltariam ao Brasil para o primeiro Rock in Rio e o resto é história.