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Ice Blue sobre filme do N.W.A: "Foi uma revolução para a juventude negra"

Ice Blue*

Especial para o UOL

29/10/2015 15h01

Para o rap, o N.W.A. foi uma grande transformação, um grito de liberdade. Na época, não existia YouTube, era mais difícil de descobrir as coisas, mas comprávamos muitos discos, o KL Jay comprava muito. Quando apareceu o N.W.A., a gente já sabia o que estava acontecendo e viramos fãs incondicionais.

“Straight Outta Compton – A História de N.W.A.” transmite o que eles foram: os primeiros caras que realmente começaram a bater de frente contra a polícia, contra o sistema mesmo. Foi quando eu vi a importância real desse movimento musical, que teve influência total sob várias gerações. 

Quatro caras contestando, relacionados com pessoas do crime, da periferia, com a mesma linguagem, é uma coisa que influenciou demais os Racionais. Nos identificamos de imediato. O gangsta rap foi o estilo que o Racionais adotou, que é a linguagem da rua. Estar mais próximo das coisas que acontecem, entender o conceito da rua.

O filme pontua o tempo, a importância das músicas, a proibição que eles sofriam da polícia para tocar em alguns lugares e a não-aceitação da indústria cultural americana. Aparentava ser um movimento violento, mas a juventude se identificou rapidamente. Não era um movimento consagrado, estava aparecendo. O Easy-E era um cara que vendia drogas na rua quando entrou no projeto.

Estamos total representados.

No Brasil, Ice Blue, do Racionais MCs, foi um dos primeiros rappers a investir em moda urbana, há mais de 10 anos. Hoje, ele comanda a grife Ice Blue on Hip Hop - Shin Shikuma/UOL - Shin Shikuma/UOL
Ice Blue, do Racionais MC's
Imagem: Shin Shikuma/UOL

As músicas são atuais ainda e filme é representativo também para o momento que o rap vive hoje, principalmente no Brasil -- esse momento de evolução, de transição para um novo discurso



O Racionais passou por isso também na época. A gente era perseguido – eles por causa de “Fuck tha Police”, a gente por causa de “Homem na Estrada” e “Diário de um Detento”.

O preconceito existe até hoje, mas nos anos 1990 era muito pior. O máximo que o cara conhecia de música black era Tim Maia e Jorge Ben. No máximo. O cara que assinava o cheque por trás da mesa, só conhecia isso. Hoje, qualquer pessoa da indústria conhece Emicida, Racionais. Conhece o movimento. Na época, falávamos de algo que sequer existia.

O filme é inspirador. Dá um entendimento dos anos 1990 e mostra a importância de nomes como Ice Cube,  Notorious B.I.G., Tupac Shakur e das gravadoras que eles criaram na época. Foi uma grande revolução para a juventude negra dos Estados Unidos, e também para os negócios – abriu-se um outro portal de negócio financeiro. O que precisou ser feito para hoje os caras terem voz? Os caras hoje fazem milhões, tem espaço cativo, por que eles abriram as portas.

Você sai do cinema querendo fazer música. Saí resgatando coisas antigas, fotos, músicas do Tupac, do Dr. Dre, coisas que eu tinha esquecido. As músicas são atuais ainda e filme é representativo também para o momento que o rap vive hoje, principalmente no Brasil -- esse momento de evolução, de transição para um novo discurso.

As pessoas hoje dizem que o rap se vendeu. Ninguém gosta que as pessoas evoluem. A gente nunca cantou para ninguém morar a vida toda e morrer na favela. O Racionais cantou para que as pessoas não tivessem vergonha de onde moram e acreditar no sonho.

O filme vai trazer um auto-entendimento necessário para o rap.

* Ice Blue é um rapper brasileiro, membro-fundador do grupo Racionais MC's e apresentador do programa de rádio "Balanço Rap" na estação 105 FM